No Caixão
O ser humano tem diversos credos que o conforta sobre a dúvida maior da vida, construída sobre a certeza maior da vida:
"A morte virá."
O dia amanheceu com o céu limpo, Guilherme, como de costume acordou cedo para ir a faculdade, não quis comer nada, estava com pressa, no meio do caminho comeria alguma coisa. Pegou o ônibus e saiu de casa dez minutos depois do horário de costume, perdera a hora.
De forma estranha percebera que aquele dia estava com um quê melancólico, o que lhe fez desacelerar, pensou no quanto corria todos os dias de casa pra faculdade e da faculdade para o trabalho e no trabalho trabalhava sob estresse, tudo para bancar uma faculdade que fazia só por fazer, achava importante ter diploma superior, mas, não gostava de nada na vida.
“Que vida frustrante a minha”, pensamento que veio firme em sua cabeça e depois se desanuviou. Resolveu que não iria na faculdade aquele dia, entrou numa lanchonete e tomou um gole de café lentamente, enquanto saboreava um misto quente, “há quantos anos não parava para saborear uma comida?”, pensou.
Foi então que cansado dos pensamentos, cansado da correria, cansado do trabalho, cansado de tudo resolveu voltar pra casa, iria planejar uma nova vida, uma vida de que gostasse. O único problema é que todos nós temos um tempo. E o tempo dele havia acabado.
Foi de súbito que Guilherme sentiu o braço formigar e depois uma dor aguda no peito, “Ele tá passando mal, chama a ambulância”, foi a última coisa que ele ouviu, seguido de um zumbido no ouvido. Deu entrada no hospital já morto, infarto em jovens costumam ser fulminantes e ele não escapa às estatísticas.
Alguns diriam que este seria o fim da história, mas, este é só começo do fim.
A consciência subsiste a morte.
Velório, enterro, tristeza dos familiares, tudo isso se passou em menos de 48 horas, Guilherme estava enterrado, jazia tranquilo em seu caixão. Foi quando percebeu sua situação, estaria mesmo morto? Como teria consciência de tudo que estava acontecendo? Ele sabia que não respirava mais e que seu coração não batia, seu corpo estava inconsciente de fato, mas, algo sobre ele ainda existia naquele caixão.
Sentia desfazer-se liquefeito o cérebro, e o corpo atacado de bactérias que penetravam-no rijo e inchado como estava, sentia uma angústia carnal, como se um milhão de formigas o estivesse penetrando os tecidos que se desfaziam revelando as carnes podres, não queria ter consciência de que tudo aquilo estivesse acontecendo, queria escapar, mas, era algo entre um morto e um vivo, um morto-vivo!
Lembrou-se de Deus, da religião e se perguntou se aquilo era o inferno, talvez um castigo por não ter aproveitado bem a vida. Pediu perdão à Deus enquanto sentia que os olhos comidos por vermes atacavam-no por dentro, devorando lentamente cada órgão de seu copo.
Foram dois anos de angústia até que todo o corpo se decompusesse e sua consciência tomada de horror e espanto estivesse demente solta pelo mundo, mas, não por muito tempo.
Sentiu que uma estranha e implacável força o puxava para algum lugar e quando deu conta de si estava sentindo calor do sangue correndo em veias, e o coração pulsar, o movimento inconfundível do pulmão e o fluxo indescritível das sinapses.
O que pode causar a humanidade uma consciência assim?
------------------
Título gentilmente criado pelo Klever Corvus!