Um Experimento Científico
Pedro achava que era a única pessoa do mundo que dizia que o ar de Petrópolis tem um cheiro específico. Ao retornar à cidade depois de tanto tempo, pelo vento que entrava pela janela do ônibus ele sabia que estava chegando. Sentia falta desse cheiro. Não só do cheiro da cidade, mas sentia falta da casa em que vivia, da família que o acolheu, e dos amigos que fez ali.
Ele saiu de Petrópolis ainda criança há dez anos, depois de uma tragédia que mudou sua vida para sempre. Pedro nunca esqueceu o dia em que encontrou os corpos dos seus pais e da sua irmã, brutalmente assassinados na sala de estar. E nunca esqueceu o bilhete que o assassino deixou: "Eu sei o seu segredo. Eu vou voltar para te pegar".
Pedro foi levado por uma assistente social para um orfanato em outra cidade, onde recomeçou a vida. Mudou de nome, de escola, de amigos. Assumiu uma nova identidade.
Agora, ele estava de volta a Petrópolis, por um motivo que ele não podia recusar. Recebeu uma carta anônima, dizendo que sabia onde estava o assassino da sua família. Ele tinha que ir até a casa onde tudo aconteceu, à meia-noite, sozinho. Ele tinha que enfrentar o seu passado, o seu segredo.
Pedro chegou à casa, que estava abandonada e coberta de teias de aranha. A porta foi arrombada, diferentemente da noite em que perdeu sua família. Tudo estava completamente escuro, mas isso não o atrapalhava. Ele deu três passos para dentro, mas parou antes de dar o quarto. Olhou para baixo, estava dentro de um círculo de sal.
Sem se mover, aguardou alguns instantes, e um holofote o iluminou, cegando-o por um momento. Uma risada satisfeita quebrou o silêncio.
- Cara, como você é burro. - Disse o homem descendo a escada. - Eu tinha preparado um monte de truques para você, mas tu foi cair logo no primeiro.
O homem se vestia como um jogador de paintball, deixando à mostra apenas seu rosto já envelhecido pelo tempo, os cabelos mais grisalhos do que pretos, o rosto com sardas queimado de sol. Pedro deduziu que sua carabina não tinha munição convencional. O sujeito se aproximou relaxado, a arma abaixada, como se Pedro fosse um animal enjaulado.
- Eu sabia que você seria um alvo fácil. - O homem se aproximou, Pedro não esboçou reação. - Tu é inexperiente, viveu uma vida comum por muito tempo. Mas eu não esperava que fosse tão fácil.
- Foi você? - Pedro perguntou, após alguns segundos. - Você matou minha família?
- Sim, fui eu.
- E por que me poupou?
- Queria fazer um experimento científico com você. - O caçador deixou escapar um leve sorrisinho, enquanto Pedro esboçou reação emocional pela primeira vez, visivelmente confuso. - Dizem que crianças da sua espécie só se tornam adultos depois de passar por uma experiência traumática. Eu quis fazer um teste. Sabe, não há muitos de vocês por aí, então era uma oportunidade rara de adquirir um conhecimento que poderia ser útil.
- E você matou minha família para isso? Eles nem eram minha família de verdade!
- Sim, é uma pena. Eu só descobri que eles não eram como você depois que os matei. Eu te vi se transformando, te segui por uns dias, e quando tive a oportunidade… Bem, você sabe o que aconteceu.
- Eles nem sequer sabiam o que eu era!
- Bom, sinto muito, de verdade. Eu não faria mal a eles se soubessem que eram humanos, eu juro.
Pedro fechou os punhos com força, mas o homem nem se alterou.
- Escuta, já que estamos conversando… Bem, por quanto tempo você viveu como uma criança?
- Bom… - Pedro voltou a falar em um tom frio, segurando o ódio, mas seus olhos começaram a ficar vermelhos. - Minhas lembranças de antes de estar com esta família são um pouco confusas, mas… Minha memória mais antiga foi chegar ao Brasil com a Família Real Portuguesa. Sabe, fugindo da guerra. Nunca me disseram nada sobre a minha família de verdade, mas não havia outros como eu, então acredito que eles tenham ficado na Europa.
- Então foram uns 200 anos.
- É, por aí.
- E você envelheceu algo nesse tempo? Sabe, antes de…
- Acho que eu cresci alguns centímetros, não sei muito bem.
- Mas nesses últimos dez anos você se tornou um homem. Bem, isso prova que a hipótese de que vocês envelhecem depois de um trauma é verdadeira.
O homem afrouxou a mão que estava no gatilho. Pedro sentiu uma onda de calor percorrer o seu corpo, e um rugido saiu da sua garganta enquanto ele saltava em alta velocidade. O assassino ainda tentou apontar a arma, mas com uma mão Pedro a tomou antes que ele atirasse, com a outra agarrou seu pescoço e o ergueu no ar.
O homem se debateu, tentando pegar outra arma em sua roupa, mas Pedro agarrou seu punho e o quebrou em um ângulo impossível como se fosse um graveto. Era saboroso ver o terror, a dor, o arrependimento nos olhos do caçador com seus olhos que a essa altura estavam totalmente vermelhos como sangue. O sujeito até tentava gritar de dor, mas com uma mão Pedro apertava seu pescoço com tanta força que ele mal podia grunhir.
- Um dia eu conheci uma pessoa do meu povo que me ensinou o truque do sal. Sabe, os humanos acham que o sal nos impede de nos mover, então é só você fingir que isso é verdade, e quando a pessoa menos esperar… você a ataca de surpresa. Até que você não é tão esperto assim, afinal.
O caçador foi perdendo as forças, e se entregou.
- Não, espere, você não vai morrer ainda. - Pedro disse com um sorriso noi rosto, deixando o homem cair no chão. - Eu me alimentei de poucos humanos ao longo da vida. E sempre foi rápido, com medo, com pressa, com culpa. Mas você é especial. Você vai ser com calma. Eu vou fazer um experimento científico com você. Quero entender como seus órgãos internos funcionam.
Agarrou-o pelo calcanhar e o arrastou calmamente para a escuridão.