Contos Obscuros - O corpo na calçada
Ted só queria paz.
Não aguentava mais seu trabalho, sua vizinhança, a esposa, as gêmeas, o cachorro, nem mesmo o banco lhe cobrando a hipotéca de maneira insistente.
Um belo dia, saiu para trabalhar pela manhã, andou duas quadras e parou. Colocou a mão no peito, olhou ao redor com a vista embaçada, a respiração arfante.
Caiu.
Sally Moss abriu sua porta para pegar o jornal para seu esposo, já havia preparado a mesa para o café, e sabia que o esposo gostava de comer lendo as notícias do dia.
Parou.
Ali, na calçada, estava um corpo.
Sally Moss ficou no meio do caminho, sem saber o que fazer. Pegar o jornal e voltar para dentro? Gritar por socorro? Ou até mesmo pedir educadamente que aquele corpo fosse se deitar em outra calçada?
O marido de Sally Moss saiu pela porta impaciente. Onde estaria seu jornal?
Viu a esposa parada e depois viu o corpo na calçada.
Ele foi devagar até lá.
- Cu- cuidado. - conseguiu dizer Sally Moss.
Ele parou perto do corpo, olhou. Depois olhou ao redor. As pessoas começavam a sair de casa para o trabalho ou para a escola.
Richard Pratt, seu vizinho que trabalhava na loja de construção parou do outro lado da rua. Sua esposa em um dos braços e o seu pequeno garoto gordo no outro.
- O que houve, Sally Moss? - perguntou a senhora Pratt.
- Oh, um corpo. Amanheceu aí. Eu... eu não sei o que fazer.
Outras pessoas já se aproximavam. Todos perguntavam, questionavam a pobre Sally Moss. O que ela fazia com um corpo na sua calçada, afinal?
- Onde está o jornal? - perguntou seu marido.
- O que? - disse Sally Moss.
- O jornal?
Ela pegou o jornal automaticamente e passou para o esposo.
Donnie Finley que observava tudo perguntou:
- Ora, o que você quer com o jornal, Moss?
- Ver se há alguma notícia sobre este corpo, afinal.
Não havia.
Mildred Collins, com seus dois fedelhos ao lado levantou a voz.
- É o velho Ted.
Era Ted.
Phil, o fedelho mais velho de Mildred foi correndo até a casa de Ted, chamar a esposa.
Ela chegou aturdida secando as mãos no avental. Suas gêmeas logo atrás, e o cachorro latindo e pulando.
- Ora, Ted. O que faz aí caído na calçada de Sally Moss?
E virando para a vizinha:
- Desculpe, Sally.
O padre chegou, ao lado do delegado. Alguém havia comunicado o delegado e o padre veio por curiosidade.
Os alunos da escola secundária que passavam por ali, pararam para olhar. Algumas professoras também.
Em pouco tempo a notícia se espalhou. Quase toda a cidade estava ali, parada em frente a calçada de Sally Moss. E ali, estava o corpo.
O corpo na calçada.
O delegado estava pálido. Não sabia o que fazer.
- Ora, Ted. Vamos. Levante-se daí. Não incomode mais a senhora Sally Moss, vamos.
Nada. O corpo permanecia ali na calçada.
Alguém na multidão disse afinal:
- Morto.
O burburinho tomou conta da multidão.
- Morto? - disse a esposa. - Como ousa, Ted? Vamos, levante-se daí. Você esqueceu que tem a hipotéca? E o aniversário das gêmeas é sábado próximo, você precisa organizar a festa. Ande, levante daí.
Os vizinhos começaram a concordar com ela, rogando que Ted se levantasse e fosse cumprir suas obrigações. Não tinha o direito de ficar ali. Como um corpo na calçada.
O padre cobrou suas ausências na missa. O banqueiro advertiu que a hipoteca estava para ser liquidada. Outras tantas reclamações. Alguém pediu que devolvesse uma ferramenta, outro que aparasse a grama pois estava alta demais.
O delegado não sabia o que fazer.
O médico sacudiu a cabeça negativamente.
- Eu disse a ele que deveria parar com a correria, deveria repousar mais. Deve ter sido o coração.
- O coração? Ele nunca teve coração, doutor. - bradou a esposa.
Sally Moss estava parada de olhos arregalados, toda a cidade falando ao mesmo tempo, ela olhava o pobre Ted. O corpo na calçada. Ela pensou que só queria um pouco de paz.
De repente, o corpo levantou.
Não disse nada. Todos ficaram em silêncio.
O corpo na calçada caminhou a passos firmes. Todos o seguiram.
Sally Moss saiu atrás da multidão, escandalizada.
O corpo da calçada foi em direção ao cemitério, entrou.
Havia ali uma cova aberta. O corpo desceu, deitou-se ali dentro.
Todos ficaram ali, parados, olhando, em silêncio.
O coveiro veio calmamente. Pegou sua pá. E fez seu trabalho. Cobriu o corpo da calcada com terra. Bateu a terra sobre a cova, depois colocou a pá de lado, tirou o chapéu e limpou o suor da testa. Recolocou o chapeu e saiu.
Aos poucos todos foram indo embora sem dizer nada. O delegado, o médico, as professoras, os alunos, os trabalhadores, os vizinhos.
A esposa e as gêmeas.
Por fim, o cachorro.
Sally Moss era a única ali, parada, olhando a cova recém fechada.
- Descanse em paz, Ted.
Disse Sally Moss, e foi embora.