O diabo e eu - CLTS -25
“A morte sempre me atormentou, durante a minha existência. Estar enterrado, sendo devorado por vermes, sempre me trouxe angustia, mesmo consciente de que não haveria dor após a morte. Ou não!”
CANÇÃO DE NINAR
Diga, o nosso destino.
Fala, meu Bicho do Sul.
Meu e deste ser pequenino.
Tu vêm da Beira do Sul?
Vêm! E pega esse menino.
E vai comer com angu.
***
“Como perdi o medo do escuro? Abracei ele com todas as forças, e não larguei mais.”
A primeira vez que meu amigo Tannin, veio até mim, foi numa noite onde minha mãe cantava está canção de ninar. Ele apareceu como um menino, que eu era, naqueles dias. Eu não fiquei atormentado, nem com a canção e nem com sua presença.
É isso mesmo que vocês estão pensando, eu vejo demônios, todos eles. Estão em todos os lugares, com vários nomes e denominações. Muitos de nós podemos ver, em todas as culturas eles estão, representados de todas as formas.
Eles fisicamente não são muito diferentes de nós, só lhes falta o umbigo, e não tem nada daquela história de chifres e rabos. Mas os olhos deles são sem vida, e profundos.
Quando eu brincava sozinho, meu amigo estava sempre comigo, dizia para meus pais que eu estava falando com meu amigo imaginário. Tannin, sempre gostou muito de jogos, e me ensinou vários deles. Aprendi xadrez com ele.
Nós sempre contávamos histórias, um para o outro, a que mais gostava era aquela que ele contava sobre a rebelião no céu espiritual, ele sempre dizia que aquela anarquia não foi uma boa ideia, a legião tomou uma surra e ainda foram expulsos. E viviam vagando pelo mundo em tormento.
Nós assistíamos desenhos juntos, gostávamos muito do episódio do Pica-pau aonde ele dizia: “Eu sou um diabo necessário.”
Um dia sem explicação meu amigo foi embora, então dores de cabeça começaram a me atormentar, minha mãe me levou ao médico, e começou uma história sem fim com os malditos remédios.
COMPRIMIDOS DE TORMENTOS
Na infância, tudo era pranto.
Mente sem entendimento.
Eu, ficava no meu canto.
Buscando conhecimento.
Escrever, desabafando.
Lendo! Palavras ao vento...
..., DROGAS E ROCK AND ROLL...
Na adolescência eu e meus amigos montamos uma banda de rock, porém tínhamos mais talento pra fazer merda do que música.
Não tínhamos apoio dos nossos pais e nem dinheiro. Armamos um esquema para assaltar uma loja de instrumentos musicais.
Roubamos um carro da funerária, fiquei do lado de fora, com o motor ligado, enquanto eles arrombavam a loja, e carregavam o carro, com tudo que precisávamos.
Na estrada uma Blitz policial, cruzou nosso caminho, eu acelerei, furei o bloqueio, fomos perseguidos, na estrada um cachorro preto atravessou nosso caminho, desviei perdendo o controle do carro. Capotamos!
Bati com a cabeça no teto e fiquei seis meses em coma, quando voltei das trevas o pior foi encarar a notícia de que todos meus amigos estavam mortos.
Minha mãe estava sentada perto ao meu leito no hospital, quando acordei ela cantava a sua canção de ninar, meu amigo Tannin havia voltado, e ficou comigo até eu entrar na faculdade de jornalismo.
O SONHO
Foram tempos difíceis após o acidente, meus pais se separaram, e minha mãe mudou de igreja. Não fez muita diferença, os seres malignos estavam em todo lugar, e eu podia vê-los, tanto no mundo, como no coração dos homens.
As coisas melhoraram quando passei na faculdade de jornalismo.
Bob, meu amigo da faculdade, quando fazíamos uma leitura conjunta sobre o livro Fausto do Goethe, me contou um sonho que teve com o Coisa-ruim. Que eu escrevi em cordel para presentear meu novo “amigo”.
Vi num campo verdejante.
Na porta Nossa Senhora.
Onde vi um casebre branco.
Entrei lá sem medo, na hora.
Ela me tranquilizou.
Sonho? Não teve demora.
Numa sala, vi o Diabo.
Na hora me fez uma oferta.
Sabendo o Cão, o que eu queria.
Fazendo uma escolha certa?
E foi feito o pagamento.
O amor, era minha meta!
Queria aquela mulher.
O desejo era sedento.
Por fim, fechado o negócio.
A alma ficou sem alento.
Em chamas! Queimei por dentro.
Que maldito sacramento.
Sete meses depois do sonho, o falso amigo roubou minha namorada. Brigamos em uma aula, dei uma cadeirada nele e fiquei com o olho roxo.
O casamento deles? Um verdadeiro inferno. Dessa eu escapei!
Depois disso enfiei a cara no trabalho, foi o melhor remédio.
***
NOVO COMEÇO
Na vida eu era escritor.
Eu, tudo queria mais.
Eu, e bilhões de seguidores.
Na escrita, eu era um arrais.
Do meu querer possuidor.
Então busquei o Satanás.
***
“Minha única virtude? Contar histórias!”
Então a vida permitiu que eu fosse escritor desde criança, incentivado pela minha professora de português, Tia Sônia, que viu que eu tinha talento para esse ofício.
Quando era criança todos ficavam hipnotizados, com as histórias que eu inventava. Mundos mágicos, seres fantasiosos e reviravoltas mirabolantes no enredo.
No primeiro ano de trabalho no jornal, depois de publicar alguns contos e poemas, escrevi meu primeiro romance. Decidi me aventurar em um novo gênero literário que surgiu no fim da pandemia, e ganhou certa relevância, o TERRIR,(terror com humor).
Houve até casos de pessoas que morreram de tanto rir, lendo meus livros.
Muitos críticos literários renomados e conservadores torceram o nariz, diziam que aquilo não era literatura, que a minha escrita tinha algo de prolixo. O que eu achei disso tudo? Foda-se!
Mas a voz do povo vocês sabem como é que é, e esse novo gênero ganhou o mundo.
O sucesso do meu primeiro romance foi um absurdo. “Deixados para trás”, é uma mistura de ficção cientfica, mundo pós-apocalíptico, terror e uma pequena pitada de humor. Recebi a proposta de adaptação para o cinema, as salas em todo mundo lotaram, depois disso dinheiro nunca mais foi problema.
*
GANHANDO O MUNDO
Eu estava escrevendo meu segundo romance, e já morava na minha mansão com minha mãe, quando certa noite Tannin veio me visitar depois de muito vagar pelo mundo.
– Quem era aquele cachorro preto na estrada, Tannin?
– Era o Mestre!
– Mestre… Que Mestre?
– O maior entre nós! Ele têm muitos nomes.
– O Coisa-ruim?!
– Sim! Você pode chamá-lo assim.
– E por que ele atravessou meu caminho daquele jeito?
– O problema não era contigo meu amigo.
– Não consigo entender...
– Seus amigos, mexeram com o que não deviam.
– Têm como eu falar com o seu Mestre?
– Posso conseguir uma audiência para você, mas vai demorar.
– Espero o tempo que for preciso!
– Você que sabe. Quando for falar com ele, deve ter prudência, não se esqueça que ele é o Pai da Mentira.
– Sim! Eu não me esquecerei.
Tannin dessa vez ficou um bom tempo entre nós, quando eu escrevia meu sexto romance ele desapareceu por um tempo novamente.
***
OS SEGUIDORES PERSEGUIDORES
Depois que a mamãe morreu, a fama virou um inferno na minha vida. Fui o primeiro escritor da história a ficar bilionário, tinha bilhões de seguidores nas redes sociais, tive que contratar cem pessoas para gerenciar tudo, responder aos fãs, fazer postagens. Do contrário seria impossível escrever.
Tudo que eu escrevia era sucesso, virava filmes, series e animações, já havia ganho todos os prêmios possíveis. Com a publicação do meu sexto romance, “Nós Somos os Deuses”, fui nomeado para a academia brasileira de letras, até no livro dos recordes eu entrei, meus livros foram traduzidos para mais de duzentas línguas.
Mas faltava o nobel de literatura.
“E tinha algo que eu queria, acima de tudo.”
O RETORNO DE TANNIN
Viajei para Nova York no meio do ano para escrever meu sétimo romance. A solidão foi um grande problema naqueles dias, bebidas, drogas e orgias já não me preenchiam.
Quando o inverno chegou e eu finalizei todo meu trabalho. Numa noite de nevasca, Tannin voltou com uma ótima notícia.
– Consegui a sua audiência com o mestre. Ele mandou um e-mail para você. Pode verificar.
– Serio? Vou ver agora!
Era verdade! Eu teria que voltar, o encontro seria num edifício no centro do Rio de Janeiro.
– Você está pronto para falar com o mestre?
– Sim! Esperei a vida toda por esse momento.
– Eu vou com você, mas não posso entrar no prédio. Você ainda pode desistir.
– Não vou desistir. Vou em busca do que sempre quis na vida.
– Boa sorte! Você vai precisar.
***
RIO QUARENTA GRAUS
Calor! Rio de Janeiro.
Verdadeiro caldeirão.
Cidade mais infernal.
Uma eterna tentação.
Meu destino era traçado.
Chegando, fui ver o Cão.
***
Chegando, depois de almoçar fui direto ao centro da cidade, na Avenida Getúlio Vargas número 6…, uma da tarde, dava para fritar ovo no asfalto.
Tannin disse que ficaria ali fora me esperando. No andar da audiência fui recebido pela secretária do Belzebu.
***
A TENTAÇÃO
A fraqueza, até o diabo
Sabe. Sentado no rabo.
A mulher é coisa boa.
E para alguns é a patroa.
A fruta da tentação.
Vão comer sem permissão.
Elas, os homens atormentam.
Nosso juízo atentam.
Seja em casa ou na praia.
O diabo veste saia.
***
A secretária era a morena mais voluptuosa que já vi na vida, com cabelos negros, e encaracolados. “Eu tenho uma coisa com mulheres com esse tipo de cabelo, não posso ver. Fico doido!” Estava vestida de conjuntinho social, que devia ser de um número menor que o dela, todo colado no corpo. Dava para ver que os seios eram feitos de puro silicone, e um traseiro de passista de escola de samba.
Quando me recebeu ela tinha um exemplar de meu último romance, pediu autógrafo, selfie e o escambau. Peguntei o porquê da demora, ela disse que o mestre estava em vídeo conferência com empresários chineses, depois dela muito se insinuar para mim eu peguei o número de telefone dela, nunca se sabe quando a gente vai querer fazer um lanche. Mesmo com todos os seus sortilégios ela não pode me enganar totalmente, pude ver nos seus olhos, a secretária era o próprio Satã, querendo me testar.
Finalmente fui levado por ela até a sala do Mestre.
***
A AUDIÊNCIA
“Deixei toda a esperança, e entrei!”
Entrando no escritório de Satanás não pude esconder a minha surpresa, o local era todo decorado com obras de arte que retratavam o diabo, esculturas e quadros de todas as épocas. Uma estante repleta de livros raros. No canto direito uma pequena mesa com duas cadeiras e um tabuleiro de xadrez de ouro com peças de marfim. Ele estava sentado atrás da escrivaninha, com a cadeira virada para a janela, de costas para mim, eu só podia ver sua mão do lado direito, segurando um charuto aceso. Eu decidi começar a conversa.
– Aqui é o inferno? Está difícil de respirar!
– Não amigo escritor, aqui é o Rio de Janeiro.
– Não deve ser muito diferente de onde você veio. E também é um bom lugar para ganhar dinheiro.
– Acho aqui bem melhor, aqui é a Nova Babilônia, meu paraíso particular.
Andei em direção a mesa com o tabuleiro de xadrez.
– Amigo escritor! Que tal uma partida apostada?
– Uma partida amistosa eu posso aceitar. Não gosto de apostas! Se for assim poderá ser jogada.
– Eu sei! Seu pai era viciado em jogos, perdeu tudo várias vezes.
– Era sim! Perdia tudo, todos os meses.
– Tudo bem! Uma partida sem valer nada, eu posso jogar.
– Vamos começar!
Eu sentei, fiquei com as peças pretas, sem sair do seu lugar ele moveu o peão branco. O jogo todo se seguiu assim, com ele sentado atrás da escrivaninha de costas, sem se levantar, e suas peças se moviam sozinhas. Ele me venceu sem dificuldade, o cavalo do Cão me deu um xeque mate. Derrubei o meu rei e fui cumprimentá-lo pela vitória.
Ele finalmente se levantou e veio na minha direção, eu fiquei horrorizado, o demônio era idêntico a mim, como um irmão gêmeo ou um reflexo no espelho, e vestia o mesmo terno risca de giz. Ele veio até mim e estendeu a mão que eu apertei.
– Gostou? Escritor!
A vaidade não permitiu que eu desse outra resposta.
– Sim!
– Por que essa cara de horror?
– Estou surpreso! Não sabia que eu era tão bonito assim.
Ele foi até o bar no canto esquerdo da sala, encheu dois copos com whisky, e me entregou um.
– Você é o maior escritor da história. Conseguiu tudo com o esforço do seu trabalho. Veio até mim por quê? Por causa dos seus amigos?
– Não! Eu já sei que meus amigos tinham uma dívida com você. E não vim aqui para arrumar mais inimigos.
– Não consigo entender, você tem tudo, e sem minha ajuda! Você é um verdadeiro Deus nas redes sociais. Eu te invejo! Por que você está aqui? Quero uma resposta.
– Para você tenho uma proposta.
– O que você poderia me oferecer? Sua alma? Não têm medo de perder sua salvação?
– Eu não busco a salvação! E nem redenção!
– Não! Você é estranho amigo escritor. O que você têm para oferecer?
– Coisa-ruim…
Ele interrompeu quando eu falei esse nome.
– Dos meus nomes esse é o que mais gosto, o povo nordestino é quem me retratou ao longo da história da forma mais bonita com seus cordéis, eles têm todo meu respeito. Desculpa por ter te interrompido. Pode continuar, por favor. Sim!
– Você já teve todos os tipos de negócios, igreja, compra de almas. Rebelião no céu espiritual também não deu muito certo. Tudo sempre vai por água a baixo! Façamos uma troca! Eu tenho o que você quer.
– O que eu quero amigo escritor?
– Ser Deus! Você mesmo disse que eu sou um Deus. Essa sempre foi a sua dor.
– Não vou negar, é tudo que sempre quis! E o que quer em troca? Tenho buscado isso por toda a eternidade.
– Se o negócio puder ser feito? Quero sua imortalidade.
– Pode ser feito. Nesse processo não há complicações. E mudará toda a história!
– Acabei de escrever meu sétimo romance. Vai nos dar o nobel de literatura, o prêmio será seu, terás toda a glória.
A vaidade encheu todo o ser de Satã. Ele estendeu a mão e eu apertei.
– Amigo escritor. Negócio fechado!
– Coisa-ruim. Negócio sacramentado!
Após o pacto selado tive uma sensação indescritível, e finalmente pude abraçar meu amigo Tannin. Para comemorar meu reinado fiz uma festa de arromba, com tudo que eu tinha direito, digna do deus Dionísio .
O diabo foi viver minha vida.
Na manhã do terceiro dia, a festa literalmente acabou. Um anjo veio do céu e me levou preso para o abismo. Porque todas as palavras das escrituras sagradas, deve ser cumpridas,(Apocalipse 20).
Aqui no carcere só me foi permitido escrever e jogar xadrez com Tannin, que está arrumando o tabuleiro para mais uma partida. O anjo deixou uma espada flamejante para iluminar o ambiente. O que me resta é esperar, mil anos para quem é imortal é um piscar de olhos.
***
E O DIABO?
O que aconteceu com o Coisa-ruim? Vocês devem estar se perguntando. Quando recebeu a notícia que havia ganho o Nobel literatura, foi tomar banho de piscina na minha mansão de madrugada, com a cara cheia de champanhe, escorregou e bateu com a cabeça na borda da piscina e morreu afogado. Fiquei sabendo que ele está no purgatório, esperando o dia do juízo. Quem sabe ele não consegue a salvação!
***
AMÉM
No mundo, existe o bem e o mal.
Uma verdade universal.
Seja amoroso.
E não rancoroso.
O retorno será sensacional.
Está difícil? Eu sei!
Diante de tanto horror.
Como criança, ser simples.
Ser no jardim, uma flor.
Sempre levando ao seu próximo.
O melhor do nosso amor.
TEMA: TERRIR E REALISMO MÁGICO