NAS PROFUNDEZAS DO ESPAÇO - CLTS 25
– Base1 para Deep-Winner, copy? – Base1 para Deep-Winner, copy?
- Deep-Winner para Base1, na escuta.
- Relate situação, copy?
- Sistemas inteligentes normais, propulsores normais, atmosfera normal, aguarda-se contagem.
- Em 10 pontos, ignição, copy?
- Sim, em 10 pontos , Base1.
- (-) 10, (-9), (-8) ...
Ignição.
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À medida que a nave se afastava do solo de Marte, crescia a vastidão do planeta com sua coloração magnética. Isso sempre me encantava, ainda que em segredo, mas a verdade é que por alguns segundos a beleza do lugar me dominava. Após tantos séculos de colonização, havia no quadrante central diversos núcleos habitacionais humanos, mas nada que competisse com a força descomunal da natureza marciana, ainda que árida, ainda que paralisada.
Marte era o perfeito exemplo da realeza crua ou da singela abstração entre o medo e a esperança. Hoje era dia da exploração do espaço motivada pelo medo. Meu nome é Aaron Matheus, comandante da nave militar Deep Winner.
Nosso destino estava a alguns anos-luz de distância, onde investigaríamos a extinção do sinal emitido pela sonda Mateo91 em uma região ainda não visitada presencialmente, apesar de não tão distante. Não havia motivo aparente para que todas as sondas enviadas anteriormente, incluindo esta última, deixassem de transmitir repentinamente sempre quando se aproximavam das coordenadas espaciais do setor Gen. 14;22. Essa era nossa missão.
Além de mim, a tripulação era composta pelo ajudante-de-ordens Maher Shalal, especialista em sistemas de navegação e leitura dinâmico-quântica, e, claro, nossa unidade de Inteligencia Artificial, Salomon, ou simplesmente Sal.
– Sal, quando estivermos além da atmosfera blue de Marte, por favor, exiba a rota da missão, velocidade e tempo de jornada, por favor – disse eu.
– Sim, senhor – ouviu-se a voz grave de Sal repercutir no ambiente.
– Nesse intervalo, mostre-nos a última imagem enviada pela sonda Mateo91.
Dessa vez, não houve resposta, apenas a iluminação no visor interno de nossos capacetes para a reprodução do que teria sido o derradeiro sinal da sonda desaparecida. A imagem era ruim, granulada, porém, era perfeitamente possível detectar uma divisória de densidade entre o que seria o vácuo espacial e outra coisa para além dessa linha.
– Mas o que será isso? – perguntou Maher Shalal – alguns colegas já disseram que poderia ser a sonhada matéria escura.
– Impossível dizer, Maher – respondi em solidariedade – vamos descobrir em breve.
Aproveitando a deixa, Sal apresentou o traçado a ser feito e tempo de viagem: 17 anos em velocidade de cruzeiro ou cinco horas utilizando a dobra quântica nuclear.
– Sal, por que você sempre informa a velocidade de cruzeiro, se nunca usamos esse recurso? – perguntou o ajudante de ordens, com um breve sorriso.
– Fui orientado nesse sentido para fornecer aos navegantes uma percepção do tempo-espaço a ser percorrido de modo a contextualizar a direção da jornada, caso ocorra algum problema técnico – respondeu Sal de forma neutra.
Eu e Maher rimos juntos e repetimos a resposta da máquina tentando imitar seu tom de voz. Essa era a resposta padrão sempre. Foi a vez de Sal nos perguntar:
– Por que vocês sempre me questionam isso em todas as viagens?
– Apenas para ter certeza de que é você mesmo, Sal, não queremos um motim na nave.
– Não entendi, comandante.
– Não se preocupe, Sal, prepare o salto quântico, inicie a contagem e acione.
– Sim, senhor.
Durante o trajeto na velocidade de luz ou até mais rápido, nossas mentes humanas ficavam em estado de torpor completo, bem como nossos corpos, de maneira a prevenir qualquer tipo de dano. Os trajes especiais que usávamos garantiam nossa segurança e Sal vigiava nossos organismos. Para os humanos, três horas, três semanas, três anos de salto representavam sempre sete minutos de sessenta segundos, não mais, não menos.
- Onde estamos, Sal? – fiz a pergunta óbvia ao recobrar a consciência.
– Exatamente no mesmo local da última transmissão da Mateo91, comandante, vista ainda há pouco.
– Acione a transparência da nave – ordenei.
De imediato, toda cobertura sólida perdeu sua consistência metálica, era como se estivéssemos em uma redoma de vidro a proteger nossos assentos e maquinários ao redor. Nossa visão do exterior era de 360º.
– Não se parece com o local da sonda, Sal – comentou Mahel quase automaticamente.
– Os cálculos estão corretos – respondeu gelidamente Sal, o que não me passou despercebido.
– Sim, eu sei – retrucou Mahel – revisei o mapa eu mesmo, mesmo assim, não parece ser aqui.
– Falta algo, onde está a divisória estranha vista na imagem?
À nossa volta, apresentava-se o espaço vazio, negro e solitário. Dizem que não há lugar mais abandonado que o vácuo do universo, nenhuma voz, nenhum som, nenhuma memória. Tudo é nada e nada é tudo o que se tem por bilhões e bilhões e bilhões de anos-luz em qualquer direção.
– Sal, exiba a penúltima transmissão da sonda – solicitei.
A imagem apresentada era idêntica à que testemunhávamos no momento. Exatamente igual.
– Sal ,,, – mas fui interrompido de pronunciar a sentença, uma vez que ele disse:
– A diferença entre essa penúltima imagem e a última transmissão é de apenas 0,09 nanossegundos, senhor, em distância espaço-tempo, menos de quinhentos metros na velocidade normal da sonda – e se calou.
Mahel me olhou estranhamente, e entendi. Sal nunca havia antecipado uma ordem ou deduzido algo como fez agora. Outro detalhe, havia um leve tom de curiosidade na máquina ou foi impressão nossa?
– Compare as imagens da sonda com a visão atual que temos, aponte diferenças de calor, químicas, radiação, qualquer coisa – disse rapidamente.
– Oh! Certamente, senhor – ele respondeu como se flagrado em erro com sua conduta anterior. Isso também não nos passou despercebido.
Em poucos segundos, expostas lado a lado com diversas marcações de temperatura, composição celulares e agentes externos, restava apenas uma conclusão: o local era o mesmo da transmissão final da Matheo91. Mas onde estava a divisória?
- Senhor, captei um fraco sinal em meu sensor áureo-dinâmico – informou Sal de forma sobressaltada.
– Origem?
– Indeterminada.
– Velocidade?
– Indeterminada.
– Frequencia?
– Desconhecida.
– Leitura?
Por um tempo absurdamente longo, Sal se manteve em silêncio, o que só angustiava mais nossos ouvidos humanos surdos a qualquer audição. Prestes a questionar novamente, Sal se pronunciou.
– Parece um pedido de socorro. Meus tradutores internos classificaram como antiga língua que evoluiu para o idioma falado hoje.
– Então vem de Marte? – inquiriu Mahel assustado.
– Vou transferir para seus ouvidos após traduzir, apurar e limpar as distorções, aguardem.
Poucos segundos depois, sem conseguir atinar com nenhuma hipótese, ouvimos claramente a mensagem:
– Ajuda... precisamos de ajuda... venham ... – ao fundo das palavras sobressaíam gritos angustiantes e sons de explosões. A voz parecia feminina.
– A mensagem se repete, Sal? Há outras? – falei.
– Não senhor, foi apenas essa, não houve outras transmissões.
Por alguns minutos, estacamos convergindo teorias entre o ocorrido e toda a situação, tecendo quaisquer explicações aplicáveis, porém, inutilmente.
– Senhor comandante, captei movimentação no espaço-tempo dianteiro – alertou Mahel.
– Impossível – retrucou Sal sem nenhuma cerimônia – eu teria notado.
– Confirme, Sal – ordenei sem entrar na discussão e imediatamente, ele anunciou em voz baixa.
– Procedente, senhor. Movimentação detectada, direção de contato com a nave, velocidade de salto, densidade incalculável. O impacto será em cinco, quatro, três....
– Transmita dados agora, Sal.
Tanto eu quando Marhel fechamos os olhos. Pelo menos descobrimos o que tinha acontecido com as sondas anteriores.
Enquanto esperávamos os derradeiros dois segundos, pensei no pedido de socorro, no planeta-mãe estudado nas aulas em Marte, do êxodo humano para Marte fugindo da Terra dizimada pelas guerras nucleares e o clima convulsionado. Todavia, os dois segundos finais não vieram, aliás, vieram mas não trouxeram consigo nosso fim.
– Sal ? – arrisquei.
– Sim, senhor.
– Informe danos.
– Não há, senhor.
Abrimos os olhos, eu e Marhel. À nossa frente a linha divisória vista na imagem da sonda surgia poderosa. Éramos minúsculos diante daquela parede que se estendia em todas as direções bidimensionais, acima, abaixo e para os lados.
– Investigue, Sal?
– Comandante, parece ser infinita em qualquer direção.
– Consistência.
– Permissão para lançar coletor, comandante.
– Concedida.
O objeto coletor foi disparado ao encontro do muro e em poucos instantes seu braço mecânico com um pequeno recipiente colheu amostra do elemento e retornou à nave.
Mal ele foi resgatado para o interior da Deep Winner, solicitei resultado.
– Composição ambiental aquosa salínica, presença de vida celular e bacteriana em profusão. Densidade superior ao estado normal da água da antiga Terra.
– Refaça a análise, isso não pode ser água salgada.
– Confirmado, senhor.
Perplexidade era o estado geral. Em nossa redoma de vidro, assemelhados a um peixe pequeno diante de um gigantesco painel de água prestes a tombar sobre nós. De onde veio isso? Como? Por que?
– Senhor comandante, os textos antigos citam a existência de um firmamento de água acima dos céus – disse Sal quase tão surpreso quanto nós.
– O que? – arguiu Mahel – isso é bobagem pré-histórica.
– Você já ouviu falar disso, Marhel – perguntei incrédulo.
– Sim, comandante, aprecio história antiga dos povos pré-marcianos.
– Sal, se isso for realmente água, obviamente ela faz pressão em seu interior. Calcule.
– Senhor, sem conhecer a outra dimensão, ou seja, a profundidade, não será um cálculo válido.
– Estime por trechos determinados. Primeiros dez quilômetros, depois vinte e assim em diante... Marhel – mudei o tema – envie o objeto coletor para o interior do muro com a precaução de um gancho para podemos rebocá-lo, se preciso.
Quando o coletor desapareceu na parede, esperamos alguns segundo antes de trazê-lo. Para nosso espanto, ele estava relativamente intacto, porem, com a aparência totalmente diferente, como se tivesse ficado abandonado por muitos e muitos anos. Obviamente envelhecido, enferrujado, amassado, apresentando uma coloração verde que se congelou e se desfez em contato com o vácuo espacial indicando ser vida protozoária.
Os cálculos de Sal sobre a pressão de tanta água não era prazerosa. Esmagaria qualquer coisa, mas como então não fez isso com o coletor?
- Senhores, há momentos de decisão na vida dos homens e há momentos que não retornam jamais. Estamos em um destes momentos – disse eu – sou o comandante da nave, mas não posso decidir sozinho o futuro da nave.
– Eu concordo – disse Marhel – não há o que pensar aqui.
– Sal ?
– Senhor, minha opinião é irrelevante, mas se pudesse expressar, seria de total concordância.
– Então está decidido. Informe a Base1, envie os dados que temos e as imagens. Acione nosso escudo protetor na potência máxima e mergulhemos nesse firmamento divisor de águas.
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Não houve resistência à nossa entrada. Lembrei-me dos brinquedos da infância nas piscinas artificiais de Marte quando usava bóias e navios na água.
A propulsão da nave se comportou naturalmente no ambiente aquoso. Navegávamos.
A princípio, tudo ficou muito mais escuro que o próprio espaço, pois o vácuo tem a escuridão distante, onde não se enxerga nada, mas que está sempre longe. Aqui nessa imensidão, a escuridão nos abraça, nos envolve, acaricia e ameaça. Ela traz e impõe temor.
Continuamos em silêncio e vagarosamente seguindo o que seria uma linha reta perpendicular ao ponto de entrada, sugestão de Mahel para, em havendo necessidade, pudéssemos voltar ao mesmo ponto do espaço.
Por uma hora ou mais seguimos adiante. Sal coletava material, analisava e anotava. A vida abundava naquele caldo líquido. Vida celular. O chamado de socorro não foi mais repetido. Ficamos nesse transe por mais de trinta e seis horas.
– Alguma mudança na constituição do ambiente, Sal.
– A temperatura subiu um pouco, senhor.
– Alguma outra ocorrência?
– Apenas uma, mas nada que...
Sal foi interrompido pelo estrondo da nave colidindo com algo aparentemente mais sólido.
– Sal ?
– Atropelamos um ser vivente, senhor, de consistência gelatinosa, mas enorme, talvez mais de 10 quilômetros de extensão entre cabeça e cauda.
– Exiba imagem.
Aquilo era um monstro. E se movimentava diligentemente. A nave ficou presa no que seria seu contorno exterior. Ele emitia luz. Tons diversos, amarelo, azul, branco... Mais além do animal, havia outros, maiores até e menores aos milhões. As formas mais estranhas e imagináveis. Todos com esse aspecto mole e volúvel.
– Tire-nos daqui, Marhel, antes que nos quebre.
Ajustando os foguetes e imprimindo força de deslocamento, conseguimos sair do corpo do animal que parece nem ter nos notado. A partir de então seguimos navegando com detecção não só de formas sólidas, mas de qualquer material mais denso que a água. Havia centenas de milhões de espécimes.
Em determinado momento, os animais gelatinosos ficaram para trás e surgiram exemplares imensos com compleição robusta e gigantesca. Fomos atacados por alguns, os quais repelimos com raios potentes. Continuamos em direção reta.
– Comandante – chamou-me Marhel – precisamos voltar.
O aviso não era sem tempo. Nosso estoque de alimentos estava quase no fim. Eu não sabia o que fazer. Resolvi prosseguir por dois dias a mais e caso não houvesse alteração, voltaríamos. Porém, não houve necessidade. A nave foi iluminada por forte fonte de luz, o que acionou a proteção de tela escura automaticamente.
- A nave está a poucos quilômetros do fim da parede de água, comandante – informou Sal.
Marhel e eu nos olhamos com o medo estampado na face. Somente os humanos receiam tanto o desconhecido, ainda que busquem por ele incessantemente.
– Desligue os propulsores, Sal.
Eu já havia notado que nosso movimento não era mais perpendicular, mas vertical, nos subíamos e isso foi comprovado sem os propulsores. A sensação era boa como se estivéssemos sendo içados para algum lugar. A luz crescia sobre nós. Nessa altura, havia peixes de todas as formas e tamanhos.
– Senhor, estamos a poucos metros do final – alertou Sal – Segurem-se.
Com os propulsores desligados e, praticamente, flutuando para cima, fomos jogados ao sair da água numa altura de alguns metros e retornamos com algum baque na água. Estávamos no meio de um oceano, sem nenhuma dúvida.
O céu era de um azul impactante. Havia nuvens brancas e ao longe algumas mais escuras. A fonte de luz era um astro amarelo, possivelmente, o mesmo que comparecia em Marte.
– Que tipo de espaço é esse, comandante?
– Vamos descobrir – mas antes mesmo de ordenar alçar voo, a nave foi atingida por objeto concreto de impacto fortíssimo, graças ao escudo ativado não houve dano.
– Propulsores no máximo, Sal.
Levantamos vôo e identificamos o agressor, Uma aeronave rústica que intentava retornar para nos alvejar novamente.
– Tire-nos daqui, Marhel.
– Sal, faça leitura da atmosfera, detecte presença de solo, mapeie o local, identifique.
– Senhor, meus sensores informam algo que não deveria estar aqui, Porém, não há erro. Inclusive, identifiquei o chamado de socorro.
– Onde estamos, Sal ?
– Estamos no Planeta-Mãe, Terra, o ano é 1945 DC.
FIM
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Tema: Terror no Espaço
Realismo Mágico.