O unicórnio de pelúcia – CLTS 25
O unicórnio de pelúcia estava localizado em uma repartição da casa abandonada. Ali já não possuía teto nem portas ou janelas, as paredes eram sujas e com partes do cimento em decomposição. O boneco estava em um dos cômodos junto a outras bugigangas como cadeiras quebradas, panelas velhas com restos de comida e roupas sujas.
ELe tinha a cor azul desbotado, patas e chifres na cor marrom e o tecido diferente do resto; as crinas feitas com lã nas cores do arco-íris e, na parte de trás de um dos lados, costurado duas estrelas e uma parte descolorida onde havia uma terceira estrela costurada.
Choveu sem parar durante duas semanas e, com isso, o casebre, onde o brinquedo estava, foi inundada. Quando a enchente chegou até a um metro de altura, começou a mover os objetos que estavam naquele local. O brinquedo se desprendeu da sujeira e começou a flutuar em direção à saída da velha casa, saiu do casebre e foi em direção ao córrego.
Julius estacionou o carro atrás dos demais que estavam parados na rodovia, ligou a luz no painel do carro que indicava alerta. Não sabia o que estava acontecendo. Ele conseguia ver apenas alguns vultos e luzes. Então alguém bateu na janela do veículo, e ele baixou um pouco o vidro.
— Uma árvore.
— O quê?
— Uma árvore caiu na estrada.
Julius colocou a capa de chuva que estava amontoada no banco de trás, depois desceu da caminhonete. Quando chegou, ele viu várias pessoas ao redor daquele tronco e conversando sobre a situação. O som da chuva dificultava a comunicação entre eles e, por isso, elas usavam um tom mais alto de voz que o normal para conversar.
— Já pediram ajuda? — perguntou Julius.
— Sem sinal de celular.
— Eu acho que nós deveríamos tirar ela da pista. Tenho cordas na camionete.
— Acho que sim — gritou alguém entre os presentes.
Distanciaram os carros do local da ação, depois amarraram as cordas em uma das pontas do objeto e iniciaram a remoção.
Aproximadamente dez pessoas tiraram a árvore da pista. Julius, antes de voltar ao carro, foi até a lateral da estrada, pois algo havia chamado a sua atenção. Pegou o unicórnio de pano que estava ali. Bateu com a mão a sujeira do brinquedo e o levou até a camionete.
No dia seguinte, a tempestade havia passado, e o homem estava à frente da empresa de restauração de objetos antigos. Ele segurava o boneco como se fosse um bebê enquanto esperava a loja abrir. Quando entrou, ele observou a atendente olhar com desdenho para o brinquedo que carregava na mão.
A loja possuía um corredor estreito, as bugigangas preenchiam todas as prateleiras que ficavam ao redor do corredor que levava até o caixa onde ficava a atendente.
— Esse unicórnio é muito importante para mim, eu quero que você faça o melhor trabalho que conseguir.
— Uhum — respondeu ela, sem olhar para o rosto do homem.
— Eu quero que fique perfeito. Quando eu era casado, a minha filha recebeu esse brinquedo no aniversário de quatro anos de idade, mas eu fiz algo que me envergonha.
A atendente continuou sem mostrar interesse nem pelo homem e sua história e nem pelo boneco de pano que ele trazia, mas, mesmo assim, ele continuou a contar.
— Foi em um dos ataques de fúria que tive. — A expressão mudou, ele olhou para o chão, demonstrando tristeza. — Eu destruí o bichinho e, durante anos, procurei por esse mesmo modelo para substituir o que destruí. Procurei na internet, em lojas de brinquedo, em todo tipo de comércio, mas nunca o encontrei.
Antes que continuasse, a mulher o interrompeu: — Preciso que deixe o seu número para entrarmos em contato, e o brinquedo estará pronto em cinco dias.
— Não tem como ficar pronto antes?
Ela não perdeu tempo em argumentar ou explicar apenas disse: — Não.
Ele insistiu, mas, dessa vez, ela apenas olhou para ele como se dissesse para que não falasse mais nada.
À noite, em casa, Julius sentou no sofá, ligou a televisão, bebeu uma cerveja e então pegou no sono. Começou a sonhar. Era um daqueles sonhos em que você tenta acordar e não consegue. Julius no sofá e a pouca luz do ambiente começaram a mudar de cor, ficaram vermelho.
Do local em que ele estava, olhou para o corredor. Onde antes era o banheiro surge uma rua e percebe vultos. Levantou e andou alguns passos em direção ao evento. Surge a silhueta de um cavalo. Negro com uma aparência majestosa, pelos cobrindo as patas, a crina grande que até cobria o olho esquerdo, e no centro da testa o chifre.
O animal corria em várias direções, então percebeu que alguém o observava. O ser parou em um primeiro momento e olhou na direção de Julius. Relinchou. Trotou de forma elegante, parou novamente. Ficou em posição de ataque. O chifre na direção do observador, com a cabeça baixa e com uma das patas ele arrastava no chão, levantando poeira. Ele agiu como se fosse um touro prestes a atacar o toureiro. O homem continuou imóvel enquanto olhava para aquela cena.
O cavalo correu na direção dele, Julius estático. O animal, cada vez mais próximo, até que acertou o peito do homem. Ele foi arrastado por vários metros, então caiu ao chão.
No peito dele, um enorme furo de onde começou a vazar muito sangue. Esse sangue, aos poucos, se transformou em lantejoulas coloridas, e todo o cenário se tornou colorido. O cavalo mudou de cor, nas cores do brinquedo que Julius havia enviado para o conserto. Depois, o animal mudou de forma, a mesma forma do brinquedo e, por último, mudou de tamanho, o mesmo do boneco de pelúcia.
Depois trotou na frente do homem, então a linha que representava a boca do boneco transformou-se em um sorriso na face do brinquedo. O animalzinho andou na direção contrária do observador, e Julius ouviu o som de mensagens do celular, então acordou.
Ele esfregou os olhos com o objetivo de conseguir ler de forma clara o que estava na mensagem que o havia acordado.
“Senhor Julius, aqui é a Paula da empresa de restauração. Seu objeto está pronto, pode vir buscar. VENHA O QUANTO ANTES.”.
Voltou à loja para buscar o objeto de pelúcia. Dessa vez, duas mulheres estavam no balcão. Apenas uma o atendeu, a outra, com expressão de raiva, encarava-o sem desviar o olhar e assim o fez durante todo o atendimento.
— Senhor pegue seu boneco maldito e saia daqui.
O unicórnio estava impecável, como se fosse novo. O estranho é que o prazo para a entrega era maior, mas, na manhã seguinte? Deveriam ter trabalhado a noite toda na reconstrução do boneco, pensou, mas não questionou.
— Obrigado — agradeceu o serviço e depois colocou o dinheiro no balcão. Nenhuma das mulheres sequer tocou no dinheiro nem para guardá-lo.
À noite, Julius pegou o animalzinho de brinquedo e posicionou o celular para tirar uma self dos dois abraçados, depois enviou a fotografia para a filha. Meia hora depois, ela visualizou a mensagem e somente uma hora após o envio da foto, ela respondeu a mensagem com uma figurinha, o ícone de duas mãos que representa gratidão.
Minutos depois, ele deitado no sofá e novo pesadelo. Da mesma forma que estava na noite passada. O sonho começou da mesma forma. Um cenário no fim do corredor e os sons de cascos e relinchos.
Julius, dentro do sonho, levantou e foi em direção ao cenário estranho. O unicórnio estava lá, no tamanho de um cavalo normal, mas já na forma e cores do brinquedo. O boneco azulado percebeu que o homem o observava, continuou correndo e brincando consigo. No chão, por onde ele corria, surgiam lantejoulas das mais variadas cores.
Então o animal parou, depois ficou na posição de touro que iria enfrentar o toureiro. O homem abriu os braços, esperando o animal mergulhar em seu peito. Foi o que aconteceu, o brinquedo correu na direção dele e, quando os dois se chocaram, caíram no chão gargalhando.
Julius olhou para o ser e viu algo diferente nele, ele não tinha mais o chifre. Passou a mão em seu peito para ver se o córneo estava ali, não. Inconscientemente, colocou a mão na testa, e o chifre estava ali. Não cravado, mas fazendo parte dele. Olhou para o boneco novamente e verificou que agora o brinquedo tinha um braço humano no lugar daquele que era para ser de pano. Olhou para seu braço, ele estava se transformando naquela coisa.
Ele acordou e estava paralisado. O único sentido que conseguia usar era a visão. Enxergava alguém andando ao seu redor. Então o pegou, quando passou na frente de um espelho viu o que estava acontecendo, o que estava dentro do boneco entrou em seu corpo e sua mente de alguma forma havia entrado no boneco.
Julius, agora com outra mente, dirigiu em direção a uma das pontes que cercava a cidade. Desceu do carro e pegou o boneco. Andou por alguns metros sobre a ponte e jogou o boneco no rio. Observou o boneco flutuar nas águas até a correnteza levá-lo em um lugar que o homem não conseguia o ver. Julius entrou no carro e saiu daquele lugar.
Temas : Realismo mágico, Unicórnio, Brinquedos malditos.