A Perda
Lucia estava casada há pelo menos vinte e cinco anos com seu marido, tinha uma filha de nove anos, emprego estável, casa própria, o sonho de qualquer pessoa comum. Porem sua vida deu uma guinada terrível quando descobriu uma traição do seu marido ao mesmo tempo em que sua filha Clara havia sido acometida de uma grave infecção. Lucia passou vinte e cinco dias com sua filha hospitalizada. Os médicos vinham ao seu leito fazer exames e colher amostras de sangue pelo menos uma vez ao dia. Seu marido, apesar da traição, visitava a filha pelo menos uma vez na semana. Lucia havia largado o emprego para ficar ao lado da filha, mas seu marido não. Após alguns dias, ela não sabe precisar quantos, pois não conseguia mais saber em qual dia da semana estava, ela começou a notar a presença de um rapaz jovem, com aparência de ter seus vinte e dois anos, que parava na porta da sala onde sua filha estava e ficava a olhar para dentro com um semblante triste. Algumas vezes ele entrava na sala e se sentava no banco de madeira destinado às visitas e ficava com seu olhar triste a fitar a cama vazia no fundo da sala. Como as visitas do marido e dos médicos para checar a condição da sua filha ficaram cada vez mais raras (as vezes ela nem lembrava mais de tê-los visto), Lucia sentiu-se intrigada com o comportamento do rapaz e resolveu aproximar-se dele para entender o motivo daquelas suas visitas ao quarto.
- Olá! Me chamo Lucia, vejo que você vem sempre aqui, se senta no banco e fica a olhar para o fundo do quarto como se quisesse se lembrar de alguem, o que foi que te aconteceu?
- Oi, meu nome é Marcos. Eu venho sempre aqui porque foi nesse quarto que eu perdi a minha mãe. Eu amava muito ela e não consegui lidar com a perda dela.
Lucia, colocou-se no lugar de Marcos e sentiu o seu coração apertar.
- Imagino como deve ser doloroso perder a mãe, eu estou com minha filha aqui internada e não sei o que faria se a perdesse.
- A morte é algo cruel e democrático, separa casais, famílias, pobres e ricos, não tem dinheiro que impeça a morte, pode até adiar as circunstâncias que levarão à ela, mas nunca impedirá ela de acontecer. Divagou Marcos - É uma faca de dois gumes. Quem vive não deixa de amar seus entes que se foram, apenas não terá o seu amor correspondido. Quem morre deixa o vazio na vida de quem ficou e não pode mais corresponder os sentimentos que lhe são dirigidos. A vida é algo tão incerto, pois cada escolha sua terá uma consequência que levará a um final, que ter a morte como única certeza da vida é até irônico.
Lucia ao ouvir as divagações de Marcos tem um estalo de curiosidade - Como assim a morte é uma faca de dois gumes? Perguntou ela.
- Minha mãe não só me perdeu e terá que seguir com a vida dela, como eu a perdi e terei de seguir com a minha.
- Como assim ela vai ter que seguir com a vida dela? Ela morreu, como seguirá a vida sem você?
- Ambos perdemos um ao outro e seguiremos nossas vidas, ela lá e eu aqui, assim como você e sua filha terão de seguir aqui enquanto seus entes seguirão lá.
Nesse momento Lucia teve a nítida impressão que acabara de engolir um pedaço de carvão aceso - Como assim, eu e minha filha aqui?
- Sim, foi aqui que eu perdi a minha mãe. Explicou Marcos. Eu estava doente e ela esteve comigo até os meus últimos dias, depois eu comecei a perceber que ela parou de aparecer ao lado da minha cama, os médicos pararam de vir checar meus sinais e fazer exames. Lucia começara a entrar em pânico, percebeu que seu marido havia parado de visitar Clara. Percebeu que os médicos pararam de verificar a o estado de saúde da sua filha. "Eu sentia saudades da minha mãe e não sabia porque ela havia ido embora", continuou Marcos. Lucia, que já havia reparado, mas não deu tanta importância ao fato de só haver a cama da filha dela em uma sala tão grande, ela a contragosto começou a dar-se conta da terrível realidade em que estava quando Marcos terminava a sua explicação: "eu só aceitei o porquê de minha mãe ter ido embora quando eu havia entendido que eu a perdi para o mundo dos vivos e ela me perdeu para o mundo dos mortos."