A Vingaça - Final

Encima daquela árvore, observando aquele ser grotesco a cada segundo se aproximando, realmente a sensação de derrota o visitou e se instalou, conferiu mais uma vez as munições, sabia que elas não seriam obstáculo, mas, como um milagre, o revés se fez, o bicho parou, parecia farejar o ar e do seu poleiro no ultimo galho daquela abençoada árvore ele viu uma lanterna, estava ainda um pouco longe, mas, era uma lanterna e era uma lanterna tática, era um policial, tinha que ser um policial e junto com aquela luzinha ele ouviu seu nome ser chamado: Carlos!

A vida é uma onda, do mesmo do jeito que te dá ela te tira, no dia do seu aniversário de casamento, estava ele empoleirado em uma árvore, sendo caçado por algo que ele achou que era fábula, quando achou que sua morte já era algo mais que certo, alguém vem ao seu socorro, mas, aquele dia não era um dia de sorte, pois, com horror, ele viu que o lobisomem já tinha um novo objeto de desejo e se soltando da árvore e já caindo em pé(mesmo tendo caído de uma altura de + ou – 9m) Saiu a caça de sua nova presa. Carlos sempre foi um cara safo, ele, na hora do embate, sempre manteve a calma, sempre conduziu sua equipe para que no final todos voltassem pra casa, mas, encima daquela árvore, ele percebeu que tem inimigos que apenas não podem ser vencidos e colocando sua arma na cintura, começou a descer do seu abrigo, pois, lembrem que o pensamento foi: “Não pode ser vencido!” e não “Não pode ser combatido!” e ele não iria deixar aquele que veio ao seu socorro lutar sozinho.

Ramos havia largado serviço às 20h, mas, como era numa sexta, resolveu tomar umas cervejas com os colegas. Tinha acabado de conseguir um apartamento em um condomínio afastado, onde por ter vários policiais morando também, ele achava que era a moradia ideal. Seu vizinho um policial “antigão” era um cara tranquilo e sempre estava dando conselho a ele, já que com apenas 04 anos na instituição ainda tinha uns “rompantes” irresponsáveis, Carlos se tornará um pai e foi por isso que ele parou seu carro aquela hora e naquele local ao ver o carro de Carlos parado no acostamento. Ao ver o carro de um colega PM no acostamento num local daqueles, seu corpo gelou, imaginou o que poderia ter acontecido, sequestro? Assalto? Desembarcou do seu veículo, realizou a aproximação como manda a técnica, verbalizou para saber se havia alguém no interior do carro, conferiu o porta-malas, ninguém! O instinto o direcionou para dentro da mata, a lua cheia o deixava ter alguns metros de visibilidade e depois de já ter andado alguns metros, resolveu chamar o nome do Amigo. Durante seus 04 anos de polícia, ele já havia feito muita burrada, sair em perseguição sozinho, entrar em luta corporal com um abordado, dado tiro a esmo em uma festa, mas, realizar aqueles gritos naquela mata, seria seu maior e fatal erro, pois, depois de alguns minutos, percebeu e ouviu que algo vinha correndo, quebrado a vegetação a sua frente e em sua direção, osmoticamente procurou um abrigo, um tronco de uma árvore e esperou, espera essa que não foi muito longa e o que ele viu surgir, fez sua arma cair e seu corpo paralisar e naquele momento percebeu que nunca seria “Pai”.

Após ter descido da árvore, Carlos seguiu na direção que o bicho tinha ido e diferente do que manda o regulamento, nenhuma preparação mental ou planejamento foi realizado, apenas seguiu para dar apoio a Ramos, pois, mesmo de longe, mesmo com todo o pavor de ver aquela besta se aproximando, ele reconheceu a voz de seu vizinho e com certeza ele também não daria conta daquilo que estava indo ao seu encontro. Não demorou pra perceber que algo estava errado, pois, nenhum urro, grito ou tiro foi ouvido, neste momento ele conseguiu raciocinar um pouco e ver que se ele se aproximasse daquele jeito ”estabanado” com certeza não seria mais um na lista daquela besta, controlou o nervosismo e se aproximou, o silêncio era ensurdecedor e mais uma vez os estalos de algo sendo mastigado invadiu seus ouvidos, fazendo Carlos perceber que mais uma vez um colega de farda sucumbiu, mas, desta vez por um inimigo que se alimentava da sua carne e faria o mesmo com ele. Tirado da sua zona de conforto e lucidez, ele apertou o gatilho as 10 vezes que seriam possíveis e como já sabia, quase nenhum dano foi causado e na verdade ele já imaginava, mas, ao imaginar o terror vivido por aquele jovem policial que sempre se mostrou tão operante e operacional e no momento daquele ataque não conseguiu esboçar nenhuma reação, ele sabia que Ramos morreria atirando e já que não o fez o horror que ele deve ter sentido, causou tamanho ódio em Carlos que ele pouco se importava com o seu destino, mas, alguma dor ele queria causar naquela coisa e se sua arma não conseguisse realizar tal missão ele usaria qualquer meio e no momento do ataque que o lobisomem deu e que ele não iria tentar desviar, a vida, aquela que ele já estava bastante revoltado lhe deu uma chance, pois, aquela chuva de tiros na direção do monstro se fez ouvir, mas, há uma máxima na PM que diz que, nada na vida do ”policia” é fácil, e mesmo sendo surpreendido com aquele ataque inesperado o lobisomem o alcançou e como se seu único intuito fosse não perder a viagem derrubou Carlos no desferindo uma mordida que quase arrancou seu omoplata, fugindo logo após, pois, as armas que o atingiam dessa vez tinham um calibre maior, perdendo a consciência, mas, com ânimo renovado, já que percebeu que seus salvadores eram policiais, foi informado que um alerta de possível policial em risco foi enviado a Central e que em ronda verificaram os 02 veículos no acostamento daquela parte da estrada. Um sorriso se formou no seu rosto sua visão já estava desfocando e mesmo assim ele conseguiu perceber que o seu vizinho cumpriu sua missão, pois, antes de entrar na mata aproveitando ainda que tinha sinal de celular enviou uma menagem informando a situação e seu ultimo pensamento foi: Valeu irmão e tudo escureceu.

Praticamente passou uma semana apagado no Hospital, quer dizer, não apagado total, tanto que durante todo esse tempo, sentia presença da sua mulher no quarto fazendo companhia e outra coisa também, ele não sabia explicar, só sabia que tinha outra presença do lado, uma presença que não o deixava apagar de vez, que o fazia perceber os enfermeiros entrando para retirar amostras de seu sangue, os médicos espantados com sua recuperação(na verdade uma cura milagrosa), o Capitão tecendo comentários de o porque ele está naquele local e aquela hora, tudo era percebido por ele e algo o fazia ficar constantemente vigilante. Num belo dia ele despertou, sua esposa como esperado o recepcionou em lágrimas, ele percebeu que fazia dias que ela estava naquele quarto, pois o todo seu corpo só cheirava a éter, um outro odor que não identificou, pão com manteiga e café com leite...estranhou a percepção desses odores, mas, deixou pra lá, queria era chegar em casa. Durante a viagem pra casa veio pensando no ocorrido, ao passar no local do incidente pensou que aquilo ainda estava por aí, mas, aquilo o que? será que o que ele viu foi real? Só sabia que aquela marca de mordida em seu ombro o fazia quase ter a certeza que sim, mas, quem iria acreditar? Muitas perguntas em um cérebro que ainda processava muita coisa e mais viria para o hall das dúvidas, o cheiro quase insuportável do pós barba do seu velho pai e o leite de rosas de sua mãe, preferiu não comentar afinal ainda estavam na entrada do condomínio e seu apartamento ficava no edifício mais afastado da portaria, imaginou que sua esposa poderia ter apenas dado carona no dia anterior a eles, porém ao se aproximar da sua residência viu o carro de seus pais em frente ao edifício e o espanto de sua esposa ao informar que eles haviam lhe dito que só chegariam no final da tarde, aquilo o fez tremer e perceber que algo estava errado e que aquela presença que acompanhava lado a lado na leito do Hospital agora estava na sua cabeça e seu instinto dizia que ele que comandava agora.

Um mês após o acontecimento, uma viatura chega no Cond. Torres Nascentes, onde um carro se encontrava parado próximo a portaria, um morador ao chegar do serviço na madrugada, estranhou aquele parado e aparentemente com uma pessoa dentro, na aproximação dos policiais foi constatado que dentro estava a esposa do Cabo P.m. Carlos, o corpo estava semidevorado, parecendo ter sido atacada por animal de grande porte, seguiram para o apartamento da vitima a procura do seu marido que na mesma noite após uma discussão com seu comandante o Capitão Alvarenga, não foi visto desde então, coincidência ou não horas depois desta discussão o Alvarenga foi achado destroçado numa área de mata no fundo do quartel, sua arma estava descarregada, insinuando que mesmo disparando todas a munições seu agressor não desistiu do ataque, os olhos da duas vítimas demonstravam um terror que talvez só eles pudessem mensurar.

Epilogo

O dia amanheceu e um homem totalmente despido, despertava no meio do mato, próximo a uma rodovia. Ao ver uma placa indicado a Cidade, viu que em uma madrugada tinha percorrido mais 85km, o corpo ainda tinha espasmos, o cheiro de sangue causou náuseas e o vomito veio e com ele pedaços de carnes, cabelo, as memórias ainda estavam confusas, tinha flashes, mas, o que estava bem presente nele foi a dor da traição, a traição percebida ao retornar ao trabalho para realizar serviços de ADM depois de quase 01 mês, o cheiro que invadiu suas narinas ao ir se apresentar na sala do Capitão Alvarenga, o mesmo cheiro notado quando despertou na cama daquele hospital, o cheiro ao abraçar sua esposa, havia outro querendo tomar o seu lugar, invadindo seus domínios e tudo se revelou ao se dirigir ao veículo de Alvarenga e o cheiro da sua esposa está impregnado nele, daí ele só lembra de ter invadido a sala do chefe querendo explicações, da ordem de detenção, da visita de Alvarenga a noite no alojamento debochando dele, dos espasmos, da dor e da Lua, a lua que ontem estava de um jeito que ele nunca havia visto e que sussurrou no seu ouvido, Liberte-se...

O Danilo LIma
Enviado por O Danilo LIma em 10/10/2023
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