Caixão.

Eu me vi vomitando sangue, em grandes quantidades, de se lavar. Um horror, que todo o meu corpo fremia, incapacitado do máximo esforço exercido no ato, e minhas veias, todas muito saltadas, aguentavam o sangue correr feito ácido, e parecia mesmo como se eu estivesse expelindo meu próprio ser. E vos conto: onde estava era um casebrezinho, miúdo mesmo, de tijolos e reboco mal-feito escurecido. A porta, de tábuas, estava fechada, apesar de que eu podia ver lá fora um clarão — antes do dia, depois avermelhado, como no inferno. Só cabia eu lá dentro, mas, depois de fechada a porta, aquilo se inchou de modo que duvidei de minhas faculdades, era uma gosma se esticando e deformando o ambiente. E eu ouvia: "— O diá..." Vocês não sabem: deixavam ali um papel bem surrado, em cima de um desenho e algumas bonequinhas. O fato dito era: entrar e escrever com sangue um nome. Eu fiz. Digo? Precisões. Primeiro me veio o baque, que foi o medo todo não sentido até a hora, depois as vozes de crianças raivosas e, por fim, o papel pegou fogo, violentamente, formando um corpo que se jogava a mim. Fugir? Como? A porta se transgredia a vários metros, indo e voltando, além das labaredas agarrarem meus braços, não deixando eu escapar dos beijos do demônio. Quando tudo isso cessou, me vi num nada. O nada, o céu. Vi focos de luz passando com grande ligeireza, mas depois fiquei na rota das estrelas e todas me perfuravam, que tudo aquilo era o Desejo. A voz disse: "— Diá..., que grite". E fiz, sete vezes, o mesmo: "— O caixão, o caixão, o caixão!". Voltei ao casebre, e foi o momento da hematêmese. Que vomitei cabelos, unhas, ossos, olhos e, por fim, todo um corpo humano. Minhas forças, e morrer é um grandíssimo prazer ignoto. Vi-me livre, mas usado, com as dores da violentação, e de lá pude sair. Me deparei com a encruzilhada da rodovia, onde havia um caixão de madeira vermelha.

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 21/09/2023
Código do texto: T7891178
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