Matematicamente uma Aberração

Já faz alguns meses que sou atormentado pela aquela coisa. Sua forma matematicamente bizarra me assombra nos sonhos e durante minhas pesquisas.

Aquilo é uma aberração: é como a divisão por zero, o infinito mais um, a singularidade de um buraco negro, a máquina térmica perfeita, o limite tendendo do nada para nenhum lugar. Ele me assombra, mas com motivo.

Primeiramente, essa entidade horrenda é a maior representação da matemática. Ela é o monstro que poucos fazem questão de ver, e muitos que apenas veem aquela mão pitagoricamente deformada saindo do limbo do conhecimento se assustam e nunca mais voltam.

Eu, como um professor e pesquisador, tentei mudar essa imagem. Com um pedaço de madeira esculpi um santo que eu mesmo canonizei: meu antigo colega falecido, I. J. Santiago, também professor e pesquisador.

Anotei seu nome em um caderno, colei sua foto e a foto da sua estatueta de madeira. Escrevi que aquela criatura bizarra assustava os leigos e incomodava os estudantes: esse era o motivo.

Em seguida escrevi que a imagem desse santo substituiria muito bem a aberração matemática, e que ela era a ideal pois se aproximaria mais do povo, muito mais que Pitágoras, Leibniz, Descartes ou qualquer outro matemático ou cientista.

Na noite antes do dia de apresentar essa proposta começou a minha desgraça: a insônia era causada pela voz assustadoramente desafinada, que me dizia para jogar fora essa heresia.

Fui despertado no dia seguinte pelo grito estridente no meio de uma música bizarra. Enxerguei padrões surreais: formas geométricas impossíveis, cordas interlaçadas em todas as dimensões e fractais que se aproximavam infinitamente.

Desisti de apresentar isso para alguém, mas também não joguei fora o caderno. A criatura me mandava queimar o caderno e a imagem de madeira, mas não tive coragem.

Agora esse caderno está jogado em uma gaveta, e eu estou atormentado pelos sonhos e alucinações matematicamente surreais e pelos sons desafinados e sem tempo fixo. Penso todos os dias em queimar o caderno e a imagem, mas sei que esse meu sacrilégio é imperdoável aos olhos do monstro matemático.

Otacílio de Almeida
Enviado por Otacílio de Almeida em 19/09/2023
Código do texto: T7889591
Classificação de conteúdo: seguro