A carta
— Aqui, querido, fiz um cafezinho pra você.
— Obrigada, amor! Nossa, que delícia, colocou alguma coisa diferente? Canela?
— Isso mesmo… sempre é bom inovar. Olha, quero te contar sobre uma carta que eu recebi…
— Carta? Quem manda cartas hoje em dia? De quem? Um admirador secreto?
— Haha, muito engraçado, pode rir à vontade… bem que poderia ser sim de um admirador…mas não é. É de uma inimiga, ou melhor, uma amiga.
— Ué, como assim?
— Então, lembra quando a gente morava na Vila Nova? E os vizinhos do lado tinham uma filha de uns dezoito anos, linda, que se vestia igual uma piriguete? Aline, o nome dela. É claro que você lembra.
— E o que tem ela??
— A carta é dela… o que foi, amor, ficou pálido, de repente… vou ler pra você:
Dona Jussara
A senhora não sabe, mas o Caetano e eu temos um caso desde que vocês moravam aqui do lado. Já faz quatro anos, e ele sempre promete que vai separar da senhora e nunca separa. Eu até esperaria mais por ele, mas acabei de descobrir que estou grávida, ainda nem contei para ele, e como vocês não tem filhos, me parece mais justo que a senhora libere ele para formarmos uma família. Como ele não toma uma providência, achei melhor apelar para a senhora, espero que entenda.
Aline
— O que foi? Não tá se sentindo bem? Eu entendo, descobrir que vai ser pai assim, do nada, né… afrouxa a gravata.. isso…
— Mas… mas como você pode acreditar nisso? Basta uma cartinha cheia de mentiras pra você acreditar? Você tá ficando louca mesmo. Precisa arrumar um hobby, sei lá, tá com muito tempo livre…
— É, deve ser isso mesmo… Tô precisando mudar muitas coisas na minha vida… mas, não adianta mentir, meu bem… esqueci de ler o final.
Ps: Ele vai dizer que é mentira, então mandei algumas provas.
— Dentro do envelope estão algumas fotos…
— Que fotos? É montagem, com certeza!
— Ah, não. São perfeitas demais… olha só… aqui vocês em Holambra, na viagem que eu queria fazer e você não quis. Aqui são vocês no Beto Carreiro, que você dizia que era muito caro. Essa aqui é em algum show, bebendo cerveja, e olha essa aqui, que beijo de novela! … acho que você nunca me beijou assim. E essa última… não imaginava que você gostasse de algemas e chicote. Talvez seja por isso que você prefira estar com ela… além é óbvio dela ser bem mais nova e sem vergonha. Só não entendo porque você continuou comigo por esse tempo todo…
— Não sei… você é minha esposa, e ela a amante, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Homens têm necessidades diferentes que só são supridas por pessoas diferentes, não tem nada demais. Tá ficando frio aqui…?
— É, deve ser isso mesmo… o que eu posso saber, né? Mas e o bebê?
— Bem.. Se for verdade, depois do teste de DNA, vou assumir… ele pode passar os finais de semana com a gente, você sempre quis ter um filho…
— É o sonho de toda mulher criar o filho da amante do marido…
— Ah, o que é isso, querida, você sabe que eu te amo, nunca ia te deixar, e se você quiser posso fazer com você tudo que fazia com ela … acho que estou passando mal… estou suando frio.
— Deve estar sim. Eu sabia que você ia dar um jeito de se justificar, de colocar a culpa em mim, e continuar tudo do mesmo jeito. Você sabe que eu te amo demais e que só a morte ia me separar de você, então você faz o que quer, e eu tenho que aceitar tudo, se quiser continuar com você.
— É… que bom que você sabe disso… assim nossas vidas podem ficar.. bem melhores…
— Sua vida, não a minha. O que foi? Não está conseguindo respirar? Deve ser o veneno que coloquei no seu café. Não, querido, não se assuste, já vai acabar. Isso, quietinho… eu disse que só a morte ia nos separar, não foi? Pois então, agora você não é mais dela. Nem meu. Agora você está livre. Vou cuidar direitinho da sua amante e do seu filho, tá bom?