Eu era um lobisomem juvenil

"Tudo é dor e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor!"(Renato Russo)

Lembro de ficar horas olhando pela janela durante a madrugada, esperando o que? não sei bem, devia ser loucura da minha cabeça adolescente....

Às vezes o destino nos encaminha para uma via da nossa vida, que talvez estivesse bloqueada e destinada a continuar assim, mas, a vida tem suas peculiaridades.

Me chamo Renato, tenho 15 anos, moro em uma cidade pequena no interior da Bahia, Tenho 3 melhores amigos e uma namorada, típica vida de um adolescente normal, se não fosse pelas coisas que passam por minha cabeça de vez em quando, coisas que começaram a serem plantadas, desde o dia em que assisti na Sessão das 10 no SBT o filme que piraria meu cabeção. Lembro que a expectativa para assistir esse filme me consumiu desde o primeiro anúncio na Tv, a ansiedade para que aquela quinta-feira chegasse, era algo que nunca havia sentido, era um misto de alegria e curiosidade, já que por muito tempo, quando a maldita voz da TV dizia que o filme era proibido para menores de 14 anos, bastava um único olhar de um dos meus pais, para que meu sonho de assistir um filme de terror se desfizesse .Pense em 4 garotos que durante quase uma semana só falavam sobre um mesmo assunto: Um Lobisomem Americano em Londres, o filme que iria mudar tudo no cinema sobre a Licantropia e na minha vida. O quinteto era Eu, Daniel, Jhonny, às vezes por causa de mim esse clube tinha a presença da garota mais linda da cidade Mônica, que mesmo sendo menina, não perdia em matéria de peraltice para nós meninos e Tinha Maurício, meu melhor amigo, o irmão que não tive e a pessoa que mesmo no momento mais tenso não desistiu de mim, Te amo irmãozinho!

"Até pensei que era mais, por não saber que ainda sou capaz de acreditar. Me sinto tão só, e dizem que a solidão até que me cai bem!"(Maurício - Legião Urbana)

Nossa rotina sempre foi brincar, aprontar e sonhar, uns sonhavam em ser corredor de fórmula 1, outro em conquistar a coleguinha da sala, outro só queria sair daquela cidade pequena e atrasada. Mas, meu sonho ainda não estava tão presente na minha cabeça, a cada dia acordava com uma ideia diferente, por um tempo, pensei seriamente em querer ser detetive e já sabia até mesmo qual seria meu primeiro caso, Sr. Jeremias! o vendedor de algodão doce da pracinha. Não sei porque, algo me assustava quando olhava pra ele, o jeito que ele ficava observando a gente , teve uma vez que perguntei a ele se não tinha filhos ou esposa e ele me respondeu que "nem tudo em um casamento é divido, as bênçãos até que sim, mas, as maldições são vividas na solidão!", aquilo me deixou confuso, até por que, uma criança de 14 anos dificilmente é um expert em enigmas. Ele me passava uma tristeza e ao mesmo tempo resignação, como se ele tivesse se acostumado a aceitar tudo que a vida lhe oferecia, porém, como num mudar chave, ele se transformava, inquieto, apreensivo, irritado, tanto que nesses dias ele nem se preocupava em vender seus produtos, a pele mudava, o olhar, a respiração, parecia outra pessoa. O mais estranho eram os animais, sempre que Jeremias estava na praça, tinha sempre um cachorro, um gato ou pombos, pois, era rotina ele oferecer alimentos para eles, uma ração aqui, uma migalha de pão ali um verdadeiro São Francisco, mas ai, aqueles dias vinham e tudo e todos se afastavam deles, ao ponto de um dia ser quase atacado por um dos cães mais próximo a ele, mas, de Jeremias falarei depois

"E você pode escolher as suas armas que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor. E mato também Maria Lúcia aquela menina falsa pra quem jurei o meu amor!"(Faroeste Caboclo - L.U)

Então a quinta-feira mais aguardada por minha galera havia chegado, combinamos em assistir na minha casa já que a maioria morava próxima a ela, Mônica não viria, pois, não era muito chegada a filmes de terror. Tudo planejado, todos no horário combinado já estavam na frente da tv e o filme começou. Foi 1h37min de respiração quase suspensa e olhos sem piscar, esse tal John Landis era um gênio e foi nesse ínterim que me veio a pergunta: Será que isso existe? e essa pergunta não ficou só no pensamento e foi lançada aos meus companheiros de filme que depois de algumas indagações, alguém falou: O velho Jeremias é estranho!!! Olhei para Daniel sem muito espanto, pois, tinha a mesma desconfiança e no silêncio daqueles 4 amigos um plano foi traçado.

"Mas, tão certo quanto o erro de ser barco a motor e insistir em usar os remos, é o mal que a água faz, quando se afogaE o salva-vidas não está lá porque não vemos."(Daniel na cova dos Leões - L.U)

Sexta-feira! e imagine qual Lua brilhava lá no alto!? Todos prontos, sabíamos onde nosso alvo morava, aguardamos o último integrante do grupo chegar e como sempre, era Mônica! Fizemos alguns ajustes e partimos rumo ao desconhecido. O velho Jeremias morava em uma área mais afastada da cidade, da minha casa era mais ou menos 20min de caminhada, coisa que percorremos rápido, pois, as brincadeiras e a tiração de sarro comigo e Mônica, fez o percurso não ser sentido e em pouco tempo estávamos em frente à casa do velho vendedor de algodão doce, porém, a mesma parecia se encontrar vazia, com o cadeado do portão batido para o lado de fora, significando que quem morava ali não estava em casa e saiu a pé, pois a bicicleta que era eterna companheira dele, estava encostada na varanda da casa. A noite estava clara, pois, o brilho da Lua cheia iluminava bem ao redor e o silêncio aquela hora da noite se fazia bem presente, chegava a incomodar, foi quando ouvimos um lamento, nem sei se era bem um lamento, um gemido, um grito...um urro! um urro!?

A porcaria da curiosidade é algo que em um adolescente existe de maneira abundante, imagine em 5! Apesar que, a única garota do grupo era a âncora de sensatez naquele momento, mas, foi vencida! Decidimos que iríamos investigar aquele barulho. Era uma antiga usina de açúcar abandonada que durante o dia era um ótimo local para aventuras, polícia e ladrão, esconde-esconde e todo tipo de brincadeiras, porém, a noite eram outros 500, dava medo, trazia angústia, como se algo se escondesse ali dentro esperando momento exato para saltar, pegar alguém e depois levar de volta pra dentro daquele lugar. Mesmo com todos os sentidos dizendo para irmos embora, mesmo Mônica suplicando para eu não entrar, entramos...e foi aí que começou meu pior pesadelo. Achamos tipo um cano que dava para ser escalado, um a um fomos subindo, sem se importar com os urros que vinham de dentro da antiga Usina, quer dizer, até que estava me importando, mas, quase toda a ideia tinha sido minha, então não iria dar para trás, chegamos a uma espécie de mezanino , de onde tínhamos uma vista privilegiada e segura de quase toda parte que estava abaixo de nós, segura? que inocência estúpida a nossa!

Dava pra ver que não podia dar certo aquilo tudo, os urros era de algo grande e furioso, o barulho das correntes, para alguém com a mente mais adulta do que a de 5 adolescentes aventureiros, perceberia que a qualquer momento seriam arrebentadas e o local onde nos posicionamos, em um dia claro de sol, daria pra ver os buracos e as vigas à mostra. De início só escuridão e o silêncio, a coisa parou, os 5 cinco mal conseguiam respirar, mas, no entanto, começaram a escutar aquela respiração, na verdade era um arfar, algo se movimentava e aos poucos se mostrava e o que se mostrou foi algo que veio da parte mais caótica do inferno e ficaria pra sempre na mente daqueles que o viram, pelo menos enquanto vivessem. Era um ser quadrupede, do tamanho de um bezerro, pelos negros, dentes brancos que desafiavam as noções da lógica e olhos amarelos que enquanto estavam na escuridão apareciam e sumiam, porém, de repente acenderam e olharam pra cima, Mônica foi a primeira a se assustar e dar um passo pra trás, se desequilibrar e cai de uma altura de quase 5 metros para o lado de fora da Usina, na iniciativa de tentar segura-la eu tropecei só que ao invés de ter o mesmo destino e ido parar fora daquele local dos infernos, fui para baixo, caindo onde o maior predador que infelizmente existe neste mundo estava. De onde estava, mesmo atordoado ouvir alguém dizer que não podia me deixar, ouvi outro dizer que já era tarde demais, ouvia Mônica perguntando o que estava acontecendo, ouvia maldita corrente sendo arrastada e a respiração se aproximando cada vez mais.

Continua...

O Danilo LIma
Enviado por O Danilo LIma em 29/08/2023
Reeditado em 30/08/2023
Código do texto: T7873302
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