Boi de Mamão
Matheus estava muito feliz. Sua esposa Catarina estava grávida e em breve teriam um filhinho lindo ao seu lado. Porém, havia algo que o preocupava: a mulher insistia em comer língua de boi, do melhor boi da fazenda em que trabalhavam. Todo dia, ele olhava para o animal pomposo e pensava em um jeito de conseguir o que a amada queria. Afinal, ela ficava cada vez mais doente por causa do desejo contido.
Finalmente, ele tomou coragem. Não importava que o boi era do chefe, a vida de Catarina e seu filho eram mais importantes. Enquanto o animal dormia, Matheus aproximou-se com uma faca e tentou abrir a boca do animal para cortar fora sua língua. Quando a lâmina estava prestes a cortar o músculo, algo incrível aconteceu.
O boi acordou raivoso e fez uma cara horrorosa para seu mutilador. Os bovinos não eram muito próximos do que o padrão de beleza humano pregava, mas aquela expressão não era nem um pouco natural. Talvez fosse a raiva moldando sua face, ou talvez fosse algo de fora possuindo o ser. A segunda teoria parecia se aproximar bastante da verdade considerando a súbita transformação que veio a seguir.
Aquele boi tranquilo e inofensivo, o qual um dia seria churrasco, simplesmente dobrou de tamanho e sua cabeça de carne transformou-se em uma feita de mamão. Matheus sentiu-se uma formiga diante daquele ser gigantesco. O que raios teria acontecido para tal evento extraordinário suceder? Era uma alucinação?
— Quem é você? — ele perguntou assustado ao boi.
Esperar uma resposta seria coisa de doido, mas após presenciar tudo aquilo, ele duvidava de sua sanidade. Seria pouco surpreendente se realmente o animal falasse consigo. Aceitar isso como uma possibilidade foi bom para o homem, porque realmente a resposta veio:
— Eu tenho vários nomes. — disse imponente. — Mas, dessa vez, quero ser chamado de Boi de Mamão. — O som que o animal fez a seguir foi algo entre um riso humano e um mugido bovino.
Seu instinto foi sair correndo, porém jamais alcançaria uma velocidade rápida o suficiente para escapar. Infelizmente para ele, não havia outra opção. E, para completar, seu azar se provou ainda maior quando um tremor barulhento do solo acabou derrubando-o.
Como se fossem plantas, uma criatura brotou do solo. Ela parecia um lagarto enorme, do mesmo tamanho do Boi de Mamão, e tinha uma boca gigantesca, feito a de um jacaré.
— Arreda do caminho que a Bernunça quer passar. Elas comem de tudo, de pão e bolacha a manés como tu. — bradou o boi, que parecia cuspir fogo pela boca como um dragão.
Matheus, que pensava em comer, aparentemente seria comido. A Bernunça não era muito veloz, então ele ficou aliviado ao perceber que seria perseguido por ela e não pelo boi. Mas estando caído, a vantagem de nada adiantou. Logo se viu cercado.
Boi vingativo da desgraça! Sabia que seria amputado e lhe lançou um perseguidor grotesco.
Sua única chance era utilizar a faca e ferir o bicho. Tentou aproveitar que naquele momento era muito mais ágil que seu atacante e arranhou suas patas com a lâmina, de modo que caísse.
Assim que ela foi abatida, a estranha abdução foi-se embora, levando as criaturas e deixando apenas um boi de tamanho comum em seu lugar. A cabeça continuava sendo um mamão, entretanto.
O Boi de Mamão estava irado por perder sua marionete bernuncenta e partiu para cima de Matheus como nem um touro faria. Por puro instinto, o homem colocou os braços na frente de sua cabeça e, sem querer, feriu o animal com a faca.
Era a grande chance de Matheus finalmente cortar sua língua para dar à esposa, fechou os olhos e cravou a faca no meio de seu corpo para então pegar o pedaço que queria. A cabeça ainda estava em formato de mamão, então ele foi obrigado a levar a fruta para Catarina.
A culpa e horror que sentiu logo depois foram enormes e ele não pôde ficar sem fazer nada. Assim que cozinhou alguma coisa às pressas para a mulher, a qual demonstrou melhora quase imediata, partiu em busca de um curandeiro para o boi.
Era tarde da noite e foi muito difícil para o homem encontrar Dona Maricota, a curandeira, pois cada segundo podia ser a diferença entre a vida e a morte para aquele ser. E aproximaria mais aquele futuro pai de um assassino cruel e egoísta.
Quando finalmente encontrou-a, o animal já havia padecido. O luto, a tristeza e o horror invadiram o corpo de Matheus, mas ela garantiu que poderia ressuscitá-lo. Era uma mulher muita alta e com braços compridos, que batiam para além dos joelhos. Com uns rodopios, seus braços bateram no boi, como um chamado para a vida.
Houve sucesso nessa magia e, por isso, o boi retornou para casa. Já com cabeça normal e junto de um homem mais aliviado. Mesmo assim, Matheus continuava horrorizado consigo mesmo e com aquilo que tinha feito. Apesar de ser um instinto natural proteger sua esposa e seu filho, ainda que de uma forma selvagem e horrenda.
. . .
— A história parecia bem menos macabra quando nós vimos a encenação na praça… — disse o filho à sua mãe.
— Eu mudei o roteiro um pouco, já que o enredo do folguedo do boi é muito sem graça. — A mãe estava sem jeito. — Mas você se divertiu assistindo, não foi?
— Com certeza! — o garoto falou com empolgação.
— E que energia é essa? Eu contei a história porque você disse que não tinha entendido e que isso ajudaria a dormir. Pode começar a contar os carneirinhos! — A mulher disse com falsa raiva.
— Está bem, mãe… — O menino soava emburrado. — Boa noite!
— Boa noite! Até amanhã, meu bem.