AGNUS DEI

Um Chevrolet Opala 2.5 Especial azul roncando forte cruzava a Avenida XV de março em Caveiras ao Norte do Paraná.

O carro de lataria amassada, com bancos rasgados e de aparência horrível saíra da Colina dos Monges em direção à cidade.

Era mais uma noite sem nada de novo na rotina de pequena “Província”.

Alguns jovens estudantes, após as aulas ou até mesmo dando uma escapada no meio delas, observavam atentamente a movimentação, sentados nas cadeiras das pequenas mesas do trailer de lanches “Monaum”.

Ali, era o ponto de encontro e era pra lá que alguns deles iam à época, para conversar um pouco, sempre na esperança de pintar algum “lance” de paquera ou namoro.

Naquela noite, o opala azul, chamou a atenção, porque ia e voltava constantemente rumo a uma estrada de chão batido que sumia em direção à Colina dos Monges.

Eles estranharam um pouco, trocaram olhares, mas voltaram a falar dos assuntos que rolavam na época.

Zélia Barros era uma moça bonita, filha do fazendeiro Pedro Joé de Barros e os meninos da escola colegial tinham uma queda pela esnobe estudante, que não estava nem aí e “seguia o fluxo”, com a sua turma, que mais era uma “panelinha”.

Apesar disso, Zélia sempre se juntava aos outros amigos da escola, para se reunirem no trailer de lanches e “jogar conversa fora”.

Mas naquela noite de sexta-feira, ela não apareceu. Nem na aula e muito menos no trailer de lanches “Monaum”.

Seus pais juravam que ela havia saído para ir à escola. Levara o material e iria passar na casa de Juliane.

Juliane era uma das poucas amigas que não desgrudava de Zélia. Também pudera, essa outra bela estudante, era filha de um empresário poderoso, dono de uma rede de lojas que existia no Brasil inteiro.

E por fim, Brígida, essa era a mais linda de todas, mas era ainda mais esnobe e não queria nada com os caras da época. Pra tirar um “oi” da belíssima estudante, era uma tarefa hercúlea e com relação aos garotos isso era quase impossível.

Entre os rapazes da época, Alex, Rogério e Breno sempre estavam juntos.

Breno era apaixonada por Brígida, mas como era um pobretão e sem qualquer tipo de coisa que a atraísse, ela o esnobava e humilhava na frente de todos, até que um dia ele foi embora, jurando a todos que se ela não fosse dele, não seria de mais ninguém.

O Rogério e o Alex, ficavam na deles, sabiam que aquelas meninas não eram para eles e então se contentavam com os namoricos e paqueras com as outras garotas.

Naquela sexta-feira, Zélia não passou na casa de Juliane, e Brígida também afirmara não ter visto a amiga naquele dia.

Segunda-feira, a “Folha da Cidade” noticiava um crime com requintes de crueldade:

“Jovem de 17 anos, filha de fazendeiro é morta com diversas perfurações pelo corpo e a língua totalmente decepada”. O assassino, frívolo e calculista, “colou” a língua da jovem ao seu órgão genital. Parte do corpo, como dedos das mãos e dos pés também foram cortados. O fato é horrendo, inédito e assombroso. A população da nossa pequena Caveiras está em choque”.

Foram tempos difíceis em Caveiras, os pais de Zélia Barros perderam a razão de viver.

O fazendeiro colocou todas as suas forças e gastou um bom dinheiro pela busca do assassino e a polícia não descansava, nem de dia e nem de noite.

Mas, nada adiantou, o assassino jamais fora localizado e o caso acabou esfriando um pouco.

Um ano depois, Brígida Macedo, a lindíssima estudante amiga de Zélia e filha do médico Orlando Macedo, tristemente, também virou manchete no jornal da Cidade e nos periódicos da região, por ter o mesmo infortúnio de Zélia.

O assassino demoníaco voltara a atacar e o corpo da bela moça fora encontrado, (após seu sumiço na noite anterior, também no caminho da escola) próximo à estrada de chão batido que levava até à Colina dos Monges.

A estudante de 18 anos estava ansiosa por sua formatura naquele último ano do curso, mas suas alegrias, emoções e expectativas foram interrompidas pelo misterioso assassino, cruel, frio e desumano.

Do mesmo modo, a exemplo da execução de Zélia, o corpo de Brígida estava dilacerado e sua língua amputada, “colada” em uma de suas axilas, sendo que parte dos dedos dos pés e das mãos também foram amputados.

Era algo bizarro, chocante e pavoroso.

Rogerio, amigo de infância e da escola, fora o primeiro a encontrar o corpo de Brígida, ele presenciou os horrores que foram feitos no corpo da menina.

Agora, o fato era uma questão de honra para as autoridades locais e a polícia da capital e diversos comandos foram chamados em Caveiras.

Invadiram a Colina do Monge, onde suspeitavam que o assassino se escondesse e despovoaram o local, desmatando todos os arredores, mas nem sinal de um possível “serial killer”, nem uma marca ou qualquer tipo de pista que pudesse levar ao misterioso matador.

O padre Asir, de descendência síria e fala bastante enrolada, frequentava a residência dos pais de Zélia, morta há um ano, e agora consolava os pais de Brígida e todos os domingos na missa, ele pedia que as autoridades tomassem providências imediatas para localizarem o sanguinolento homem, que segundo o padre era a própria reencarnação do demônio.

O delegado João Eduardo traçou uma estratégia e jurou que iria até o fim na captura do misterioso assassino. Ele fez buscas na Cidade, na região e no Estado, mas nada levava ao cruel e insano matador.

O tempo passou novamente e mais uma vez os fatos esfriaram, apesar de não ficarem esquecidos.

Juliane, amiga de Zélia e Brígida mostrava-se arrasada, apesar de, por diversas vezes, travar um tipo de “disputa” com as duas amigas, para ver quem era “a mais poderosa”, ela dizia a todos que as duas eram suas melhores amigas.

Mas, naquela mesma noite do crime, Alex jurava ter visto Juliane, na estrada do monge em um carro azul, descendo completamente embriagada, emitindo risos estridentes e agudos com uma garrafa de “White Horse” nas mãos.

O delegado João Eduardo até chegara a intimar Juliane para prestar depoimento, mas, no dia em que ela chegou até a delegacia local, ela fora dispensada.

O delegado teria recebido uma ligação do poderoso empresário pai de Juliane, que inclusive falava em transferência do doutor, para bem longe.

Exatamente um ano, da morte de Brígida, se completara e mais uma vez o impassível assassino voltou a atacar.

Dessa vez os corpos de Sabrina e Hellen, duas meninas da escola, mas que não eram da mesma turma de Zélia, Brígida e Juliane, foram encontrados.

Novamente na estrada dos monges, novamente com as línguas decepadas e “coladas” ao corpo e partes das mãos e dos pés cortados.

A língua de Sabrina estava “pregada” em suas nádegas e a língua de Hellen enfiada em uma de suas orelhas.

Era algo bizarro, sádico, perverso, excêntrico e assustador.

Contra todos e contra ninguém, o delegado João Eduardo, agora, mesmo custando sua transferência, resolvera ouvir todos os moradores da Cidade de Caveiras, bom, todos aqueles que o delegado achava que deveria ouvir.

Nem mesmo o padre Asir, que era um homem bondoso e cristão, só sabia falar de Deus e ajudar o próximo, escapou. Para alguns, um certo absurdo, sujeitar até o pobre reverendo a isso, era de fato uma certa humilhação, diziam alguns dos fiéis.

E o delegado João Eduardo teve então dois indícios que não o deixaram dormir naquela noite:

Pedro Augusto Sampaio, era o empresário famoso e pai de Juliane e havia uma contradição muito grande em seu depoimento.

Como sua empresa ficava na rodovia das indústrias que era localizada atrás da Colina do Monge, só que, o caminho era pelo asfalto e então naturalmente, todos os dias ele deveria sair da Cidade e pegar a rodovia (de asfalto) que dava acesso até sua empresa e lá se achegar.

Mas não, todos os dias (testemunhas informaram), o riquíssimo empresário, (que gostava de sua filha como se ela fosse um objeto de alto valor, que só precisava ser protegido), cortava caminho pela estrada de chão batido na Colina dos Monges, para chegar até a empresa.

Isso causara certa estranheza no delegado João Eduardo, mas o empresário afirmava apenas, que, cortava caminho, em razão de seu tempo ser curto demais.

Outro fato, chamou a atenção do “xerife” de Caveiras e o levou a minuciar as investigações:

Breno, o rapaz apaixonado por Brígida, voltara em uma tarde de domingo e fora visto por testemunhas dentro de um carro azul na noite anterior à morte da estudante.

Também havia rumores de que, no dia da morte de Brígida, quando Juliane saíra do carro azul com a garrafa de whisky nas mãos, o motorista do veículo era Breno.

Antes do dia marcado para a oitiva de Breno e Juliane na delegacia de polícia de Caveiras, o delegado João Eduardo pediu licença para tratamento de saúde e se fastara por mais de seis meses, e nesse tempo, Caveiras não tinha mais um chefe de polícia.

O maníaco voltou a fazer mais três vítimas, todas com as mesmas características: jovens, entre dezessete e dezoito anos, moças bonitas e com padrões corporais atraentes.

Os corpos foram novamente encontrados na Colina do Monge e com as mesmas característica das mortes anteriores, mas ninguém jamais conseguira localizar o misterioso serial killer.

Todos estranhavam aqueles fatos e se perguntavam: por que os corpos eram encontrados na estrada de terra da Colina dos Monges, se não havia mais nenhuma residência por lá?

Ou será que o assassino matava suas vítimas em outro local e as deixava na estrada da Colina do Monges apenas para despistar?

Era estranho, pois a única coisa que existia na colina era uma igreja bem no alto da serra onde, em alguns domingos passados o Padre Asir rezara algumas missas.

Com a nova equipe policial agora, novas investigações em outra linhagem se iniciaram.

Mas o tempo passou e as conclusões das investigações não deram em nada. Mesmo com a ajuda de uma equipe especializada de apoio da Capital, nada foi encontrado.

Mais um domingo daqueles e na estrada de chão da Colina dos Monges, uma camionete Ford F100 voltava da Cidade, quando avistou uma moça de vestes rasgadas e toda ensanguentada.

Ela gritava por socorro, mas quando os dois homens se aproximaram ela não falou mais nada a não ser baixar a cabeça e chorar baixinho. Eles perguntaram diversas vezes o que teria ocorrido, mas ela não abria a boca.

Os dois homens então, colocaram a moça na cabine para levá-la até o hospital, mas foi quando um dos integrantes lembrara que aquela moça era Juliane, a filha do rico empresário, e que aquele sangue em seu corpo poderia se um indicativo de que, se ela não era a assassina, poderia saber algo sobre isso.

Mas, ao chegarem na delegacia, eles tiveram uma surpresa:

A língua de Juliane estava cortada e quando ela abrira a boca, uma poça de sangue se formou na sala da delegacia.

Ela disse algo, pouco inteligível, mas deu para perceber que relatara ter conseguido escapar do assassino.

Juliane estava em estado de choque, fora levada para o hospital e já fazia três dias que ela não falava com ninguém.

O jovem Rogério, que teria sido a primeira pessoa a encontrar o corpo de Brígida, havia encontrado um anel de ouro com uma cruz e uma gravura “agnus dei” enroscado sobre as vestes da garota.

Ele não tinha, até então, revelado nada a ninguém, mas silenciosamente e em segredo “investigava” os fatos.

Ele então, levou o objeto reluzente até o delegado afastado, Dr. João Eduardo, que não queria mais se envolver, mas Rogério insistiu e então o delegado ouviu seus relatos.

Após ouvir atentamente os relatos de Rogério, o delegado disse a ele, que fosse até a paróquia, a fim de perguntar ao padre Asir se poderia ajudar.

Rogerio procurou pelo padre, mas Angelina, a criada que cuidava da paróquia o informou, que o padre Asir estava limpando a igrejinha da Colina dos Monges onde voltaria a rezar algumas missas, e que ela também em breve estaria indo para lá.

Rogério então, mais que depressa, imprimiu muita velocidade em sua bicicleta e chegou até a igrejinha da Colina dos Monges.

A porta estava encostada e ele empurrou. O padre Asir o recepcionou com todo carinho e amor de sempre.

Abriu um sorriso e antes que ele dissesse algo, Rogério olhou para a grossa corrente de ouro que o padre trazia no pescoço e percebeu a inscrição no pingente grande: “Agnus Dei”.

O menino exibiu o anel e indagou ao padre se aquele objeto era dele e ele afirmou que sim, e pegando “carinhosamente” nas mãos do menino ele disse:

“obrigado meu filho, eu perdi esse objeto faz tanto tempo, acho que alguém deve ter furtado de mim. Obrigado, Rogério, venha vamos até aos fundos quero lhe mostrar algo”.

Rogerio saiu correndo, montou em sua bicicleta e voltou em disparada para a Cidade de Caveiras, com o coração batendo a mil.

O delegado João Eduardo voltou até a igrejinha da Colina do Monge e após adentrar ao local com seus homens, ele conseguiu localizar uma espécie de passagem secreta no subsolo, onde havia corpos, pedaços de membros e órgãos de corpos de mulheres, outros objetos bizarros e um Chevrolet Opala 2.5 Especial azul, ano 1976.

O delegado João Eduardo efetivou a prisão do reverendo Asir, que posteriormente fora encaminhado ao manicômio judiciário de Farol, uma Cidade maior e próxima à Caveiras.

As investigações revelaram que, o padre Asir, fora criado de modo severo por sua mãe, uma viúva, religiosa fanática e doentia que dizia ao menino que ele jamais deveria tocar em mulher, que ele estava tomado pelo demônio e deveria se libertar disso e não podia brincar com incrédulos, sua vida era, da casa para a igreja e da igreja para a casa.

“As mulheres são pecaminosas meu filho, elas te fazem pecar, seus desejos, suas imaginações, são abomináveis ao senhor, se parte do teu corpo te faz pecar, arranque-a e jogue fora. Se sua língua te faz pecar, corte-a e jogue fora. Asir, você não pode ser desse mundo, pois você é o Agnus Dei, o cordeiro de Deus.

Certo dia, quando a mãe de Asir chegara em casa, ele tinha bebido e estava despido, com uma jovem no sofá, ela amarrou os dois, cortara a língua da mulher e depois a matou e consumiu com o corpo, para que Asir lembrasse das preciosas lições contidas no livro sagrado do senhor; ela também arrancara sua língua para que não pecasse mais. Por essa razão a fala do padre era muito enrolada, mas ninguém jamais imaginara uma coisa dessas.

Vinte anos se passaram....

Gazeta de Farol:

“homem esquizofrênico e psicopata, que todos os domingos celebrava “missas” no campo do manicômio judiciário de Farol nas proximidades do lago desapareceu do manicômio nesta madrugada sem deixar pistas”.

O padre jamais fora localizado e alguns anos depois, em Curitiba, na Capital Paranaense, um homem que assassinara duas mulheres em um cruzamento, próximo ao colégio dos padres, fora preso e em seu braço havia uma tatuagem, que tinha a seguinte inscrição:

“AGNUS DEI”.

Danilo Seraphim
Enviado por Danilo Seraphim em 31/07/2023
Código do texto: T7850595
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