SOBRENATURAL.
Karl olhou para o céu.
-"Não é possível."
A chuva desabou sobre ele. O rapaz correu e se abrigou debaixo do toldo da lanchonete. O letreiro de neon do Mackks balançava com o vento. Ele tirou uma sacola plástica do bolso da calça e protegeu os livros da escola. O lábio sangrando, do soco que tinha levado do Bill, o aluno grandão que sentava no fundo da sala. Pensou em chamar um táxi mas a turma do Big Joe tinha arrancado seus últimos dez dólares da mesada. Por causa da briga com Bill, tinha perdido o ônibus da escola. O jeito era voltar a pé, pela Dallas Street. Ele fechou os olhos. Os risos ainda ecoavam na sua cabeça.
-"Karl Spencer Junior, você é um idiota."
O rapaz sardento e de dezessete anos nem teve tempo de mostrar seus golpes de judô, Bill o derrubou como um boneco e o socou várias vezes. Levados a sala do diretor, Karl ainda saiu por cima, alegando que o oponente tinha pego e riscado seu livro de história.
-"Realmente o peguei, pensando ser de Joe."
Karl disse a verdade. Os primos , Bill e Joe, sentavam no fundo da sala de aula. Eles mudaram de carteira e Karl se enganou, vandalizando o livro de Bill.
-"Eu queria me vingar da surra que levei de Joe, há duas semanas."
Trinta minutos de caminhada, após a chuva cessar, Karl virou a esquina da rua de casa. Um carro vermelho. Um casal aos beijos.
-"Sandy?"
Ele abaixou a cabeça. A moça gritou.
-"Karl?! Temos trabalho de matemática. Às nove?"
Ele tentou sorrir.
-"Olá. Tudo bem."
A moça tentava se soltar do abraço do brucutu que a segurava.
-"Amor. Melhor a gente ver Stranger Things, não? Posso pedir uma pizza e algumas cervejas."
-"Me larga, Erick. Temos que entregar o trabalho amanhã pois vai valer nota."
Sandy correu até Karl.
-"Se importa de fazer o trabalho sozinho?" Karl não resistia àqueles olhos azuis, além do perfume dela e da mão no ombro dele. Ele deixou os braços caírem.
-"Tu... tudo bem. Colocarei seu nome no fim da folha. Fica na paz, Dy."
Ele ganhou um beijo no rosto.
-"Obrigada, meu amigo."
Ela voltou aos braços do namorado. Erick jogou a bituca do cigarro perto dele.
-"Valeu mesmo, Karl."
O moço tossiu pois era alérgico a nicotina. Karl segui pra casa, a dez metros dali. Olhou pra trás e viu o beijo de cinema entre Erick e a sua vizinha de rua. Ele era apaixonado por Sandy, desde o dia que a família da moça se mudara pra rua. Sandy e Karl tinham sete anos na época. Os dois sempre estudaram juntos.
-"Não é novidade desse imprestável. Deveria morrer e parar de me dar trabalho."
Karl desatou a chorar. O pai rasgou o bilhete do diretor.
-"Pra que servem as aulas de defesa pessoal? Você é um zero a esquerda, Karl."
O rapaz viu as duas garrafas de whisky ao lado do sofá. A madrasta tentava fazer o bebê dormir. Samantha olhou pra ele. O olhar triste dela demorava a total falta de forças pra defender o enteado. Ainda dava pra notar o olho roxo da esposa de Frank Spencer.
-"Não posso ir lá e matar esses trastes senão volto pra cadeia. Cresça, Karl."
O homem se aproximou do filho. Frank pôs as mãos no rosto do rapaz.
-"Vou cancelar o judô. Você é um filé de borboleta, idiota. Samantha, sirva o jantar."
Frank se jogou na poltrona. Karl subiu ao seu quarto. Precisava de um banho. A parede com duas fotos de sua mãe, morta há dez anos por uma overdose. Karl foi morar com sua tia Rose, no Texas. Frank saiu da cadeia, cinco anos depois e buscou o filho. O homem estava mudado. Tinha deixado o cigarro, as drogas, o álcool e as más companhias. Karl era mimado por Frank, agora trabalhando numa serralheria. Na igreja, Frank conheceu Samantha. Casamento e a chegada de Henry, um bebê rechonchudo e de cabelos ruivos. Karl odiava Samantha, de início, pensando que ela jamais substituiria sua mãe. Henry mudou tudo e Karl passou a ter mais diálogo com a madrasta. Doug e Michels, dois antigos amigos de Frank, se mudaram para o bairro. Frank passou a sair com seus antigos amigos. O pai de Karl tinha voltado a beber. Samantha não concordava com as amizades do marido. Violento, Frank passou a bater na esposa. Karl lavou a louça do jantar. Samantha acalentava Henry. Uma buzina. Frank colocou a jaqueta de couro.
-"São os garotos. Vou ao boliche."
Samantha forçou o riso.
-"Boa diversão, Frank."
Ele não respondeu e saiu, batendo a porta com força. Karl brincou algum tempo com o irmãozinho, liberando Samantha pra passar a roupa do cesto.
-"Tem o lado bom, Sam. Podemos ver a a série que gostamos. Vou fazer pipoca de microondas."
Samantha deu um riso amarelo pois sabia que Frank ia pra farra, até altas horas, com seus amigos.
-"Não sente saudades da sua tia Rose?"
Karl se surpreendeu com a pergunta.
-"Da tia, sim. Ela me amava e me colocou num ótimo colégio."
Karl tinha tristeza no olhar. Samantha o abraçou.
-"Nunca falei disso, Sam. Meus primos me batiam e..."
A voz embargou.
-"Paul e Tobby abusavam de mim, muitas vezes. Eram maiores, muito mais velhos. Minha prima, Dionne, sabia e incentivava os maus tratos. Ela era má, colocava a culpa de tudo em mim. Eu orava pra meu pai sair do cárcere e matar todos eles. Muitas vezes quis envenenar a família toda, acabar com eles e me matar depois. Em sonhos, minha mãe me acalmava."
Samantha estava surpresa.
-"Não fale nada disso ao seu pai. Ele é capaz de fazer uma carnificina."
Karl concordou.
-"Difícil é ver a cara lavada dos meus primos, de vez em quando. Deveriam estar na cadeia."
Ele pegou o controle da tevê.
-"Perdemos a série. Tem que voltar, Sam."
Ela pegou a mão dele.
-"A gente vê depois, Karl. Acho errado esses garotos lhe baterem."
Ele se levantou.
-"Só se acontecer algo sobrenatural, igual nessas séries de bruxos, vampiros e super heróis. Se eu tivesse poder, iria botar pra quebrar. Faria cada um sofrer muito. Pegaria a Sandy e a levaria pro meu esconderijo, no alto de uma montanha no Alasca."
Samantha riu.
-"A Sandy, da casa setecentos? Uau, você gosta dela!"
Karl ficou ruborizado.
-"Tenho que aturar os namoradinhos bestas dela. Pior, fazer os trabalhos de escola sozinho e colocar o nome da boneca."
Samantha o encarou.
-"É que você puxou a sua mãe, é muita bondade. Se passar a ser mau, quer dizer , ser durão. Falar não e se impor, vão olhar diferente pra você."
Ele pegou o copo de pipocas.
-"Vou subir e fazer o trabalho. Alguém tem que estudar nessa casa."
Uma hora depois, Karl fechou o livro de matemática.
-"Pronto, dona Sandy. Não vai repetir em matemática mas essa será a última vez que faço isso. Vou deixar de ser bocó."
O quarto na penumbra. Karl se jogou na cama. Os olhos vidrados no celular. Toda noite, passava horas falando com Moisés, um garoto brasileiro.
-"Sua mãe veio de onde? Cara, o que?"
Ele riu ao tentar ler Caraguatatuba.
-"O que você está comendo, Moisés? Parece terra."
As fotos do brigadeiro na tela.
-"Brigadeiro? Ah, chocolate. Já ouvi falar. No Brasil têm umas comidas bem estranhas."
Ele ouviu, uma hora depois, a porta da sala abrir. O feixe de luz entrou, por baixo da porta do quarto. Karl balançou a mão, dando adeus a Moisés.
-"Meu pai. Adeus, maluco. Meu chapa."
Tinha aprendido essas expressões com o amigo, além de passar a gostar de funk, futebol e da Anita. O celular foi desligado e passou pra debaixo do travesseiro. O fone de ouvido foi pro chão. Karl puxou o edredom e fingiu dormir. Os passos na escada. Frank sempre beijava a testa do filho quando chegava. Ele sentiu o cheiro de álcool. As mãos grossas de Frank no cabelo loiro do filho.
-"Quer mesmo isso, Frank?"
O garoto se arrepiou ao ouvir uma voz diferente. Frank tremeu, com o revólver na mão.
-"Sim. Faça."
A porta se abriu. Samantha entrou no quarto. -"Agora deu pra trazer sua gangue pra casa, Frank?"
O homem ao lado de Frank se virou. A mão estendida. O olhar penetrante. Samantha ficou paralisada.
-"Ele não dorme, está fingindo."
Karl abriu os olhos. Frank deu uma coronhada na cabeça do filho.
-"Agora ele está dormindo, amigo."
Uma hora atrás, Frank e seus dois amigos retornavam de uma boate, na cidade vizinha. Na curva da estrada, viram quatro rapazes amarrando uma moça numa árvore. Ela estava desacordada. Doug parou o carro.
-"Deixe a moça. Vamos embora."
Gritou Michels. Frank abriu uma cerveja.
-"Eles vão matar aquela pobre coitada, Doug. Vamos embora."
Doug pegou uma faca e saiu do acostamento.
-"Que m...Doug. Vão te matar, idiota."
Gritou Frank. Os quatro rapazes se viraram. Frank virou aterrorizado quando um tiro acertou a cabeça de Doug.
-"Que m...não quero voltar pra cana nem morrer."
Ele pegou o revólver no porta luvas. Os tiros. Frank atrás do carro.
-"Vai logo, Vic. Enfia a estaca no peito e mata essa aberração."
Um deles se levantou e pegou a estaca. Frank mirou, ajudado pela lua cheia. O tiro certeiro derrubou o rapaz. Michels correu para perto de Frank mas foi alvejado nas costas.
-"Michels?! Cara, fala comigo. Não morre."
O rapaz entregou a pistola automática nas mãos de Frank.
-"Acaba com eles, Frank."
Michels fechou os olhos pra sempre. Frank deu um grito selvagem, de dor e revolta. Ouviu passos. Estavam se aproximando. Frank rolou para o matagal. Rastejando, procurando uma posição entre as árvores, viu um dos rapazes. Um tiro eficaz. Frank tinha abatido dois deles.
-"Valentão? A moça vai morrer."
Gritou um dos algozes de seus amigos. Frank se guiou pela voz, atirando. O rapaz caiu, ferido mortalmente. Frank descarregou a pistola no rapaz caído.
-"Idiota. Vai morrer agora."
Frank se virou e viu o último rapaz atrás dele. A arma apontada pra ele. Frank não tinha mais balas. Ele pensou na falecida esposa, em Karl, Samantha e no pequeno Henry.
-"Adeus, valentão."
Frank fechou os olhos, esperando o fim de sua vida. Ele suspirou. O click do gatilho ecoou no silêncio da noite. Frank sentiu uma lufada de vento e um urro de uma fera. Ele caiu.
-"Que foi? Já morri?!"
Ele passou as mãos na cabeça e no peito. O rapaz estava caído. Frank correu e pegou a arma.
-"Vai pro inferno, desgraçado."
Frank descarregou a arma no rapaz.
-"Filho da p...por Doug e Michels."
Estava espumando raiva, possesso.
-"Ele já está morto, amigo. Já quebrei o pescoço dele."
Frank se virou e viu um homem o encarando. Estava ferido no ombro.
-"Você?! Me salvou? Foi você, entrou na frente da bala que era pra mim? Você não morreu?"
O homem enfiou o dedo na sua ferida e tirou a bala. No instante seguinte, a ferida se fechou.
-"Quem morreu. Ah, eu?! Já estou morto há séculos, meu caro. Você salvou minha irmã, Lilith. Ela ia ser empalada por esses caça vampiros."
Frank riu.
-"É sério?! Não é série da Netflix?! Onde estão as câmeras?!"
O homem se aproximou de Frank.
-"Prazer, sou Gustav Von Gildeforth, serei eternamente grato por sua atitude."
Ele estendeu a mão. Frank se arrepiou ao cumprimentar aquele estranho.
-"Frank. Meus dois amigos morreram no combate com os perseguidores daquela moça."
-"Minha doce Lilith, uma esposa dedicada. Estavam a espreita e se aproveitaram de minha viagem."
Gustav e Frank desamarraram Lilith, muito fraca. Gustav a carregou no colo até o seu carro. Frank ligou para os parentes de Doug e Michels.
-"Ligarei para a polícia, Frank. O delegado Jackson é meu amigo. Cuidarei dos funerais de seus amigos, faço questão. Pra todos os efeitos, você não esteve aqui. Direi ao delegado que seus amigos defenderam Lilith, após o deixarem na sua casa."
Frank concordou.
-"Parece que leu meu pensamento, Gustav. Não quero envolvimento com a justiça."
Durante o trajeto até sua residência, uma dúvida não saía da cabeça de Frank. Ele olhava desconfiado para Gustav, dirigindo o carro.
-"É mesmo um upir?"
Gustav riu.
-"Sim. Tenho apenas trezentos e trinta anos. Preciso voltar pra Europa com Lilith."
Frank fez várias perguntas.
-"Guardarei seu segredo, Gustav. Fica tranquilo."
Ele abaixou a cabeça.
-"Quer ir comigo? Tenho uma dezena de empregados. Preciso de seguranças, mordomos, cozinheiros."
Frank riu.
-"Eu? Empregado de um vampiro?"
Gustav ficou sério.
-"Se quiser poderá ser um de nós, porquê não? Terá sempre essa idade, deixa ver."
Gustav o encarou. Os olhos dele mudaram de azuis para violeta.
-"A estrada!!"
Gritou Frank, ao ver um caminhão a frente. Gustav desviou, sem tirar os olhos de Frank.
-"Temos sentidos aguçados, amigo. Visão total, força extrema, velocidade e imortalidade. Quarenta e dois anos, já cumpriu pena, viúvo, um filho de nome Karl, um bebê. Samantha, ela o ama e não deveria bater nela. Quem ama cuida. Você deseja que Karl cresça, seja forte e decidido. Isso se dará com o tempo, a menos que..."
Gustav ficou em silêncio.
-"A menos que o quê? Diga, Gustav."
-"Poderiam vir conosco a Europa, Frank. Poderá trabalhar no meu castelo. Vou lhe dar uma casa e muito dinheiro. Salvou a minha esposa e quero ser grato por isso."
-"Karl. Se você o transformar num vampiro, ele será forte e destemido."
Gustav sorriu.
-"E sempre jovem, Frank. Sei que sempre quis dar o melhor pra Samantha também. Terá uma bela casa em Praga, carro do ano , muito dinheiro pra viajar e se vestir bem. Depois você resolve, se quer ser um de nós."
Lilith despertou.
-"Querida, finalmente acordou. Esse é o Frank, ele a salvou do caçador Jeremy. Por pouco, você não vira pó."
A mulher pegou a mão de Gustav.
-"Sou a serva dele, a partir de hoje, Gustav."
Frank notou a beleza da mulher. Lilith tinha cabelos ruivos, a pele alva e olhos verdes belíssimos. Sua voz era doce e pausada. Lilith pousou a mão no ombro de Frank. Ele se arrepiou mas logo sentiu calma e bem estar no coração.
-"Frank, está entre amigos agora. Verdadeiros, uma família. Serei eternamente grata a seu heroísmo."
Frank se virou.
-"Quero ser um de vocês. Quero ir com vocês."
Gustav e Lilith deram uma gargalhada.
-"Primeiro, veremos o Karl, meu amigo."
Lilith amparou Samantha.
-"Venha, querida. É preciso que traga seu bebê até nossa mansão."
Samantha obedeceu, mecanicamente.
-"Ela vai ficar bem, Frank. Melhor que fique nesse estado de transe até a viagem."
Karl despertou,horas depois já na mansão. Frank estava a seu lado.
-"Pai. Onde estamos?"
Frank explicou a situação ao filho.
-"Você a salvou. Matou três homens?" Gustav e Lilith entraram no quarto.
-"Foi preciso. Eles a matariam, certamente. O senhor Gustav explicou tudo ao delegado. Pra todos os efeitos, não estive na cena."
Karl ficou aliviado.
-"Foi corajoso, pai. É um herói."
No dia seguinte, Gustav mostrou a mansão para Frank e para o filho. Perceberam que havia muitos empregados ali. Os muros altos, com cerca elétrica. Dois seguranças no portão de entrada. Os três carros de luxo na garagem, entre os quais uma limusine.
-"É tudo moderno no andar debaixo mas a parte superior é escura, há móveis antigos."
Disse Karl ao pai. Eles passearam pelo jardim. A sós, Frank revelou que queria ir pra Europa com Gustav.
-"Terei um emprego. Gustav quer me dar uma casa. Poderá estudar na Europa, Karl."
O rapaz ficou entusiasmado.
-"Samantha sempre fala de conhecer a Europa. Seria muito bom deixar essa cidade, não sou feliz aqui. Bem, não veria mais a Sandy."
Frank fez cafuné no filho. Gustav veio até eles.
-"Frank, temos que cuidar dos funerais de seus amigos. Reinold e Lilith levarão Samantha e Karl ao shopping. Lilith tem um cartão ilimitado e você pode comprar o que quiser."
Karl sorriu para Gustav.
-"Tem certeza disso?"
Disse Frank, no dia seguinte.
-"Absoluta, meu amigo. É até pouco, perto do que fizeram por mim. De onde vieram essas maletas há muito mais, garanto."
Frank nunca tinha visto tanto ouro. As maletas foram entregues às famílias de Doug e de Michels.
-"Não cobrirá a falta que seis amigos fazem, logicamente. Vai garantir uma vida boa às famílias."
Concluiu Gustav. Frank se preocupou.
-"Preciso falar com Samantha e com Karl. Sobre a mudança pra Europa. Temos que tirar passaportes."
Gustav o tranquilizou.
-"Lilith e Reinold cuidarão de tudo. Tenho certeza que Samantha aprovará a mudança."
Mais tarde, Gustav tirou Samantha do transe. Frank conversou com ela por um bom tempo. Não omitiu nada.
-"Achei que ficaria em choque ao saber que estamos convivendo com vampiros."
Samantha encarou Gustav, Lilith e Reinold.
-"Eles não vão nos atacar? Tem certeza?"
Frank deu uma gargalhada.
-"Só se você quiser. Eu já virei um deles." Frank mostrou os sinais das presas de Lilith no pescoço. Ele tirou a camisa e mostrou os músculos. Samantha estava em choque. Frank piscou para Reinold. O rapaz se aproximou da mulher e tirou um punhal , abraçando Samantha por trás. Frank, a dez metros deles, desarmou Reinold numa fração de segundos. Samantha sentiu um vento apenas, tamanha rapidez do ato. Frank deu um salto e pendurou no lustre, a quatro metros do chão. Karl entrou na sala e viu o pai saltar pra perto de sua mãe. Ele aplaudiu, pegando todos de surpresa. O celular de Karl tocou.
-"Karl? Já sabe da tragédia?"
Sandy estava aterrorizada.
-"Algum desconhecido deu uma boa lição na galera do Big Joe. Cinco rapazes foram parar no hospital, de tanto que apanharam. O Bill foi o que mais apanhou, nunca mais vai andar."
Karl esboçou um sorriso.
-"Quem semeia ventos colhe tempestades, Sandy."
Ele desligou. Frank foi até o filho.
-"As notícias chegam rápidas, Karl. Eles mereciam uma lição."
Karl compreendeu que Frank estava por trás de tudo.
-"Fiquei de longe. Frank se deu bem na sua primeira missão. Rápido e letal."
Disse Gustav.
-"Quer dizer que não vai morrer? Estará sempre assim, forte e do meu lado."
Frank abraçou Karl. Samantha ficou emocionada pois há anos não via aquela cena.
-"Podem ficar aqui, se quiserem. Não são obrigados a nada."
Disse Frank. Karl se adiantou.
-"Quero ser igual o papai, forte e destemido. Gostei de Gustav, assim que o vi. Temos uma conexão."
Gustav e Lilith se olharam, satisfeitos.
-"Eu quero ser jovem e bela, pra sempre. Lilith transformou Frank. Ele está sensível, dócil e carinhoso. Quero amar pra sempre esse homem, quer dizer, agora vampiro."
Eles se beijaram. Era madrugada quando Samantha e Karl foram chamados por Reinold. Eles foram até a sala oculta da mansão. Gustav e Lilith falaram longamente sobre suas vidas e das tradições dos vampiros.
-"É tudo sobrenatural. Jamais imaginei isso." Sussurrou Karl ao pai.
-"Não tenha medo. Estou muito bem, saiba disso."
Pouco tempo depois, já mordidos por Gustav e Lilith, respectivamente, Karl e Samantha iniciavam a transição sobrenatural. Karl despertou, já no dia seguinte. Os óculos estavam no chão, quebrados. Ele sentiu certa rigidez nos músculos. Ouviu o barulho de um carro e seus ouvidos doeram.
-"Estamos a um quilômetro da rodovia, no meio da floresta. Vai ouvir até o motor de aviões agora, a centenas de metros de altura."
Disse Frank, ao lado dele.
-"Se debateu muito enquanto virava um upir e quebrou os óculos, filho. Não vai precisar mais deles."
Samantha estava igualmente transformada. Auxiliada por Lilith, a moça se adaptou bem a sua nova condição, vampira como Frank e Karl. Eles ficaram duas semanas na mansão de Gustav, aguardando a documentação para voar pra Europa. Eles foram desocupar a casa onde moravam de aluguel. Frank e Samantha doaram os móveis a um asilo do bairro. O caminhão da mudança chegou pra retirar os pertences.
-"O que está acontecendo?"
Karl se virou, ao ouvir a voz de Sandy.
-"Somem por um bom tempo, a casa estava fechada. Karl abandonou a escola e agora parece que vão se mudar?"
A moça estava surpresa.
-"Vamos pra Europa, Sandy."
Adiantou Samantha. Karl e Sandy ficaram frente a frente.
-"Aqui é tudo de graça, pode pegar o que quiser. Tem liquidificador, batedeira, sugar, panelas novas, discos e CDs antigos."
Sandy ignorou Samantha pois só tinha olhos para o rapaz. Ele estava musculoso, ereto, de barba rala.
-"Seu cabelo está com volume, diferente."
Ela pensou, se aproximando dele. Karl captou o pensamento da moça e se surpreendeu com essa capacidade. Ela corou, envergonhada. Sabia que o vizinho nutria uma verdadeira adoração por ela e nunca o retribuiu. Levava na base da amizade e via Karl como um irmão. Dessa vez era diferente. Karl estendeu as mãos. Ela pegou as mãos dele, sem jeito.
-"Tem sido uma ótima amiga e vizinha, Sandy."
Ela deixou cair uma lágrima e sorriu. Frank tocou no ombro de Samantha e piscou.
-"Ele sempre foi apaixonado por ela, Sam. Entrava em casa emburrado cada vez que ela trocava de namorado."
Karl puxou Sandy e a abraçou.
-"Sempre gostei de você."
Disse ao ouvido da moça. Ela sentiu o corpo tremer. Uma moto parou em frente a casa de Sandy.
-"Sandy?! Por que está grudada nesse imbecil?"
Gritou Erick, tirando o capacete. Ela se recompôs e afastou de Karl.
-"Eles vão pra Europa. Vão se mudar."
Erick a abraçou forte.
-"Que bom pra eles! Temos cinema as vinte horas."
Erick percebeu que Karl não tinha baixado a cabeça, como fazia antes quando o via.
-"Ainda vendendo drogas, Erick? Francine, ela teve um filho seu, não?!"
Karl leu o pensamento do rapaz, fazendo o mesmo o encarar, assustado.
-"O quê? Quem está falando? Karl, não foi você, foi?"
Erick derrubou o capacete, desorientado. Karl mostrou a palma das mãos.
-"Eu?! Estou quieto, meu chapa."
Ele sorriu, satisfeito.
-"Vamos, Francine!"
Erick puxou Sandy. Ela parou, nervosa.
-"Esse perfume é de mulher, Erick. Francine, sua ex estava grávida. O filho é seu?."
Erick ficou sem reação.
-"Esqueça o cinema e me esqueça também." Sandy correu pra sua casa. Erick subiu na moto e saiu a toda velocidade. Frank veio até Karl.
-"Boa, filhão. Vai lá, é sua vez. Lute pelo amor da sua vida."
Karl não sabia o que fazer.
-"Não posso invadir a casa dela, pai. Ela é livre. Não sei se sou correspondido e agora sou diferente. Somos diferentes."
Frank e Samantha o abraçaram. Chorando, Sandy assistia a cena do alto da janela do quarto. A vizinhança se aproximou e levou quase todos os pertences.
-"Sobraram pouca coisa. Umas tintas, tijolos e uma churrasqueira enferrujada. Vou fechar a casa."
Comunicou Frank . Samantha colocava alguns vasos no jardim.
-"Obrigado pela coleção de discos do Elvis, Frank. Minha esposa pegou um belo tapete. Seja feliz, cara."
Frank ganhou um abraço de Benjamin, um vizinho. Karl pegou uma lata com um pouco de tinta branca. Escreveu EU TE AMO no asfalto.
-"Ela vai saber, conhece minha letra como ninguém. Sandy já estava na cama, quase pegando no sono. Reinold chegou a mansão, com os documentos e passaportes.
-"Europa, aí vamos nós de volta."
Lilith vibrou, beijando Gustav.
-"Mildred, a governanta, prefere ficar. Será a presidente da fábrica e me manterá informado dos negócios. Ela e dez dos empregados, que nasceram aqui nos Estados Unidos, não seguirão conosco. A mansão ficará com eles, pagamento pelos serviços prestados nesses quarenta anos." Gustav entregou os passaportes a família de Frank. A limusine partiu, levando Gustav, Lilith, Reinold, Frank, Samantha, Karl e Henry até o aeroporto, a cem quilômetros dali. Sandy acordou as dez da manhã. A cabeça doendo. O celular com dezenas de ligações e mensagens de Erick. Ela tomou café e voltou pra cama.
-"Alguém escreveu EU TE AMO na rua. Só pode ter sido aquele garoto estranho da família Buscapé, o Karl. Vão passar fome na Europa?!? Garota, levante."
Sandy não ligou pra sua mãe e correu até a janela. Ela riu.
-"Foi ele. Karl me ama."
Ela olhou o celular.
-"Já essa hora!? Karl deve estar a caminho do aeroporto."
Ela ligou pra ele, sem sucesso. Sandy pegou a bicicleta e foi até o trabalho de seu pai, numa loja de ferragens, no mesmo bairro.
-"Não posso deixar o serviço, Sandy."
Ela estava cansada.
-"Não posso deixar o Karl ir embora."
Hans tirou o boné e olhou para seu chefe, Jim.
-"No seu carro velho não vão chegar a tempo no aeroporto. Hans não pode ir mas eu posso. Vamos na minha BMW, Sandy."
A moça sorriu e abraçou seu pai, depois Jim.
-"Vamos voar, garota. Coloca o cinto."
Em pouco tempo, Jim estava na auto estrada. -"O beberrão do Frank vai pra Europa, é? Pra qual cidade, Sandy?"
A moça parecia aérea.
-"Cidade? Não sei. Ouvi a Samantha citar Praga mas não sei o país."
Por sorte, o vôo para Praga estava atrasado. Karl olhava para os lados, no saguão.
-"Karl está pensando em Sandy."
Sussurrou Samantha ao esposo. O sistema de som anunciou a partida do vôo para Praga, dali a vinte e cinco minutos. Jim e Sandy entraram no aeroporto.
-"Preciso me despedir de um amigo. É urgente."
O segurança barrou Sandy. Ela viu o rapaz, de longe. A moça gritou por ele . Karl se virou.
-"Ela veio, pai. É a Sandy."
Ele foi até o portão. Karl estava estiloso, de blazer azul marinho e óculos escuros. Jim bateu no ombro do segurança, que abriu o portão.
-"Karl?! Você está lindo."
Eles se abraçaram.
-"Eu vi sua mensagem na rua. Eu também te amo."
Eles se beijaram.
-"Promete que vai escrever pra mim? Me ligar?"
Ela o abraçou forte.
-" Prometo. Que ironia, agora que estamos juntos, vou embora mas a levarei no coração. Em breve, virei te buscar."
Karl a beijou longamente. A moça se arrepiou inteira e sentiu uma forte energia saindo do rapaz. Ele se soltou e foi até a área de embarque. Sandy e Jim esperaram o avião partir.
-"Podemos voltar, Sandy. Estou feliz por ter lhe ajudado."
Disse Jim. Sandy estava emocionada.
-"Ele disse que virá me buscar em breve."
Os olhos dela brilharam.
-"Se ele disse, ele vem."
(continua...) FIM