O VAMPIRO DO VÔO 473.

Num castelo no interior da Romênia, o mordomo sisudo colocou uma bandeja dourada na mesa.

-"Correspondência, meu amo."

O rapaz de pele alva, olhos azuis turquesa e cabelos loiros ondulados e perfeitamente penteados, sorriu, com dentes brancos ao extremo, como aqueles de propaganda de creme dental.

-"Grato, Hilbert. Alguma notícia de Valerie?"

Sua voz era potente.

-"Ainda se encontra na torre. Continua desacordada."

O mordomo saiu, com passos cadenciado. O conde Vladymir era criterioso e metódico. Tomava o desjejum às sete, pontualmente. Ainda de roupão vinho, folheou os jornais.

-"Nada de novo. Guerra entre Rússia e Ucrânia, pandemia, submarino com milionários que implodiu, fake news, pix.

Que saudades do mundo antigo."

Ele se levantou.

Abriu as janelas e aspirou o ar puro que vinha da floresta de pinheiros, ao lado do castelo. O conde se virou, ao ouvir alguém descendo as escadas.

-"Karina? Pronta para cavalgar?"

A moça sorriu.

-"Bom dia, papai. Sempre pronta para nosso passeio matinal. Fred ainda dorme."

O conde abraçou a filha.

-"Já não se fazem genros como antigamente. Deixe esse balofo dormir até a tarde. Não sabe curtir a vida."

Karina era belíssima.

Uma mistura de Angelina Jolie com Nicole Kidman, certamente. Cortejada pelo filho do presidente do país, ela cedeu aos avanços do rapaz devido aos conselhos do pai.

-"O filho do presidente será um dos nossos, você fará dele um vampiro e teremos maior poder na Europa."

Disse o conde a época, em 1972.

-"Papai. Esqueceu de abrir essa carta." Karina estendeu a carta ao conde, fumando um charuto e apreciando a paisagem. Ele abriu a correspondência. -"Teremos um congresso em Hong Kong, daqui há um mês.

Todos os líderes mundiais estarão presentes."

Karina ergueu a xícara de chá de hibisco.

-"Não são apenas os mais velhos que participam? O senhor tem apenas quatrocentos e dois anos!"

O conde se preocupou, coçando o queixo.

-"Estranho. Será que algum membro importante morreu, dando motivos pra uma nova eleição do conselho? De qualquer modo, fui convocado.

Terei que comprar malas e roupas novas. Levarei Conrad, que acha?"

Karina devorava rosquinhas de nata.

-"Perfeito. Ele é forte e sagaz, um perfeito acompanhante. Esqueça a cartola, saiu de moda. Iremos ao shopping, onde há lindos blazers azul marinho."

O conde se colocou atrás dela, com as mãos Deus ombros.

-"Ainda bem que tenho você, filha. Sabe, essas viagens são perigosas pois temos muitos inimigos. Não quero me envolver em brigas, mortes e coisas do tipo. Deixo isso pra juventude.

Embora eu já tenha conhecido toda a terra, não me agrada ir ao Oriente, ainda mais a tenebrosa Hong Kong."

Karina riu.

-"Foi assim que sobrevivemos até hoje, sendo invisíveis. Nossa realidade é outra."

Três dias depois, o conde recebeu a visita de Conrad. O rapaz estava na companhia da esposa Lilith e dos filhos, Ernest e Ludwigg. O conde via no sobrinho o seu sucessor na liderança dos vampiros da Romênia. Conrad era astuto e um estudioso do mundo sobrenatural, em especial dos vampiros.

-"Vou ter que vestir um blazer?" Conrad olhou pra esposa.

-"Karina exige elegância, amor. Vai acompanhar o conde numa missão especial. Quem sabe não estará na presença de um futuro membro do conselho mundial?"

O rapaz concordou.

-"Sendo assim, eu topo."

Karina comprou as passagens, num site de viagens.

-"Pronto. O vôo fará uma conexão no Cairo."

Karina, Fred e Lilith acompanharam o conde e Conrad até o aeroporto.

-"Uma ótima viagem, papai."

Karina deixou cair uma lágrima. O conde captou o sentimento dela.

-"Vai dar tudo certo, filha. Uma semana apenas."

Vampiros vêem o interior, captam sentimentos e emoções. O conde Vladymir também se preocupava em sair do país mas não demonstrou, retendo sua energia pra que a filha não percebesse.

-"Estão elegantes e lindos. Por favor, voltem."

Disse Lilith, quebrando o gelo. O conde apontou para Fred.

-"Cuide de tudo, rapaz. Até mais."

Fred ergueu o polegar.

-"Pode deixar, conde. Vão em paz."

O sistema de som anunciou a partida do vôo 473, com destino ao Cairo.

-"O que haveria no Egito, além das pirâmides, tio?"

O conde se acomodou na poltrona do avião.

-"Muita areia, história e terroristas. O Saara me dá medo e as pirâmides me lembram os alienígenas que as construíram. Há muitos deles na área 51, nos Estados Unidos. Terroristas mataram minha doce esposa, uma atleta pronta a competir em Munique." Conrad o confortou.

-"Estarei de olhos abertos, tio. Eu sei o que está sentindo."

O conde colocou os óculos escuros e parecia descansar. Conrad pegou um livro de Nora Roberts na maleta. O avião levantou vôo, deixando a capital romena pra trás. Tempo depois, Conrad se levantou e foi ao banheiro do avião. Ele retornou, poucos minutos depois. Olhava fixamente, enquanto vinha pelo corredor, pra cada passageiro do vôo.

-"Ótimo vôo. O salmão estava no ponto, perfeito."

Disse a comissária de bordo que passou por ele. A moça sorriu. Conrad sentou-se.

-"Tudo em ordem, nenhum maluco nem sinal de bombas, tio. A maioria são turistas."

O conde sorriu pelo canto da boca.

-"Você é um mentiroso, Conrad. Odiou o salmão."

Eles riram. No Cairo, o conde e o sobrinho saíram do hotel Metropolitan.

-"Um dia no Cairo parece uma eternidade, Conrad. Vou te levar pra conhecer a cidade e almoçar."

Conrad ficou encantado com a esfinge. -"As pirâmides estão alinhadas com a constelação de Orion, onde estão as Três Marias e Betelgeuse, que é muito maior que o sol. As civilizações antigas se guiavam por Orion, vista do hemisfério norte e sul. Os primeiros vampiros datam dessa época, oriundos de seres híbridos de demônios e humanos."

Conrad abraçou o conde.

-"Estar aqui com o senhor é ter uma aula de história ao vivo."

O conde olhou o relógio de pulso.

-"Quatro da tarde, está vindo uma tempestade de areia. Vamos voltar ao hotel."

Na manhã seguinte, às sete horas, eles entraram no ônibus que levaria os passageiros, que seguiriam a Hong Kong, até o aeroporto. Outros passageiros entraram no avião. Muitos japoneses, chineses e egípcios.

-"O líder africano reside na África do Sul, em Johanesburgo."

Informou o conde ao seu sobrinho. O avião decolou. Conrad se levantou e foi ao banheiro. Ele passou pelo corredor, observando os passageiros. Pra sua surpresa, o conde estava acordado. Conrad sentou-se.

-"Há dois homens bem nervosos no fundo da aeronave. Barbas falsas e bonés de times de basquetebol americano."

Conrad notou que tinham trocado a tripulação. O conde se levantou, tempo depois. Ele foi ao banheiro e conversou amenidades com uma aeromoça. Ao resvalar no ombro de um dos rapazes, percebeu um tic tac quase imperceptível.

-"Mil perdões, meu amigo. Esse corredor é apertado."

O rapaz sorriu. O conde retornou a sua poltrona.

-"São terroristas, Conrad. Eles têm uma bomba."

Conrad se mexeu na poltrona, nervoso. -"O que faremos? Só nós sabemos disso."

Cochichou o rapaz. O conde estava travado, sem reação.

-"Conde Vlad? Vai ficar tudo bem."

Um dos rapazes se levantou, com uma metralhadora. O outro pegou uma aeromoça pelo pescoço.

-"Ninguém se mexa. É um sequestro, esse avião vai pra Malasia."

Os passageiros entraram em pânico. A aeromoça tomou o rumo da cabine do piloto, levada por um dos sequestradores.

-"Não abra. Eles têm uma bomba." Gritou Conrad.

O outro sequestrador correu até Conrad.

-"Cala a boca, almofadinha. Todos iremos morrer."

Conrad mexeu com o conde, que voltou a si.

-"Pegue o da frente, Conrad."

O conde deu um salto para o corredor. Conrad, numa velocidade incrível, libertou a aeromoça e imobilizou o sequestrador. Ele pegou a arma dele, em segundos.

O conde avançou sobre o outro, que conseguiu disparar.

O conde arrancou o braço do sequestrador, com a arma. Um soco potente e o sequestrador caiu.

Os passageiros gritavam. Três dos passageiros estavam feridos, atingidos pela metralhadora. Conrad foi até o conde.

-"Tio. Está sangrando."

O conde tinha um ferimento no ombro."

-"Estou bem, Conrad. A bomba!" Conrad revirou a poltrona dos sequestradores. O guarda volumes, no alto. Uma maleta amarela. O copiloto abriu a cabine. Ele viu Conrad com a bomba na mão.

-"Essa bomba vai detonar em um trinta segundos. Abra a porta do avião."

O copiloto obedeceu. O conde pegou os sequestradores numa velocidade inimaginável e os amarrou juntos, usando os paletós de seu blazer e do sobrinho. Conrad colocou a bomba dentro da camisa de um deles.

-"Hasta lá vista, baby. Da próxima vez, certifiquem que não tenha vampiros no vôo."

Conrad sorriu maquiavélico e jogou os dois do avião.

-"Ainda restam doze segundos."

Disse o conde. A porta do avião se fechou. Os passageiros viram uma explosão, ao longe.

-"Bem feito. Ficamos sem os paletós. Karina não vai gostar nada disso." Sorriu Conrad.

Os dois foram aplaudidos pelos passageiros e pela tripulação.

-"São vampiros, morte aos vampiros." Gritou um dos passageiros. O conde olhou para o sobrinho.

-"Hora de voltar no tempo. Não vão se lembrar de nada."

Um clarão se fez no avião, assim que o conde bateu palmas e usou seus poderes.

O ferimento do ombro do conde se fechou, instantâneamente. A aeromoça passou com o cardápio do jantar.

-"Estranho. Esses dois lugares não estavam vazios."

Um dos passageiros chamou a aeromoça.

-"Olha. Encontrei um braço com uma metralhadora, debaixo da minha poltrona."

A aeromoça desmaiou. Os passageiros ficaram assustados. Um dos comissários contornou a situação.

-"Deve ser brincadeira de algum engraçadinho do cinema. Sempre fazem isso com uma arma de brinquedo."

Ele colocou o braço num saco plástico e o guardou na sala dos comissários. O conde colocou as mãos no rosto, rindo. -"Esqueci do braço do maldito."

Conrad também sorriu.

-"Será um prazer me livrar daquele braço, tio. Será mais apetitoso que o salmão."

FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 26/06/2023
Reeditado em 13/11/2023
Código do texto: T7822649
Classificação de conteúdo: seguro