Viver é uma aposta
Destacando-se em meio à constelação de letreiros que enfeitavam a noite metropolitana, as palavras “Cosmos: hotel e cassino” brilhavam fulgurosamente acima da entrada do majestoso edifício de vinte e um andares.
No térreo, conforme a pessoa se aprofundava pelo interior através do corredor largo, era possível ouvir o barulho cada vez mais nítido de números bradados, do tilintar das máquinas caça-níqueis e das gargalhadas que permeavam a atmosfera inebriante do cassino.
A excitação geral atingia os sentidos por todos os lados, mas Gerson estava concentrado no que queria, indo em direção à mesa verde com uma roleta e uma tabela pintada nas cores vermelho e preto. Ele comprou algumas fichas e esperou que as apostas da última rodada fossem varridas da superfície.
— Façam as suas apostas! — disse o crupiê.
Gerson pôs uma ficha no vermelho e outra no ímpar. Apostas mais abrangentes ofereciam ganhos mais modestos em caso de vitória, mas ele preferia começar pequeno e deixar as coisas esquentando aos poucos.
Outros apostadores distribuíram suas fichas pelas seções internas e externas do layout, alguns sendo particularmente ousados, como um sujeito de cabeça raspada e camisa com as mangas arrancadas para exibir os braços musculosos apinhados de indecifráveis tatuagens. Ele tinha uma única ficha e a colocou no quadrado do número trinta e um.
— Apostas encerradas! — O crupiê girou a roleta e jogou a bolinha branca. Ela quicou, rolando de um canto a outro até que a roleta perdesse força e parasse no número trinta e um.
Gerson ganhou o dobro da aposta por ter posto sua ficha na seção ímpar, mas o outro tinha ganhado pelo menos trinta e seis vezes mais a aposta inicial por ter apostado no número específico. Houve uma rodada de muxoxos de decepção, arroubos de alegria e assobios de assombro pela sorte do careca tatuado.
O crupiê varreu a mesa e pagou o dinheiro devido aos vencedores. Gerson usou o prêmio para comprar mais fichas de roleta e esperou o estranho fazer a aposta. O homem tatuado esperou até o último momento para depositar a ficha no número escolhido. Gerson imitou a aposta dele. O crupiê gritou que as apostas estavam encerradas e girou a roleta.
Os apostadores ao redor da mesa mantinham o olhar na bolinha, mas o de cabeça raspada olhava displicentemente naquela direção, como se fingisse interesse apenas em consideração aos demais.
A bola parou em um número e sucedeu-se como na última vez, com o mesmo indivíduo recebendo o prêmio pela vitória. Ele pareceu se cansar e se afastou. Gerson também permitiu ser substituído e o seguiu.
— Com licença, amigo — disse ele. — Boa noite.
— Boa noite. Posso ajudar?
— Parece ser seu dia de sorte.
— O seu também. — O estranho reparou nas fichas que Gerson carregava.
— Pois é. Segui seu exemplo. Você é um excelente jogador e não costumo perder a oportunidade de observar e aprender com os melhores. Quer jogar comigo?
— Qual jogo?
— Um de cartas. Só nós dois. Que tal? A noite está só começando.
O outro não recebeu a proposta com o maior dos entusiasmos, ao mesmo tempo em que não aparentou ter motivos para recusar.
— Vamos lá. — Ele se virou e caminhou através dos corredores ladeados por fileiras de máquinas piscantes e barulhentas com cadeiras na frente. Todo o ambiente do cassino era confuso, pensado para a pessoa perder não apenas a noção de tempo como também a si próprio, mas o tatuado navegava por ele com a calma de quem estava em casa.
Ao chegarem a uma mesa, dois baralhos foram providenciados e ambos se sentaram um de frente para o outro.
— A propósito, meu nome é Gerson.
— Igor. Prazer em conhecê-lo. — O outro começou a embaralhar as cartas sobre o tampo verde. — Que jogo vai ser?
— Gosto de pife. O que acha?
— Para mim, está ótimo. — Igor distribuiu as cartas entre os dois alternadamente, nove para cada um, e deixou o restante de lado.
Gerson pôs todas as fichas no lado oposta ao do baralho, apostando tudo, e levantou as cartas destinadas a ele para conferir o que tinha.
O pife consiste em formar três trincas de cartas, cada trinca formada por uma sequência de números do mesmo naipe, ou tendo cada uma um naipe diferente, mas com o mesmo número. O que Gerson tinha dava boas esperanças para formar as combinações rapidamente. Ele tirou uma carta do baralho, conferiu se era conveniente trocar alguma que tinha em mãos por ela para formar uma trinca e, não sendo, jogou-a no meio da mesa.
O oponente olhou para ela. Não a julgando atraente, retirou uma carta do baralho e substituiu uma de seu leque inicial, descartando a preterida sobre a jogada por Gerson.
Depois de mais ou menos uma dúzia de cartas retiradas do baralho pelos dois jogadores e descartadas na pilha que se avolumava no centro da mesa, Gerson possuía uma trinca formada pela sequência de quatro, cinco e seis de copas, uma segunda trinca formada por três valetes de naipes diferentes e estava aguardando apenas um ás de espadas para juntá-lo ao dois e três de espadas e, assim, vencer o jogo.
Entretanto, Igor foi mais rápido e depositou as nove cartas na mesa, separadas em três grupos de três, cada grupo com as sequências numéricas e combinações de naipes necessárias para ganhar.
— Bom, acredito que venci — disse ele esticando o braço para arrastar as fichas para junto de si. — Lamento que tenha apostado tudo de uma vez, senão poderíamos ter outras rodadas.
— Não seja por isso. Tenho outras cartas na manga. — Gerson pegou o baralho e as cartas, embaralhou e jogou nove para cada um.
— Pois bem — Igor tomou em mãos as dele —, aposto todas as fichas. Como vai cobrir isso?
— Com isto. — Gerson sacou o celular do bolso, mas não era ao aparelho que ele se referia, e sim à foto que o mostrava junto a uma moça de longos cabelos pretos e um piercing no canto da sobrancelha esquerda. — Gostou dela? — Ele pôs o aparelho de lado, junto com as fichas.
— Não é nada feia, mas é uma aposta inusitada.
— Não tem do que reclamar. A companhia de uma bela garota como essa é um prêmio e tanto. Não me diga que não aceita.
— Aonde pretende ir com isso? — Igor jogou uma carta na mesa e pegou uma do baralho.
— Vencer o jogo. Só isso. — Gerson trocou uma de suas cartas, descartando um valete de ouros.
— Pelas suas roupas, iguais as da imagem, vejo que a foto foi tirada hoje. — Igor pegou a carta e jogou outra no lugar.
— Certamente.
— Se a aposta é real, está disposto a trazê-la aqui, se eu ganhar?
— Estou. — Gerson jogou um sete de espadas, que foi apanhado por Igor.
— Pode trazê-la agora mesmo, então. — O tatuado pôs suas cartas na mesa. Havia três trincas formadas.
— Que bom jogador você é.
— E se você for também, irá honrar a aposta. Traga Miriam aqui.
— Por que a pressa? Temos a noite toda.
— O que você quer, afinal?
— Quero conseguir uma coisa muito simples.
— O quê?
— O segredo da sua sorte. Por favor, não se faça de sonso. Ninguém ganha assim o tempo todo sem algum truque. Há semanas estou de olho em você, desde que perdi uma boa soma com essa sua suposta sorte, mas você deve ganhar tanto e de tantas pessoas diferentes que nem deve mais reparar na cara dos vencidos.
— Posso devolver o dinheiro que você perdeu, se for essa a questão.
— Não é só questão de dinheiro. Quero saber o segredo.
— Deve estar desesperado para recorrer a isso.
— O quê? Trazer sua namoradinha aqui e mostrar que o rapaz que ela gostava é um tremendo de um picareta? Não que ela já não ache isso depois de ser abandonada. Ela mencionou rapidamente o término abrupto de vocês, mas eu já estava a par de um pouco mais da história de antemão. Tirei uma foto sua, usei um software para encontrá-lo nas redes sociais e a investigação me levou até ela. Mas não se preocupe. Eu a pus confortavelmente em um dos quartos do Cosmos. Conheci-a na boate em que ela trabalha atualmente. Depois de muita conversa e bons mimos, convenci-a a vir. Poderá perguntar pessoalmente como ela foi tratada e poderá concluir que fui um moço bastante respeitador, pelo menos até agora. Então, quer vê-la? Quer que eu a leve sã e salva de volta sem que ela saiba onde o ex está ou o que ele esteja fazendo? Você pode escolher. Basta contar o que eu quero.
— Quando você a apostou usando a foto, não impôs condição sobre eu contar o que quer que seja. Eu venci. Reivindico meu prêmio.
Igor mal acabou de falar e um estouro de campainhas das máquinas caça-níqueis eclodiu por perto. Gerson olhou em volta e encontrou Miriam perto deles. O ar confuso dela demorou um instante para passar e ela se situar onde estava. Encarou as luzes e as bobinas festejando, e os letreiros dizendo "você ganhou!", mas seu olhar espantado se deteve nos dois jogadores sentados à mesa.
— Igor! Gerson!
— Há quanto tempo está aí? — Gerson se levantou da cadeira.
— Eu estava há menos de um minuto no quarto do hotel, então as luzes piscaram e, quando me dei conta, estava aqui. Vocês se conhecem? — Ela olhou para o ex-namorado, mas Igor não respondeu, petrificado. Depois, levantando-se, dirigiu-se para a mulher e puxou o braço dela.
— Você tem que sair daqui.
— O quê?
— É sério. Vá embora o quanto antes. Esse lugar não é seguro. — Igor a puxava enquanto falava, rebocando-a pelo cassino.
— Não está feliz com seu prêmio? — Gerson foi atrás dos dois.
— Do que ele está falando?
— É muito complicado explicar agora. — Igor se movia com agilidade e já pisava no saguão quando Miriam resolveu reagir.
— Chega! — Ela puxou o próprio braço. — Você me deixou sozinha e agora me trata desse jeito. Dá pra termos uma conversa de verdade pelo menos uma vez?
— Estou muito feliz de rever você, mas você não pode ficar. Confie em mim, por favor. — Ele se voltou para Gerson. — Pode levá-la?
— Isso não vai acabar dessa forma. Não lembra do que estávamos conversando? Você me deve uma explicação.
— Digo qualquer coisa, contanto que leve-a para um lugar seguro.
— Não quero perdê-lo de vista!
— Vamos conversar lá fora. — Miriam sugeriu. — Ou no quarto.
— Não. Não é seguro.
— Do que tem tanto medo? — Gerson perguntou. — Alguém não quer vê-la? Tem medo de que alguém faça algo contra ela?
— Sim. Tenho. Você desconfia que minhas sucessivas vitórias tenham algo a mais envolvido, pois afirmo que sim, por isso digo que ela deve ir.
Sentindo muita seriedade nas palavras, Gerson encarou o semblante grave do outro homem.
— Miriam, por favor, espere perto do carro, está bem? Tenho um assunto a tratar com o rapaz.
A moça olhou de um para o outro e se deteve em Igor.
— Se é tão importante para você ficar longe de mim, que seja! — Ela deu meia volta e caminhou com passos pesados para a saída. Ela se afastava decididamente, porém, ao passar sob o arco da entrada, simplesmente desapareceu com o piscar das luzes.
— Para onde ela foi? — Gerson se aproximou e examinou a porta. Era como se Miriam simplesmente tivesse evaporado em um instante.
— Ah, não. — Igor esboçou uma reação diferente, mas não menos assombrada. — Ela pertence ao cassino agora. Era o que eu temia.
— Do que está falando?
— Por ter sido objeto de aposta no jogo vencido por mim, agora ela pertence ao cassino, assim como tudo o que eu ganho. — Igor saiu apressado de volta ao cassino, procurando em volta. — Ela ainda pode estar aqui em algum lugar. — Ele sentiu um aperto forte no ombro e um puxão que o levou ao um canto. Pressionando-o contra uma pilastra, Gerson abriu a camisa para deixar o coldre visível.
— Algo muito esquisito está acontecendo aqui. Primeiro sua sorte absurda; agora uma pessoa de carne e osso some diante de nossos olhos. Quero que desembuche o que sabe!
Apostadores e trabalhadores do estabelecimento não davam a mínima para o impasse entre os dois homens. Com os olhos vidrados em telas, dados, cartas e números, ninguém esboçava interesse, nem parecia ser da vontade de Igor gritar por ajuda ou chamar a atenção de quem quer que fosse.
— Quando Miriam e eu chegamos nessa cidade, eu estava disposto a tudo para conseguir dinheiro para começarmos nossa vida juntos. Vim para esse lugar tentar conseguir grana mais rápido e perdi tudo. Pensava estar tudo acabado, até que luzes piscaram e letras informaram que eu pertencia à casa. Eu não poderia mais sair ou reencontrar meus entes queridos. Mal pude enviar uma mensagem para Miriam pedindo que me esquecesse. Estou preso aqui com a tarefa de ganhar tudo para enriquecer o cassino. Acredite em mim quando digo que esse lugar não é normal. Ele está consciente, brincando com todos e sugando-lhes tudo o que pode.
— Todos esses apostadores sabem disso?
— Não. Os clientes são pessoas normais. Os seguranças, crupiês, barmans e garçonetes eu não tenho certeza. Alguns parecem tão vivos quanto manequins de uma loja e agem de forma mecânica. Não sei se são reais. De qualquer modo, falar com qualquer um sobre isso é o mesmo que pedir para ser taxado de louco.
— Talvez seja loucura mesmo.
— Você viu como ganhei todas as apostas. Viu o que aconteceu com Miriam. Pertenço ao cassino, e tudo o que eu ganho também pertence a ele. Não sabia que valia para pessoas além de mim, não até agora.
Gerson sacou a arma e apontou para a cara de Igor.
— E se você morresse?
— Não adianta. Eu seria apenas mais uma carta fora do baralho; o jogo continuaria, um jogo na qual só a casa ganha. Você não teria seu dinheiro de volta, nem Miriam seria livre.
Gerson olhou em volta. Todos continuavam não se importando com o fato de um homem estar apontando uma arma para outro. Era um mundo com suas próprias regras.
Ele tirou o braço do pescoço de Igor.
— Queria acreditar nessa sua sorte maldita, mas fica difícil sem uma prova.
— Proponha um jogo. Qualquer um.
Gerson olhou em volta. Máquinas caça-níqueis piscando e dados rolando, todos convidando a tirar a sorte com eles.
— Minha confiança na casa está em baixa, então proponho algo mais simples. — Ele repôs o revólver no coldre e vasculhou pelo bolso, tirando uma moeda de vinte e cinco centavos.
— Vamos fazer um teste de cara ou coroa.
— Três rodadas. Para não sobrar dúvidas.
Gerson o encarou por um instante. Era um jogo simples, com uma moeda que era dele, jogada por suas próprias mãos. Não tinha como haver um truque sujo.
— Eu escolho cara.
— Coroa — disse Igor.
Gerson jogou a peça metálica para cima. O objeto girou no ar e começou a cair, indo parar nas mãos que haviam jogado-a para o alto. A mão direita a apanhou, depositou-a sobre o dorso da mão esquerda e saiu de cima da moeda para revelar o resultado: coroa. O processo foi repetido mais duas vezes, com Igor invariavelmente sendo o vencedor.
— Impossível!
— Eu falei. Minha função aqui é ganhar para a casa.
— Sempre ganha, é? E se você fizesse uma aposta para mudar um pouco o jogo?
— Não posso apostar comigo mesmo.
— Aposte comigo, então. Apostamos de forma que seja sempre um bom resultado, não importa quem ganhe.
— Será possível? — Igor falou, questionando mais a si mesmo que a outro. O sumiço de Miriam provava que ele não sabia todas as regras. — Vamos tentar. Precisamos de um jogo que não dê margem para outras possibilidades além das que a gente quer, então vamos permanecer com o cara ou coroa. Se eu vencer, você tem de volta tudo o que perdeu jogando comigo, pessoas ou dinheiro. Tudo volta a ser como era antes. Se você ganhar…
— Se eu ganhar — interrompeu Gerson —, o cassino deve acabar. Fechado?
— Fechado.
— Que lado você escolhe?
Um alarido de campainhas junto a um tilintar chacoalhante de moedas proveniente das máquinas caça-níqueis ao redor impediu a resposta de Igor, que olhou assustado ao redor antes de ter chance de falar se escolhia cara ou coroa.
— Ele não vai deixar — falou ao ver o comportamento estranho das máquinas se alastrar.
— Vamos procurar outro lugar. — Gerson fez menção de puxar o outro pelo colarinho, mas uma tormenta de luzes e sons atingiu-os antes que os dedos tocassem a gola da camisa sem mangas de Igor, que desapareceu entre as luzes que piscavam sem parar, deslocando-o de diferentes lugares freneticamente e abafando sua voz.
Gerson podia vislumbrar o outro em meio à iluminação psicodélica, sumindo e aparecendo em pontos distintos do ambiente, mas sempre longe do alcance dele, que também sentia-se afetado pelo fenômeno, como se estivesse presente e ausente do cassino ao mesmo tempo, perdido em meio às bobinas girantes e letreiros luminosos onipresentes.
Perguntou-se se Miriam estaria sofrendo a mesma coisa em algum lugar e percebeu que o cassino queria-os separados a qualquer custo, tentando fazer sumir inclusive ele, que, diferente dos outros dois, não era propriedade da casa.
Esse esforço começou quando Igor e ele fizeram uma aposta que tentava tirar bens do cassino, o que indicava que realmente representava uma ameaça ao sistema. Mas agora ele não tinha ninguém com quem apostar e não podia jogar a moeda sem que Igor escolhesse um lado para finalizar a aposta.
Tentou uma vez e perdeu a moeda em meio ao piscar enlouquecido ao redor. Estava perdido, a não ser que pudesse apostar sozinho. Lembrou-se do que Igor havia falado, sobre não poder apostar contra si mesmo, mas se deu conta de que isso valia para Igor, não para ele. De repente, Gerson decidiu recorrer a uma última cartada.
— Cosmos — gritou —, Igor não pode jogar sozinho, mas eu posso. Proponho uma aposta. Se eu vencer, obtenho o que Igor e eu queríamos ganhar agora a pouco, isto é, a devolução de tudo o que eu perdi jogando com ele e o fim do cassino; se eu perder, você tem mais um cadáver para pôr em seus cofres, além de tudo o que já tem. A banca fica com tudo, inclusive eu. É pegar ou largar. Aceita?
Do caos de luzes piscando, roletas girando e telas acesas ao redor, um padrão de sons de congratulações mostrou a concordância da casa. Bobinas enfileiradas ao lado pararam o giro e mostraram a seguinte sequência de letras: E-S-C-O-L-H-A-O-J-O-G-O.
Havia uma miríade de alternativas em volta, todas se insinuando efusivamente, mas nem uma confiável. Tendo perdido a moeda, Gerson recorreu a outros meios. Sacou a arma do coldre, abriu o tambor e deixou que caíssem quatro das cinco balas que nele havia.
— Eu proponho roleta russa — disse girando e encaixando novamente o tambor do revólver sem olhar, de modo que não fizesse ideia de onde estava a bala. — Puxarei o gatilho três vezes. Acredito que esteja satisfeito com as probabilidades.
Gerson apontou para a própria cabeça. Era uma medida extrema, mas suas perspectivas não eram das melhores. Além do mais, a casa mostrou-se contente através da tormenta sensorial com a qual afligia o apostador. Este fechou os olhos e foi como se bloqueasse a visão e a audição ao mesmo tempo. Fez-se uma quietude repentina.
Gerson abriu os olhos um instante e viu que o caos havia cessado. Ele estava em pé no meio do cassino, as máquinas paradas e aparentemente travadas ou desligadas, as bobinas tão imóveis quanto as roletas.
Os jogadores pareciam um pouco confusos com o estranho blecaute, tirados do torpor dos jogos. Logo eles olhariam em volta, perguntando-se o que estava acontecendo, e dando de cara com um homem apontando uma arma para a própria cabeça. Provavelmente se lançariam para ele, tentando impedir a loucura, ou seja, impedindo o jogo. O cassino estava fazendo a sua própria jogada.
Não havia tempo a perder. Gerson puxou o gatilho uma vez. Um estalo e nada mais. Faltavam duas tentativas e já havia quem erguesse a cabeça, apurando os ouvidos, como se tivesse escutado o estampido.
Apertou uma segunda vez. Nada. Mas algumas pessoas pareciam ter reparado nele, a expressão delas mudando conforme compreendiam o que ele segurava junto à têmpora direita.
Com um grito, uma senhora se levantou do banco em frente a uma máquina e se escondeu; garçonetes e crupiês olharam naquela direção. Eles poderiam correr para impedir a insanidade, mas o tempo necessário para a terceira tentativa era mínimo. Assim, Gerson apertou o gatilho antes mesmo que eles pensassem no que deviam fazer.
Após o último estampido da arma, o silêncio perdurou como se todos esperassem algo mais. Foram longos segundos de espera até que uma das máquinas ligasse, depois outra, e mais outra; logo todas estavam em um colapso semelhante a uma sobrecarga, piscando, tilintando, bobinas girando com frenesi e aberturas vomitando moedas e tickets.
As pessoas não ficaram indiferentes àquilo por muito tempo. Começaram a se jogar no assoalho, coletando moedas e cédulas, cartas e dados jogados para o alto. Do jogo que se desenhava no momento, a única regra era pegar o que pudesse.
Gerson foi abrindo caminho na balbúrdia com a arma erguida à frente, indiferente aos tesouros que pipocavam das máquinas. Tudo que ele queria era encontrar a saída, e, nessa busca, foi encontrado por Igor, que trazia consigo uma atordoada Miriam. Gerson não deixou de sentir uma pontada de satisfação por ver que seu plano teve êxito.
— Você que causou isso? — perguntou o tatuado. — Como fez para nos libertar?
— Esperteza com um pouco de sorte, indispensáveis para um bom jogador. Sabe como encontrar a saída?
— Acompanhem-me.
Os três costuram uma via pelo cassino, chutando o que fosse necessário até a porta que dava para a rua. Ao passar sobre a soleira, Gerson se voltou para trás, deparando-se com Miriam puxando sem sucesso o braço do ex-namorado, que não saia do lugar, como se um estranho magnetismo o puxasse de volta para o saque que evoluiu rapidamente para um quebra-quebra no interior do prédio.
— Você não vem?
— Eu não consigo. Eu literalmente não consigo — respondeu Igor, puxado para trás. O cassino o reivindicava como o último bem do qual não estava disposto a abrir mão.
Gerson se juntou à garota e também tentou puxá-lo.
— Não adianta. Eu sou propriedade dele. Vocês devem ir. Cuide dela. Miriam, vá para casa. Tudo o que eu queria era mantê-la longe disso.
— Podemos achar um jeito.
— Não, Miriam. Vá. Ver você feliz foi a maior ambição que alimentei. — Igor soltou as mãos dos outros dois e sumiu num piscar de luzes.
A pane elétrica que começava pareceu recordar aos envolvidos no saque que eles não poderiam ficar a noite toda ali. Uma hora teriam que levar suas conquistas para um lugar mais seguro.
Uma maré de pés apressados, de mãos avarentas segurando espólios vorazmente tomados e bolsos cheios de tudo o que fosse possível carregar rumou para a saída, mas acabou não atropelando ninguém do trio que antes conversava na entrada.
Igor havia sido levado não se sabe para onde, e Gerson puxou a moça para um canto antes que ambos fossem pisoteados pela turba em fuga. Depois que o tropel passou, um rastro contendo algumas cartas e notas de dinheiro se estendia a partir do cenário calamitoso do interior do cassino.
Miriam se soltou e pisou sobre o assoalho do saguão. Parecia disposta a procurar pelo ex-namorado, mas o peso dos eventos se abateu sobre ela e a fez perder os sentidos.
Gerson a levantou, virou as costas para o cassino depredado e a levou embora sem nem mesmo pensar em procurar entre os destroços o dinheiro que perdeu jogando.
Tendo em vista as surpresas reservadas pela noite, sair vivo já era um prêmio bom o bastante. Mas não se podia dizer que Gerson estava arrependido da jogada arriscada que empreendeu quando entrou no cassino com o intuito de arrancar o segredo da sorte do estranho cheio de tatuagens. Como bom jogador que era, aceitava os riscos como parte essencial do que é viver.