Animal de Estimação
Sei que cada ser tem uma missão. A minha, por exemplo, é a de adotar animais velhos e debilitados. Fico vagando pelas ruas à procura da triste criatura. Já cuidei de vários, sempre um de cada vez. Meu modus operandi é simples. Fico com aquela cara de cachorro que caiu da mudança e, na maioria das vezes, o pobre se aproxima. Alguns dão mais trabalho para acompanhar, mas é só insistir e eles acabam por não resistirem aos meus encantos. Entretanto, não quero falar da morte daqueles que já estavam no fim e sim da grande tristeza que é a perda de um filhote.
Estava acompanhado pela mãe; era desprovido de pelos na cabeça. O cheiro da morte ao seu redor não deixava dúvida de que seu destino estava selado. Relutei. Mas como ignorar aqueles olhinhos amendoados brilharem para mim.
Aproximei-me sorrateiro e percebi uma expressão de sorriso enquanto se agitava. O animal maior era arredio e logo se afastou tentando levar a cria. Mas o pequeno não desistiu e deixando a mãe de lado veio em minha direção. Pouco depois estávamos chegando ao luxuoso prédio. Não era permitido animais. Enfim, o síndico sensibilizado com o estado do bichinho abriu uma exceção e consegui entrar com eles. Eu não tinha experiência com animais ainda na primeira muda dos dentes e precisava aprender. No início foi difícil, mas logo éramos amigos inseparáveis. Sua alegria era tão grande que por alguns meses se esqueceu da dor. Saíamos pelas ruas saltitantes e as outras crianças logo vinham em nossa direção. Deus! Como os amiguinhos gostavam dele...
O tempo foi passando e apesar do meu esforço era raro mantê-lo acordado, era administrado muitos remédios por conta das terríveis dores, e para piorar as coisas a mãe estava cada vez mais hostil. Assim sendo, passei a ter muito medo. Por mais que tentasse eu não conseguia entender o porquê ela não gostava de mim já que eu amava tanto o seu filhotinho.
Estava chovendo quando vi o anjo da morte entrar pela janela e a beira do leito pegá-lo pela mãozinha ossuda. Do meu canto fiquei apenas observando a triste separação do corpo e da alma.
Foi velado no salão do prédio. Pela choradeira parecia haver muita gente, crianças e adultos. Mas, o seu melhor amigo, a ingrata deixou preso no quarto. À medida em que o tempo passava, com o faro bastante apurado, eu podia sentir o cheiro das flores murchando. Jurei que mesmo ficando meses em um Canil Municipal arranjaria um jeito de fugir para entrar no cemitério e cavar mil sepulturas até lhe encontrar e ver aquele rostinho mesmo desfigurado só mais uma vez...
Eu já estava quase louco quando ouvi passos se aproximando da porta, e pelo cheiro sabia bem quem era. Preparei-me para fugir, mas ao entrar ela foi logo dizendo:
_ Venha, Caramelo. Vamos ver o nosso menino.
Chegamos bem próximos, lancei minhas patas peludas sobre a beirada do pequeno caixão e quando alguém tentou impedir ela disse:
_ Pode deixar, é do meu filho.
Não entendi, ele que era meu...
Para não me verem chorar feito cachorro novo saí correndo e passei esguio pelas grades que cercavam o bonito jardim. Quando parei exausto já estava pronto para continuar com a minha verdadeira missão, ou seja, adotar apenas animais velhos e debilitados.
FIM