POR FAVOR, NÃO ME MATE!

Audrey chegou da faculdade, na moto que tinha ganho uma moto do pai, um jornalista de Turim. Jogou o celular no sofá e foi pra cozinha do apartamento alugado. A neve cobria os telhados. Renata, uma amiga brasileira, tinha lhe apresentado a tapioca, que Audrey amou na primeira mordida. O ovo frito, o queijo e uma fatia de presunto. Um copo de suco de laranja. Um lanche rápido pra quem tinha a agenda lotada. Na porta da geladeira os recados. Aulas de teatro, os horários de remédios, avisos da mãe e vários compromissos. Ela saiu pra passear com o poodle, em volta do condomínio. O celular tocou. -"Lukas! Estou indo pra academia. A tarde tenho teatro. Hermione quer ajuda com a decoração do aniversário do Carl. Não venha, a gente..." A ligação caiu. Minutos depois, o carro de Lukas estacionava em frente a academia. O rapaz entrou com uma caixa de bombons finos e um buquê de rosas. Todos na academia aplaudiram a moça. Lukas a beijou. -"Louco. Não é meu aniversário." Ela o puxou pra fora da academia. -"Que vergonha." O rapaz abriu a porta do carro. -"Vamos passear, minha namorada?" Ela corou. -"Alugou esse carro?" Era um Porsche conversível amarelo. -"Sim. Vamos voar com essa belezinha." Lukas fez o motor roncar alto e forte, impressionando os alunos da academia. O carro saiu cantando pneus. -"Segura aí." Ele gritou, enquanto acelerava. Lukas ultrapassava outros veículos, facilmente. Ele freou bruscamente no semáforo. Uma BMW parou a seu lado. Lukas acelerou e olhou para o outro motorista. Audrey estava apavorada. -"Lukas. Não! Não provoque." Era perda de tempo pois Lukas estava decidido a tudo. O outro motorista olhou pra eles. O sinal vermelho demorando uma eternidade pra mudar. O brilho de um revólver chamou a atenção de Audrey. -"Até a ponte Da Vinci. Valendo vinte mil?" Lukas concordou, meneando a cabeça afirmativamente. O outro rapaz deu uma gargalhada satânica. Audrey se arrepiou. -"Vou ganhar e matar vocês depois!" Audrey agarrou o braço do namorado. -"Por favor, não nos mate." Olhos atentos ao semáforo. Lukas acelerou assim que o sinal verde surgiu. Stefano, no outro carro foi mais lento ao reagir. Ele viu, surpreso, o carro de Lukas ganhar vantagem. -"Tenho uma bomba pra você, moleque." O painel cheio de luzes e botões. Stefano, de família rica, era obcecado por rachas de carros. Tinha perdido várias disputas mas estava decidido a não ser mais motivo de piadas e chacotas entre a galera. Investira uma montanha de euros pra turbinar o carro com um motor potente e um sistema de nitrogênio capaz de catapultar o veículo. Ele emparelhou com Lukas. Audrey suava feio, segurando o cinto. Porsche e BMW lado a lado na avenida, passando velozes e perigosamente perto dos outros veículos. Lukas ganhou a dianteira, deixando Stefano pra trás. A ponte apareceu a frente deles. Stefano apertou, nervoso, vários botões do painel. Uma alavanca ficou iluminada de verde neon, perto do câmbio. Audrey estava curtindo agora. -"Ganhamos!" Ela gritou. Uns sete metros atrás, Stefano esbravejava. -"Maior, seu mecânico fdp! Eu te mato!" O pé afundado no acelerador. O sistema funcionou finalmente, mudando o ronco do motor e fazendo sair fumaça dos pneus. Lukas não acreditava no que via. Audrey virou-se. O carro de Stefano passou por eles, como Lewis Hamilton num carro de Fórmula Um contra um fusquinha. Stefano chegou primeiro a ponte. Ele saiu do carro, cruzando os braços e rindo gostosamente. Lukas freou. -"Não tenho todo esse dinheiro, Audrey. Estamos ferrados." Audrey se desesperou. -'Como você aposta e não se garante, Lukas?E agora?" Stefano acendeu um cigarro e caminhou até eles. -"Aceito pix, fedelho." Lukas acelerou o carro e foi pra cima do outro. -"Vai me cobrar no inferno, idiota. Vamos voar, Audrey." Stefano estava desorientado. Ele sacou o revólver e atirou três vezes. Lukas se abaixou, virando o volante e atingindo Stefano em cheio, jogando -o pro alto. O moço caiu sobre o capô, quebrando o vidro. Lukas passou pela ponte, onde o corpo de Stefano caiu. -"Nos livramos dele, Audrey." Ele olhou para o lado. Um silêncio tumular. Audrey olhou pra ele e sorriu, fechando os olhos. Lukas viu o sangue escorrendo do buraco da testa da namorada. Ele se desesperou e gritou. -"Audrey. Não morra!" Precisava ir a um hospital o mais rápido possível. Audrey segura pelo cinto apenas. Lukas não viu a carreta a frente dele. O forte impacto fez o carro girar na pista, parando no acostamento. No que sobrou do veículo, os corpos do casal entre as ferragens. O caminhoneiro parou, trinta metros depois do local trágico. Ele correu, já ligando pra polícia. Audrey se levantou, seis anos depois. -"Pai? Mãe? O que fazem aqui?" Ela viu um rapaz com Albert e Diana. Olhou bem e reconheceu o irmão mais novo, Louis. -"Louis? Como cresceu! Quanto tempo estive fora?" Ele foi puxada pra fora da sepultura. -"Venha, garota. Está pronta pra sofrer? Vai nos levar ao seu namorado." Audrey estava no centro da roda de jovens que se drogavam. Ela recebeu injeções nos braços. Os olhos dela reviraram. Dez jovens a insultavam e a acorrentaram na lápide de um dos túmulos. Audrey apanhou muito. -"Onde está seu namorado? Está nos enrolando há anos." -"Não sei do que está falando. Não o conheço." O líder dos rapazes era implacável. -"Deve estar lá, onde disse pra ir cobrar a grana da aposta. Vamos, coloquem-na de novo na sua tumba." O rapaz ria da situação. Audrey lembrou-se do racha. Tinha um rapaz a seu lado num carro, embora se esforçasse, não lembrava seu nome. Aquele rapaz que a torturava, ele não era estranho. Audrey estava ainda abalada com o trauma de sua morte. Os lamentos de sua família só a prendiam mais ao plano físico. -"Audrey?" Ela ouviu alguém a chamando. A moça saiu da sepultura mas não viu ninguém. -"São lamentos, querida. Alguém a chama de outro plano." Um homem se aproximou. Era de meia idade e de terno branco. Sua voz era mansa e pausada. -"Sou Félix e vim ajudá-la. Lukas está nas esferas mais baixas, Audrey. Está sendo castigado por todo o mal que fez." Félix colocou a mão sobre a cabeça da moça. Audrey fechou os olhos e chorou. Num instante, Audrey viu a sepultura aberta. O caixão se abriu e um esqueleto surgiu. -"É você e ao mesmo tempo não. Aqui não é o fim, Audrey. Está ainda presa na matéria." Félix se foi. Audrey estava feliz pois alguém a tratara bem após tanto tormento. Ela lembrou-se do racha. -"Lukas." A imagem do namorado surgiu na sua mente. O racha. O acidente. Os rapazes estavam vindo na sua direção, com o líder deles a frente. Ela quis fugir mas não tinha forças. Nunca tinha saído dali. -"Oh! Você teve visitas? As orações de seus pais fizeram efeito e mandaram ajuda do alto, moça. Lukas, você recordou. A aposta no racha, custou minha vida logo depois." Audrey encarou o líder deles. -"Que foi? Que está olhando?" Audrey se lembrou, de repente. Os carros parelhos na avenida. Stefano provocando Lukas para o racha. -"Não sabia que tinha morrido após o racha. Seu tiro." Ela sentiu a mesma sensação quando levou o tiro fatal. Ouvia o desespero de Lukas no carro. A alta velocidade. -"Você me matou! Seus tiros, antes que Lukas o atingisse." Stefano não se comoveu. -"Foi bem feito. Seu namorado me atropelou pra não me pagar." Audrey gritou. -"Lukas?!" Num repente, Stefano e Audrey estavam numa outra realidade. Era tudo escuro e silencioso. -"Onde estou? Alguém nos ajude?" Stefano estava calado e surpreso. -"O que você fez? Cadê aquele seu amigo?" Audrey sentiu uma dor dilacerante no peito. Sua mão começou a ficar escura. Os dedos estavam se atrofiando. Sua pele estava secando. Stefano se afastou, horrorizado. O rapaz olhou pra sua mão, preta como piche. Eles ouviram passos. Uma porta se abriu. -"Audrey?! Você veio!" Lukas veio na direção deles. Stefano ficou ereto, estralando as costas. Ele apontou para Lukas mas seu dedo indicador caiu. -"Vim cobrar nossa aposta!" Audrey então percebeu onde estavam. -"Lukas! Você disse para ele ir ao inferno cobrá-lo, se lembra? É onde estamos." Lukas estava triste, sem brilho. -"Sim, eu disse. Estamos nós três aqui, no inferno que é a total ausência de Deus. Aqui não chegam orações, ajuda, nada. Éramos seres espirituais num corpo maravilhoso e jovem, que maltratamos e o destruímos com drogas. Stefano, aqui o dinheiro não tem valor." O chão abaixo deles desmoronou e os três jovens caíram num labirinto sem fim. -"Audrey? Minha filha." A moça abriu os olhos. Estava ligada a aparelhos, tomando soro. Aqueles estranhos a encaravam. Um casal, um médico e duas enfermeiras em volta da maca. -"Ela vai recuperar a memória aos poucos. Acontece quando se sai de um coma, após um grande trauma. Vamos ter paciência e dar tempo ao tempo. Audrey é jovem." Os pais da moça saíram da UTI após a fala do jovem médico. -"Graças a Deus. Audrey abriu os olhos. Ela vai viver." Disse Diana ao filho Louis. Seis dias depois, Audrey foi transferida para um quarto do hospital. Já podia receber visitas. O corpo doía muito. Tinha que passar por uma bateria de exames. Falava baixinho, se alimentava quase normalmente e reconheceu os pais. -"Não se lembra de nada, filha?" Audrey movimentou o indicador, mostrando que não. Não se lembrava porquê estava ali no hospital. A memória voltou, quatro dias depois, junto da melhora e da alta médica. Audrey abraçou os pais, comovida. -"E Lukas?" Perguntou ao seu pai. -"Ele morreu. Tinha muita cocaína no corpo, como você. Pular do alto da boate foi loucura." Audrey chorou. -"Estávamos na boate e resolvemos ir ao telhado. Era onde a gente namorava. Lukas tinha muita droga com ele pois vendia aos jovens. Ele insistiu pra que eu usasse e ficasse legal. Não queria mesmo usar mas ele insistiu. -"Por favor, não me mate. Cocaína é muito pesado, Luc." Audrey soluçava. -"Após isso, fizemos amor. Um segurança nos surpreendeu. Tinha o nome de Félix no uniforme. Ele nos aconselhou a sair dali pois era perigoso. Percebeu que estávamos drogados, certamente. -"Vou fingir que não os vi. Moça, drogas não dão futuro. Saiam daqui e vão pra casa." O segurança nos aconselhou e se foi. Lukas foi até a beirada do telhado. Gritava que podíamos voar. Me chamava pra saltar dali e voar. Ele estava louco. Fui até ele, que me puxou. O segurança voltou. -"Saiam daqui..." Ele correu até nós. Lukas segurou a minha mão e disse que me amava. -"Vamos voar, Audrey." Ele se jogou, de costas para o vazio, me levando junto." Os pais de Audrey choravam ao ouvir a versão da filha. -"Se Lukas morreu, porquê eu estou aqui, viva?" A mãe dela abriu uma gaveta e retirou um jornal. -"Você caiu sobre um rapaz que saía da boate. Stefano Modenna amorteceu sua queda, Audrey." A moça tremeu ao pegar o jornal e ver a foto do rapaz. Ele a tinha paquerado no balcão, antes da chegada de Lukas a boate. Alguns olhares e poucas palavras mas Audrey gravou aquele rosto. -"Vim aqui cobrar uma dívida mas parece que meu amigo não chegou." Ela riu. -'Boa sorte. Estou aguardando meu namorado." Ele fez cara de triste. -"Pena. Garotas como você não caem do céu. Ou caem?" O rapaz pegou uma cerveja e saiu. Ela contou aos pais, com detalhes, de sua experiência, enquanto estava em coma. -"Foi tão real. Lukas e o moço disputaram um racha. Logo depois, eu os vi no cemitério. Félix me ajudou. Acham que tive uma experiência de quase morte?" O pai dela concordou e revelou que o segurança da boate tinha ido ao hospital pra vê -la. -"Disse que iria rezar muito por você., Audrey. Também rezamos muito." FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 08/05/2023
Reeditado em 10/05/2023
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