3:33

Ao ouvir ruídos do lado de fora do edifício, ela sentou-se na cama - meio assustada com o breu que fazia no interior de sua residência – e acendeu o abajur. Sua respiração estava bastante ofegante, pois parecia ter acordado de sonhos não muito apetecíveis. Olhou o relógio que marcava 3:33 da madrugada. Encheu um copo d’água que deixava sobre a cômoda ao lado de sua cama e bebeu-o.

Levantou-se com os pés descalços, abriu a porta do quarto e observou a escuridão que fazia dentro do apartamento. Além dela, um silêncio sepulcral transbordava cada recinto daquele lugar. Nunca sentira ela tanto incômodo como ora sentia. Num ímpeto de coragem, atravessou o corredor, a observar os cômodos adjacentes a ver se encontrava algo de anormal. O escritório estava vazio; o quarto de hóspedes, como deixara na noite anterior; o banheiro, intacto. A sala de estar permanecera da mesma forma: até mesmo o molho de chaves que havia jogado junto ao celular sobre a mesa de centro antes de retirar-se para o banho. Tudo parecia normal. A luz do luar penetrava a janela da sala – cujas cortinas olvidara-se ela de fechar.

Os ruídos permaneciam incessantes. Indagadora, ela não conseguia remediar sua curiosidade. Tomou o molho de chaves, vestiu um sobretudo que estava pendurado em um gancho ao lado da porta e abriu-a. O corredor do andar de seu apartamento também estava vazio. O vizinho da frente – que geralmente dava festas até altas horas da madrugada – parecia não estar em casa. Os sensores do corredor não funcionaram; tampouco as luzes dos botões do elevador. Como poderia o edifício estar sem luz sendo conseguira acender o abajur e que seu relógio marcava 3:33? Sem muito entender, resolveu ela descer pela escada de emergência.

Tampouco as luzes de cada andar acendiam, visto que os sensores deviam estar com defeito. Estranho era o fato de tudo ocorrer ao mesmo tempo. Jamais o edifício sofrera tal pane desde que ali passara a viver. A cada andar que descia, encolhia-se mais e mais dentro do sobretudo. Os pés descalços estavam enregelados e os dentes chegaram a bater-se devido ao frio que fazia. Baixou pelos quarto, terceiro, segundo e primeiro andares. Finalmente, chegou no térreo. Abriu a porta e um sopro gelado de vento arrepiou-lhe a espinha.

Saiu pela porta de vidro que separava o interior do mundo lá fora. Encontrou nenhum vizinho que estivesse a chegar de uma noitada ou a sair a trabalhar. Dirigiu-se à guarita do porteiro – mas descobriu-a vazia. Estranhou o fato de que nenhum dos cinco porteiros que ali trabalhavam jamais havia faltado.

Abriu o portão lateral do edifício – destinado a transeuntes – e foi à rua. Uma sensação de terror lhe tomou o espírito. Tentou gritar por ajuda, mas não conseguiu. Os demais edifícios estavam apagados. Começou a subir a rua – que estava vazia. Apenas a luz do luar lhe servia de guia para enxergar o caminho. A maioria dos postes estava apagada, exceto um que ao longe piscava – a iluminar a silhueta de algo que parecia parado, a parecer observá-la subir a rua. Ela acenou – a ver se tal pessoa se lhe viesse oferecer ajuda ou explicação sobre o que estava a ocorrer. Ela aproximou-se ainda mais, a pensar que talvez a escuridão que fazia e o pouco de iluminação que o luar oferecia não eram suficientes para que aquele sujeito a visse.

Aproximou-se e, cerca de cem metros de distância, percebeu que aquele homenzarrão estava de costas para si. Foi tomada de um medo repentino, contudo sobressaltou-se um ímpeto de coragem para buscar ajuda. Uma nuvem negra de chuva cobriu o luar, a deixar o ambiente cada vez mais lúgubre. O frio acentuou-se e ela encolheu-se ainda mais no sobretudo. Gotas finas de garoa começaram a cair. Seus pés logo umedeceram e sua visão começou a embaçar-se. Por que não conseguia gritar?

Novamente o ruído que ouvira começou a emanar. Estava cada vez mais próximo. Não parecia ser um som produzido por humanos. Estava próximo de um chilrear grave e bastante assustador. A figura parecia-se-lhe tornar maior a cada passo que dava. O terror ao que estava acometida parecia não ter efeito em detrimento da coragem que a motivava querer entender o que se estava a passar. Ao que ela aproximou-se da silhueta, o chilreio parecia ensurdecedor. Parecia aquela figura misteriosa que o causava. Ela tentou dizer alguma coisa, mas a voz não saía. Ao achegar-se à coisa, de tamanho e forma inumanos, tentou ela tocá-la. A luz do poste apagou-se. O chilro silenciou-se. Ela conseguia somente ouvir o barulho da chuva, sentir suas gotas contra seus cabelos, o sobretudo e seus pés molhados. De repente, as luzes dos postes acenderam. O farol de um carro iluminou sua face, a violentamente ir em sua direção.

Ao ouvir ruídos do lado de fora do edifício, ela sentou-se na cama - meio assustada com o breu que fazia no interior de sua residência – e acendeu o abajur. Parecia ofegante. O relógio marcava 3:33. Ela teve um sobressalto. Tomada de horror, tentou procurar seu celular – que constantemente desaparecia sob as cobertas. Estava desligado. Acercou-se da janela e vislumbrou o edifício e os demais que avizinhavam o seu. Todas as luzes estavam apagadas. Viveria aquele pesadelo novamente? Recordou-se que, na noite anterior, deixara o celular sobre a mesa de centro – ao lado do molho de chaves. Para evitar coincidências, calçou as chinelas. Molhou o rosto com a água que jazia ao lado de sua cama. Ao abrir a porta, uma surpresa: o chilro começou a emanar muito próximo. Tomada de terror, ela correu o corredor. Estava ofegante, sôfrega. As mãos trêmulas agarraram o celular. Ela desbloqueou-o. Tentou discar qualquer número, mas a ansiedade estava agonizante. Logo, o chilro – que parecia estar tocando dentro de sua cabeça - parou. Ela ligou a lanterna do aparelho e, ao circundar pela sala, encontrou no canto à direita uma figura horrenda, de olhos demoníacos, a parecer babar sangue. O monstro levantou-se – a abrir a boca enorme, cheia de dentes afiados, a soltar um chilreio infernal. Ela gritou, aterrorizada. Súbito, aquele monstrengo pulou sobre ela, destroçou-lhe o rosto. O corpo fora totalmente picotado. Gotas de sangue sujaram o sobretudo – que estava pendurado ao lado da porta. Chilreou triunfante após devorá-la.

O relógio daquele apartamento nunca mais marcou outra hora que não fosse 3:33...

Guilherme Zelig
Enviado por Guilherme Zelig em 01/05/2023
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