Um olho só (microconto).
Um passarinho muito negro se aproximou da fogueira, curioso. - Sabe? Esse aí traz notícia ruim. O rapaz encarou, semblante enigmático, mas ainda contrariado de lá estar. Um campo grande, sem gramas, de vento frio e muito silencioso; colinas vegetosas vigiavam na escuridão. Se ouvia só o som da correnteza, vinha distante, lá na fenda - a ponte para o outro lado, de pedra, enorme, estava em parte destruída, porém sua força era tamanha que quase se atravessava sem medo. Os dois estavam ali, sentados e esperando. - Só não se sabe se notícia já corrida... ou se estando pra vir... Tomou o olhar ao céu, um cristal quebrado aquela noite. Tudo muito sereno à vista. O ar veio quente. Era fogo? Bafo de predador. O velho alisava a barba, pensando nalguma alegria, já despedido da ave. Cada momento passado ali aumentava sua agonia, era tomado por uma ansiedade terrível, entretanto dar sinal dela a ele seria um erro. - Olhe, amanhã a gente caminha, é que agora não dá mesmo. Será que ele percebeu? - Ou então reza pra nos acharem antes... Sorriu. Falava de sorrelfa? Tinha uns dentes amarelados e grandes, sentiu algum nojo ao vê-los de relance; não sabe se aí conseguiu disfarçar bem. O velho voltou a imaginar delícias. Apesar de sua vontade ser a de desvairar pelos montes, esgueirando a relva de lá, ou passar o chão cinza e musguento da ponte, algo o prendia naquela terra seca. Num ato de fraqueza, pôs o rosto nos joelhos, puxando os fios negros com força. Se chamava Bernardo. O seu Nardo de muito tempo atrás, que virara Olho-Só, devido a uma facada recebida numa briga. Matara três. Todos da mesma família. Fugiu. Por mais que caçadores, polícia e população buscassem, virou lenda, fantasma. O garoto chegou aos 17 há pouco tempo, ganhara uma viagem pelas paisagens monolíticas do interior. Passando a tarde, o guia parou o grupo num lugar isolado e resolveu por bem que esperassem o transporte. Cerca de sete pessoas. Foi quando Bernardo surgiu da mata, todo negro de lama, caveira, e com um facão enferrujado na mão. Dizia só: que o dessem de comer e nada mais ocorreria. Houve um susto, e se desatinaram. Tomou o rapaz como refém, e enconstado a lâmina em seu pescoço, voltou devagar de onde veio, vigiando as pedras que seguravam e cada movimento deles. Se passara um bom tempo desde então. Tomado por uma dor de cabeça perfurante, finalmente foi clamar pelo seu malfeitor, mas deu de cara com seu rosto, fulminante. Aquele olho só...