MINICONTO - O VELHO XAMÃ

Este conto é uma homenagem a Edgar Allan Poe e Jim Morrison

Sentei-me na poltrona escura, com os olhos fixos na chama trêmula da vela. O ar frio da noite soprava pela janela aberta, trazendo consigo um odor pútrido que infestava o ar. Estava sozinho, exceto pela presença silenciosa de minha fiel ave de estimação, o corvo.

Enquanto contemplava o tremeluzir da chama da vela, meus pensamentos foram invadidos pelas lembranças macabras e imagens sombrias e perturbadoras que, há muito, tinha tentado esquecer. Mas que, como um demônio, retornavam a mim, trazendo uma sensação de desespero e solidão:

Eu cavalgava cruzando o deserto nas terras dos cherokees, quando avistei um velho xamã agonizando a beira da estrada.

- Entende minha língua? - perguntei ao me aproximar. Ele acenou afirmativamente com a cabeça. - O que aconteceu contigo?

Ele respondeu, com muita dificuldade:

- O Grande Espírito chama o velho índio para deixar este mundo. Mas o velho índio disse ao Grande Espírito: deixa-me retornar como um corvo, para ensinar ao viajante que encontrar o velho índio a sabedoria da Terra.

- Quer que o leve ao médico da cidade? - insisti.

- Não! - retrucou o xamã. - A hora de mudar é agora. Em cinco dias o corvo negro te visitará e o viajante vai saber que é o velho índio pronto a ensiná-lo.

Não sou muito dado ao misticismo, porém a coincidência fora demasiada extrema. Pois, em exatos cinco dias, aquela ave de mau agouro aparecera em minha janela, bicando-a e, desde então, não saíra mais de minha casa.

Meus olhos voltaram a perceber a vela acesa quando, de repente, o corvo se mexeu emitindo um som inquietante. Eu o encarei e ele continuou a fitar-me com seus olhos penetrantes. Uma sensação de medo percorreu minha espinha. Sabia que aquela ave não era um simples animal de estimação, no entanto algo muito mais sinistro.

Fiquei parado em silêncio, o observando, enquanto a noite se arrastava vagarosamente. A escuridão envolvia-me como um manto, e eu podia sentir o peso de minha própria mortalidade. Sabia que não estava sozinho, mas cercado pelas sombras e pelos ecos da alma perdida do velho xamã que assombrava aquele lugar.

O corvo continuou a me encarar. Sua expressão era intensa e misteriosa.

- O que diabos quer de mim, ave maldita? - perguntei num ímpeto de confusão e pavor.

O corvo grasnou com fúria que nunca tinha visto. Voou em minha direção e, em meu dialeto, proferiu:

- Não vê que precisa morrer para renascer? Deixar para trás as ilusões e crenças para abraçar a sabedoria ancestral da Terra?

Confuso e assustado, o vi bater suas asas negras e desaparecer na escuridão da noite, como se soubesse que eu finalmente havia compreendido o ensino deixado.

- Corvo profano! - grito toda noite olhando para os céus. - Não percebe que ainda não estou ciente de meu verdadeiro propósito? Não vê que sem objetivo estou destinado a passar a eternidade neste lugar, preso na escuridão, em um limbo sombrio, solitário e caótico?

Porém, da escuridão noturna, apenas ouço, muito distante, o corvejar de alguma ave de mau agouro que parece dizer:

- Nunca mais!