ERA UMA VEZ UM CONTO.
-"Estragou uma tevê da hora, novinha!" Lamentou o detetive Eduard, enfiando o dedo no buraco da tela, aonde a bala tinha passado. -"Por favor. Coloque as luvas." Pediu o perito, observando o cadáver de J.B. Tomassom, estirado no tapete do apartamento 408. Os flashes. O cadáver circundado com giz. As fitas zebradas bloqueando o local. Os vizinhos curiosos. As viaturas na portaria do Miami Residencial. O filho único chegou. -"Sou Tomás, filho do Joaquim." O sujeito bonachão quase verteu uma lágrima ao ver seu progenitor no chão, mortinho da Silva. A cabeça estourada, o sangue seco, uma cena dantesca. -"Joaquim?! Eu o conhecia como J.B. Tomassom, o famoso cronista do jornal Diário." Disse o policial Fernando, fã das colunas do morto. -"J.B são iniciais de Joaquim Bastos. O Tomassom era em minha homenagem. Todo mundo achava que ele era sueco ou dinamarquês pelo sobrenome. Abreviar nomes virou moda entre os escritores, depois de J.K. Howling, de Harry Potter. Nosso sobrenome é Ferreira." Explicou Tomás. A ex mulher chegou, com um poodle no colo e uma echarpe, apesar do forte calor. A policial Josy Daniels cobriu o cadáver, a um sinal do perito. -"Meu J.B. o que você fez? O véu negro da morte, único mal irremediável o alcançou. Que tragédia. Quem foi?!" Ela tonteou e foi amparada pelo detetive Eduard, uma mistura de Silvester Stallone com Mister Bean. -"Não liguem para a dramaticidade e palavras difíceis de mamãe, também escritora e fã de Ariano Suassuna. Dona Zélia, papai se matou." A mulher saiu dos braços do detetive. -"Que m...J.B. Esse apê é alugado e não tinha nenhum livro de sucesso ainda. O que vou herdar?! Meu marido morava só, há dez anos. Ele passou trinta anos numa repartição pública e aguardava a tão sonhada aposentadoria." Os peritos terminaram o trabalho. -"Serão chamados para interrogatórios. Não há sinais de arrombamento. O homem se matou." Disse o delegado Machado a mulher e ao filho do morto. -"Essas folhas estavam espalhadas pelo apartamento. Os peritos as recolheram para análise. Estão numeradas, manchadas com pingos de sangue e miolos do escritor." Concluiu o delegado. Zélia desatou a chorar. O policial Fernando ofereceu seu lenço a mulher. -"Ele passava por uma ressaca."Disse a mulher em prantos. Os policiais se olharam. -"Ressaca? Como assim? Era alcoólatra?" Tomás meneou a cabeça negativamente e torceu os lábios. -"Ressaca literária, delegado. Acontece quando alguém passa um período sem conseguir ler nada. Não tem ânimo, nada o apetece. Geralmente ocorre quando a pessoa leu uma grande obra e nada mais o agrada, não tem vontade de ler outra coisa. Papai era um leitor inveterado e devorava livros, lia até bula de remédio vencido. Curtia autores russos, como Dostoievski. Amava Agatha Christi, Shakespeare, Fernando Pessoa e Vitor Hugo. Dos brasileiros, lia muito Machado, Euclides, José de Alencar e Jorge Amado. Ah, ia me esquecendo, papai gostava de cordel por sua origem pernambucana." O delegado e o detetive já estavam tontos com tanta informação e nomes, pra eles desconhecidos. O policial Fernando estava adorando tudo aquilo, visto que era um amante de livros e frequentador assíduo de sebos e bibliotecas. O detetive Eduard pegou o calhamaço de folhas, protegido com filme plástico. -"Posso analisar essas folhas?" O policial Fernando se ofereceu para auxiliar o detetive na análise das provas. -"Talvez tenha alguma pista nessas folhas impressas. Um novo livro ou um conto talvez?" O carro funerário chegou. O condomínio foi tomado por curiosos. A imprensa. O velório aconteceu no salão nobre da câmara municipal pois o velho escritor tinha sido suplente de vereador por dois anos, no longínquo ano de 1972 e candidato derrotado a vereança por três vezes. Os amigos do Círculo Literário, do qual o falecido era um dos fundadores, liam belas poesias e aldravias, em alto e bom tom aos presentes. A passagem do escritor para o além mereceu meia página nos jornais impressos e matérias nas redes sociais. -"Joga isso no lixo! O homem estava só e se matou. Não tinha inimigos, nenhuma dívida, nada. Caso encerrado. Há vestígios de pólvora na mão, segundo a perícia. Arma de colecionador." Disse o delegado, ao ver o policial Fernando com as folhas que estavam espalhadas no chão do apartamento de J.B. Tomassom. -"Está certo, delegado. O detetive começou a ler isso mas desistiu. Segundo ele, não há nada aqui, nessas páginas, que indiquem a motivação do suicídio. Ainda assim, vou ler de novo." O delegado riu. -"Vocês são malucos, leitores e escritores. Vai em frente, Fernando." O delegado foi em direção a porta. -"Todo escritor se acha um gênio e sua obra espetacular, delegado." Tendo oito horas de plantão noturno pela frente, o policial tomou um café. A vasilha de donuts na mesa, ao lado do computador. -"Entre 2017 e 2022, ele postou duzentos contos e poesias no Recanto das Letras mas de setembro pra cá, nada. Nenhum conto de terror ou de histórias de fazendas e lendas, que faziam parte de seu estilo. Isso é intrigante." Fernando fechou a página e desligou o PC. Começou a reler o conto que J.B. Tomassom estava nas mãos ao atirar contra si mesmo. -"Conto mais estranho e maluco. Fala de alienígenas de uma galáxia distante que vêm a terra e domina a humanidade. Esses aliens transformam os humanos em zumbis e assumem o controle global, tentando livrar a terra da poluição e do efeito estufa mas pra isso, os aliens criam fábricas ainda mais poluentes. Se tornam opressores dos homens, matam toda a fauna e flora do planeta. Sem sucesso, os aliens vão embora após um século de domínio, deixando os humanos numa situação pior que antes... ele assinou e tem uma observação que não tinha gostado desse conto." Fernando ligou para Tomás e esse lhe deu autorização pra postar o último conto de seu pai Ele postou o conto APOCALIPSE ZUMBI nas redes sociais. Pra sua surpresa, o conto viralizou e o escritor saudoso virou febre, suas obras eram procuradas. Pra muitos internautas era uma surpresa e tanto saberem que o famoso escritor tinha tirado a própria vida. -"Era isso. J.B. Tomassom só buscava a fama, mesmo que pra isso tivesse que ir para o além. Saiu do ostracismo pra entrar na história." Disse Fernando ao delegado. FIM