OLHOS VERMELHOS NA ESCURIDÃO
Ele deveria estar morando naquele casarão alugado há uns nove meses ou mais. Tinha decidido mudar da antiga cidade por causa de alguns problemas pessoais, coisa normal, que acontece com todo mundo. A mudança pareceu mais que apropriada. Respirar novos ares era refrescante. Considerava-se sortudo por ter encontrado aquelas dependências a um preço que cabia em seu bolso. Mais sortudo se sentia por estar morando numa vizinhança tranquila, ao contrário da anterior. Era uma vizinhança muito agradável, as pessoas respeitosas, os animais que eram de fato domesticados, as crianças alegres e cheias de vida.
Mas numa determinada noite, exausto, Jonathan suspirou de alívio quando percebeu que havia acabado de organizar a última papelada do trabalho. Eram onze horas e alguns minutos perto da meia-noite. Sem rodeios saiu do escritório improvisado e foi para a cozinha. Lá, preparou um sanduíche natural, devorou o pão macio em questão de poucos minutos. Lavou, secou e guardou a louça novamente dentro do armário, ou senão, seu TOC (transtorno de obsessão compulsiva) lhe causaria insônia.
Poderia ter sido por causa dos olhos fatigados, porque podia jurar que antes de apertar o interruptor de luz para apagá-la, uma figura esguia, quase como um vulto, apareceu ligeira no canto de seus olhos. Estranhando, ligou de novo a luz e encarou onde o vulto estaria segundos atrás. Nada, assim como nas vezes anteriores iguais a esse episódio. Impaciente e cansadíssimo, deu de ombros. Rumou para o quarto no andar de cima, a porta do quarto fechou num baque silencioso atrás de si. Desanimado, realizou a higiene noturna. Deslizou em seguida para a cama e apagou o abajur.
Foi em um daqueles momentos que estamos quase mergulhados num sono absoluto, mas alguma parte de nossa consciência permanece acordada. Assim, Jonathan remexeu-se quando um "psiu" ecoou na escuridão do cômodo. Sentido-se letárgico, não deu importância àquele som. Minutos depois, outro "psiu". Será que estava sonhando? Talvez. Resmungando, virou para o outro lado, desejando poder dormir de imediato. Alguém assobiou querendo chamar atenção atrás de suas costas, e desta vez, ele não pôde ignorar. Era cético. Contudo, naquela noite em especial sentiu que havia algo estranho acontecendo. É claro que, houveram outros episódios inexplicáveis no casarão. Panelas fazendo barulho no meio da noite, portas batendo quando não havia nenhuma corrente de ar por lá, sibilos parecendo vozes vindos de outros quartos, ambientes em que a temperatura resfriava de uma hora para outra… Para Jonathan, o fato de se tratar de uma residência antiga explicava muito dos fenômenos.
Mas assobios, nunca tinha ouvido até então, não com tamanha nitidez. Algumas coisas que aconteciam ali careciam de explicações, por mais que tentasse compreender. Alguns momentos faziam sua espinha gelar quando se lembrava que morava sozinho. E ali na cama, foi um desses momentos. Reunindo coragem, virou-se rumo onde o assobio partiu, tateou o escrivaninha e acendeu o abajur. Com olhar desconfiado e sonolento, analisou o quarto à sua volta. Sem perceber nada fora do normal, desligou a luz e voltou a dormir.
Três horas da manhã. Era o horário que o relógio apontava. Três batidas fortes na porta de seu quarto despertaram Jonathan. Na escuridão, fitou a porta, sem saber o que fazer. O coração acelerado. A temperatura do quarto estranhamente gelada. Qual seria a explicação que arranjaria para explicar a si mesmo quando os cobertores em cima de si começaram a ser puxados vagarosamente para fora da cama? Jonathan permaneceu imóvel. Nada daquele tipo havia acontecido antes. Outra batida na porta, desta vez, soou como estrondo, quase como se alguém enfurecido estivesse do outro lado. E ele não tinha coragem para se envergar em direção ao abajur e acender a luz. Alguém continuava a puxar os cobertores, de maneira tão lenta que pareciam estar a brincar com a sua cara.
Seria aquele apenas um pesadelo, ou até mesmo um episódio de paralisia do sono? Quisera. Jonathan entrou em estado de choque quando dois pares de olhos vermelhos na escuridão apareceram flutuando no ar. Uma voz gutural chamou seu nome no escuro. Ele gelou.
De repente os olhos começaram a dançar pelo quarto, derrubando os móveis, circulando a cama. A voz monstruosa chamou pelo seu nome novamente de maneira debochada. Jonathan pensou em correr, mas só pensou mesmo, seu corpo era como uma pedra pesada. Um par de mãos furiosas voaram para seu pescoço, e os olhos dele se arregalaram. Inspirou o máximo de ar que pôde antes daquelas mãos frias apertarem sufocantes em seu pescoço. Logo, os olhos vermelhos estavam em cima dele, e uma risada perturbadora deixou os lábios do demônio.
— Você… Você se lembra Jonathan, daquelas criancinhas? — a voz asquerosa perguntou incisiva.
O homem se debateu contra a criatura demoníaca, querendo se livrar à todo custo. É claro que se lembra das crianças. As imagens delas sempre reaparecem em sua mente doentia quando ele invoca as memórias. Ele até costuma rir, histérico, ao rever as cenas depreciativas. Quis gargalhar naquele instante ao se lembrar dos olhos lacrimosos do último garotinho.
Repentinamente, a língua de Jonathan estufou para fora, em reação a esganação. Pois em seguida, longas garras atravessariam seu pescoço de um lado a outro, rasgando a carne, artérias, detonando as cordas vocais. No segundo seguinte, o corpo débil dele foi levantado no ar, sendo segurado pelas garras e mãos presas em seu pescoço. O demônio gargalhou pigarreando igual a um porco.
— Não se preocupe Jonathan, amigo, você receberá o mesmo tratamento que deu à elas. Considere-se um hóspede especial…
Dito isto, a criatura infernal correu para debaixo da cama com o corpo de Jonathan debatendo-se. Foram engolidos por um buraco denso, exalando enxofre.
A procura por Jonathan levou as autoridades locais a realizarem buscas no antigo casarão. Encontraram todos os cômodos arrumados, exceto o quarto principal. As buscas não deram indício nenhum de onde o homem poderia estar. Mas revelaram o perfil perturbador de Jonathan. Encontraram laptops repletos de arquivos de conteúdos angustiantes envolvendo menores de idade. E além disto, cães farejadores indicaram o lugar exato onde os restos mortais de oito meninas e meninos que tinham sido enterrados depois de desmembrados, lá no terreno baldio atrás do casarão. Muito provavelmente, seriam as mesmas crianças dos vídeos horrendos encontrados nos dispositivos eletrônicos. No futuro, sairia os exames confirmando a identidade das pobres crianças. Outras vítimas começariam a ser descobertas. Tratava-se de um sujeito extremamente perturbado e perigoso.
Jonathan se tornaria procurado da Justiça, mas ninguém mais o veria, nunca mais o encontrariam. Porque ele estaria nas profundezas do tártaro sendo violado e torturado de todas as formas tenebrosas e inimagináveis por criaturas vis, por toda a eternidade.