A BAILARINA E O VAMPIRO.

Rússia, 1937. A famosa bailarina, Allana Katrina, olhou o retrovisor. -"Adeus, Moscou." A capital russa parecia um cartão postal com seus prédios e monumentos sob o véu da nevasca. Ela enxugou a lágrima. O funeral de seu tio Olav, seu último elo com a família Borozinski, encerrou de vez sua relação com a cidade. -"Você é adotada, querida. Doddy e Valeriana a criaram depois que seus verdadeiros pais foram levados pelas tropas de Stalin, no período do grande terror. Certamente morreram nas prisões da Sibéria. O casal Pedro e Caterina eram opositores ferrenhos do governo. Seus pais, fundadores e líderes do Enfrentamento pela Liberdade, espalhavam panfletos, atacavam abertamente o sistema, sem medo nenhum denunciavam as atrocidades dos poderosos. Alheios aos nossos conselhos, foram presos várias vezes. Grávida e fraca, Caterina entregou a sua jóia mais valiosa, que é você, ao meu irmão Doddy." Disse Olav a Allana, três dias antes de partir. Ela conhecia a história do grupo Enfrentamento pela Liberdade, tinha visto fotos e artigos dos revoltosos mas jamais imaginaria que os líderes seriam seis verdadeiros pais. Tinha visto Pedro e Caterina uma única vez, aos sete anos. Uma lembrança em Minsk, num domingo de primavera. A visita daquele casal foi algo comum. Ficaram dois dias, sendo recebidos com carinho por Doddy e Valeriana. Agora ela entendia porquê recebera presentes daquele casal e porquê a mulher a tratava com tanto afeto. Ela tirou a foto preto e branco do porta luvas do carro. Ela ainda criança com seus pais adotivos e os verdadeiros. Doddy e Valeriana morreram quando ela completou quinze anos, sendo depois criada por tio Olav. -"Como queria reencontrar meus pais." Dias depois, ela chegou em Belfast. Apesar da noite, foi reconhecida, na entrada do hotel, por alguns jovens. -"Allana?! Um autógrafo, por favor?" Ela atendeu a todos com carinho. -"Vou entrar, preciso repousar." Disse aos admiradores, com gentileza e um sorriso encantador. Os pais adotivos, pobres lavradores, não lhe deixaram herança mas Olav sim. O gordo sardento e sorridente era iluminador e coreógrafo. Ele viu na menina Allana os dons e talentos para a dança. Ele passava horas ensinando a ela os passos de danças e posturas. Allana se divertia e aprendia rápido. Pra ele era uma forma de diversão mas ela passou a levar a sério, querendo ser bailarina. -"Assim que fizer onze, matriculo você na escola de balé." Olav disse a ela, feliz. -"Obrigado, tio Olav. Você é o melhor tio do mundo." Ele ganhou um abraço, como ela sempre fazia após as aulas no sótão. -"Lógico que sou o melhor, só tem eu. No palco e na vida, terá que ser a melhor, é só você. Não se importe com os obstáculos e intempéries, com a platéia vaiando ou aplaudindo, você é a melhor." Tinha quinze quando o Bolshoi a levou, levando o tio ao êxtase. -"Será a melhor da Rússia, filha. É questão de tempo. Lembre-se, a humildade é a principal virtude dos sábios. Não queira um lugar que não é seu. Seja a bailarina mais assídua, trabalhando e evoluindo." Três anos difíceis, atuando em papéis menores. Ela foi rebaixada ao teatro itinerante, uma companhia que se apresentava nas cidades distantes da capital. Allana chegou chorando. -"Estão testando você. Não vê? Sabem de seu potencial. Nas tempestades, Deus forma seus melhores soldados. Se você desistir, será substituída pois há centenas de bailarinas querendo seu lugar." Allana se confortou nas palavras do tio. A companhia itinerante passou a fazer sucesso. Allana repassava as palavras do tio às demais integrantes da companhia. -"Vamos dar nosso melhor. Vieram pra ver o Bolshoi, vão ver o Bolshoi." Os contratantes queriam a companhia itinerante ao invés do Bolshoi original. Queriam ver Allana Catrina, a estrela do Bolshoi. -"Temos que acabar com isso. Nossos contratos estão caindo, só querem a tal Allana. Porquê ela não está no teatro conosco?" Disse o coordenador geral do Bolshoi, batendo na mesa, numa reunião extraordinária. O silêncio total. -"Está no Casaquistão, com a companhia." Respondeu Olenka, a secretária geral. -"Dissolvam a itinerante, somos um só a partir de hoje. Essas meninas são brilhantes e devem atuar aqui. " Allana não entendeu quando o telegrama chegou ao chefe, Mickail. -"Vamos retornar a capital, urgente." Allana protestou. -"Temos três cidades no roteiro." As doze bailarinas e a equipe de apoio tomaram o trem, cortando o território russo. Allana estava apreensiva, olhar vaga nas estepes da paisagem, na janela do trem. -"Vão nos despedir. Estou sentindo isso." O maquiador Andreas a tirou do pessimismo. -"Nunca. Com essas malas cheias de dinheiro, os jornais elogiando o teatro e as bailarinas? As cidades querendo nossa presença? Estão com inveja do nosso sucesso, linda." Ela sorriu. Um rapaz passava pelo corredor e também sorriu. -"Que?..." Andreas se virou. Ele tapou a boca e se virou para a bailarina. -"Me abana, quem é esse príncipe?!?" Allana ficou ruborizada. -"Boa tarde. Sou o conde Felipe, de Budapeste. Eu a reconheci, a bailarina Allana, presumo." Ele tirou a cartola e se curvou. Allana não tinha palavras. Andreas estava levitando, sentindo o perfume do conde tão próximo. -"Conde Felipe, o almoço no vagão restaurante será servido daqui a dez minutos." O chefe do trem interrompeu aquele momento mágico. Allana estava seduzida por aqueles olhos verdes. -"Grato, chefe. Eu estou adorando a viagem e a sua gentileza. Nesse momento, a viagem ficou adorável, eu diria. Conheci a bailarina Allana, uma criatura perfeita e encantadora." Allana sorriu. -"Com licença, senhorita. Vou almoçar com o ministro Alfonsus. Gostaria de reencontrar a senhorita, se possível." Ela percebeu a pele impecável, assim que ele estendeu a mão para cumprimentar. O terno era bem cortado e fino. A cartola era das melhores butiques de Paris. As botas reluziam e parecia que alguém tinha passado semanas lustrando o couro. O conde sorriu, mostrando dentes brancos e perfeitos. Ele sacou um cartão do bolso. -"Foi um prazer, senhorita Allana. Meu cartão. Conde Felipe, seu criado." Ela pegou o cartão vermelho e branco, tremendo. -"O prazer foi meu, conde Felipe." O chefe e o conde saíram do vagão de segunda classe. -"Um conde, aqui com a ralé?" Andreas a tirou do torpor. -"Ah, sim. Ricos gostam de passear, esticar as pernas. Está na primeira classe, certamente. Viu o relógio de ouro?!" Andreas riu. -"Eu vi um clima de amor no ar. Sentiu o perfume, querida? Ele deve ter sua idade e já é nobre. O vagão restaurante abrirá daqui a dez minutos, disse o chefe babão. Sabia que os ricos comem primeiro que o resto do trem?! Allana, está me ouvindo?!" A moça estava de novo olhando as estepes, debruçada na janela do trem. Felipe foi a sua cabine, após o almoço. A lembrança de Allana. -"A vi no teatro mas de perto, é bela e maravilhosa. Eu captei suas emoções e sentimentos. Está feliz pelo sucesso mas tem uma tristeza no fundo do coração. Seus pais...não esses. Os verdadeiros pais. Essa é sua tristeza. Não...ela tentou se matar uma vez. Olav, quem é?! Um amor talvez?! Ela o ama. Felipe, você perdeu." Ele se despiu e se jogou na cama. O trem chegou na capital russa. Allana desceu com a companhia e procurava por Felipe. Sem ver o conde, segui para a sede do Bolshoi. Pra sua surpresa, a companhia itinerante ficaria na capital. -"Parabéns, Allana. Será a primeira bailarina do Bolshoi." Ela emudeceu. Os aplausos. Enfim, cumprimentou Olenka. -"Sério? Estou feliz." Por dez anos, ela brilhou e ganhou notoriedade. Saiu do subúrbio e deu uma casa confortável para o tio. Olav estava doente. -"Não consegui andar pelo bairro, não vi meus amigos." Ela sorriu. -"Não tem usado a cadeira de rodas, tio. Eu o levarei ao bar." Ele a abraçou. -"A principal bailarina da Rússia, empurrando um velho numa cadeira a caminho do bar? Allana, saía do Bolshoi e vá para Praga ou Buda. Ficará milionária atuando sozinha, com contrato exclusivo e patrocínio. Procure Oleg em Budapeste, ele é dono do teatro Divisor, onde você terá seu próprio cartaz e lucro nas bilheterias. Ele tentou te levar, há sete anos mas eu disse que isso aconteceria após eu partir. Oleg é primo de seu pai." De Belfast, Allana foi para Budapeste. O hotel, na chegada da noite. De manhã, ela ligou para Oleg. Queria se estabelecer na cidade e trabalhar. -"Allana? Que surpresa boa. Estou com um empresário da cidade, numa reunião. Estávamos falando de fazer um espetáculo grandioso, de Budapeste a Praga, indo até Londres. Uma mega produção." Ela exultou. -"Estou desempregada, Oleg. Devo fazer um curriculum vitae?" Ele deu uma gargalhada. -"Jamais. Está contratada." Ele pediu um martini no quarto. O telefone tocou. Oleg tinha chegado. Ela desceu até o hall. Oleg estava com um rapaz. -"Oleg. Que bom rever os amigos." Oleg a cumprimentou. -"Esse é o rapaz, o empresário da mega produção. O rapaz se virou. Allana se arrepiou ao ver Felipe. -"O conde Felipe é nosso mecenas, o maior investidor em artes da Europa." Ele beijou a mão dela. -"Prazer em rever tão bela jóia da Rússia. Conde Felipe, seu criado." Ela ruborizou. -"Oena que Olav não está aqui para vê-la brilhar." Felipe ficou pálido. Aquele nome de novo. -"Olav partiu em paz. Ele me criou e me deu a arte, me deu tudo." Oleg se desculpou. -"Perdão, conde. Olav era o tio de Allana. Ele era coreógrafo, o melhor. Faleceu há pouco. Um grande artista. Allana está só, já que os pais se foram também." Felipe a encarou. Estava ainda bela e radiante, como no trem. -"Fui um rolo. O amor dela era pelo tio. As vezes me esqueço que o amor é tão grande e não se prende a uma só pessoa, não deveria pois não seria amor. Há o amor maternal, de amigo, aos animais, a natureza, as coisas que nos são caras. Felipe, Felipe, nem parece que é um vampiro com quatrocentos anos." Oleg pediu uma mesa ao barman. Espalhou folhas de orçamentos e cartazes sobre a mesa. Falava sem parar sobre a produção de teatro. -"Allana será a estrela da companhia. A primeira bailarina, com contrato exclusivo e salário alto, digno de invejar as estrelas de Hollywood." Felipe e Allana trocavam olhares furtivos. -"Muito dinheiro, Oleg. Vamos contratar as bailarinas e os profissionais. Os melhores da cidade. Deixe Allana na liderança, ela entende pois trabalhou no melhor, o Bolshoi. Terá carta branca e um cheque em branco também. As despesas dela, eu pagarei. Quero que se preocupe apenas com o espetáculo." Ela pousou a mão direita sobre a dele. -"Agradeço sua confiança, conde. Não o decepcionarei." No jantar, horas depois, ela descobriu que o conde estava hospedado no mesmo hotel. -"Podemos partilhar da mesma mesa, senhorita?" Allana consentiu. Felipe deu um cartão a ela. -"Agora é a líder da companhia, senhorita Allana. Tenho certeza que faremos sucesso." Eles foram até o saguão. -"Tem um castelo aqui, conde?" Ele se espantou. -"Sim. Um castelo que nada deve aos belos palácios franceses mas que está em reforma no momento. Uma herança mas prefiro os hotéis, onde conheço gente nova e tenho regalias. Quando estiver pronto terei prazer em tê-la como hóspede." Ela arrepiou de cima abaixo. -"Certamente." Felipe a acompanhou até os aposentos. -"Boa noite, conde. Durma com Deus." Ele se curvou. -"Bons sonhos, senhorita. Descansarei feliz por ter a melhor em nossa companhia." Allana demorou a pegar no sono. Felipe povoava seus pensamentos. Estava lindo e o tempo não passava pra ele. -"Que homem interessante e intrigante. Ele me atrai e ao mesmo tempo me dá arrepios. Allana, você está amando, assim diria o Andreas." Dias depois, Allana ligou para Olenka. A antiga secretária tinha sido dispensada do teatro russo por sua idade. -"Sessenta e três e muita experiência. Venha pra cá, Olenka." A mulher ficou feliz e levou seis profissionais a tiracolo, entre eles Andreas. Sem saber da presença do maquiador, Allana surtou aí rever Andreas. -"Meu amigo. Que bom que veio." Eles se abraçaram. Olenka estava emocionada. -"Descobriram que Andreas era, você sabe. Demitiram -no por isso, por preconceito." Allana ligou para Oleg. -"Que ótimo que vieram, querida. O conde? Ele precisou viajar." Oleg acompanhou a montagem da companhia, com Olenka auxiliando Allana. -"Essa mulher é incrível, sabe tudo e é decidida. Olenka é a prova que o Bolshoi é o melhor por ter os melhores profissionais." Disse Oleg a Andreas. -"Vou falar pra ela, um elogio assim acho que ela nunca ouviu." Oleg corou. -"Não faça isso pois sou tímido. Você é o melhor maquiador do mundo, Andreas. Pronto, falei." Duas semanas se passaram. Allana sentiu falta de Felipe. -"Ele não disse onde ia, filha. Não sei, seus funcionários nada disseram sobre a viagem de Felipe." Disse Oleg a bailarina. Os primeiros ensaios. A companhia montada. Oleg via Olenka distribuir funções, definir salários e comissões. Olenka era prestativa e pró ativa. -"Preciso de alguém assim na minha empresa." Disse em voz alta. Olenka virou-se. -"Se pagar bem, eu vou." Oleg ficou vermelho igual tomate. -"Pago bem. A empresa está em apuros, não é a mesma. Ficaria feliz se desse uma olhadinha." Os cartazes na cidade anunciavam a estréia do balé. O rosto de Allana acima do letreiro. A primeira bailarina do Bolshoi era o chamariz e dispensava apresentação. A dois dias da estréia, Oleg chegou estafado ao teatro. -"Felipe ligou. Está vindo a tempo da estréia." Allana sentiu o coração disparar. O rosto dela iluminou. -"Isso é maravilhoso. Nosso mecenas não poderia perder o primeiro espetáculo. Quero conhecer esse homem, meu Deus. Estou trabalhando, ganhando uma fortuna aqui em Budapeste. Quero dar um abraço apertado nesse cavalheiro." Allana riu. Tinha omitido do maquiador a identidade do patrocinador da companhia. -"Não é só você. Também quero conhecer nosso anjo bom." Disse Olenka. Um último ensaio. Uma platéia pequena. Felipe entrou no teatro. Oleg se levantou. -"Senhoras e senhores da companhia, aplausos ao nosso patrocinador, o conde Felipe." O conde desceu, trazendo uma mulher ao lado. Allana viu os dois de mais dadas. -"É a condessa." Ela pensou. Felipe e a mulher pararam em frente ao palco. -"Obrigado, amigos. Os aplausos são pra vocês. Senhorita Allana, andei por toda a Rússia, por toda a Sibéria mas finalmente encontrei essa mulher. Ela é a cura pra ferida que vejo no seu coração. Estava limpando as latrinas de uma prisão, na Sibéria. Seu nome é Caterina." Allana estava em lágrimas. -"Mãe?!" Ela correu e desceu do palco. Felipe e Oleg se olharam, satisfeitos. O conde tinha lutado muito pra encontrar e tirar a mãe de Allana da prisão. Soldados, ainda leais ao antigo regime, guardavam as prisões com fervor. Tratavam os prisioneiros com crueldade e rigidez. Esses soldados estavam ligados a hordas de lobisomens que protegiam as prisões em troca de vidas humanas. Entre eles, o pai da bailarina, um revoltoso que o governo queria ver morto. Caterina foi mantida viva graças a sua juventude e talentos pra culinária e costura. -"Allana." Gritou Caterina, abraçando a filha. A bailarina abraçou o conde. -"Muito obrigado, conde. É o dia mais feliz da minha vida." Por baixo da roupa, ele tinha ferimentos horríveis mas ainda assim sorriu. -"Era o mínimo pra vê-la feliz. Temos contatos na Europa e não foi difícil encontrar sua mãe." Mentiu por amor. Andreas estava boquiaberto. -"Que homem! É um cavalheiro, um lorde." Allana não desgrudava da mãe, fazendo-lhe várias perguntas. -"Olav foi maravilhoso, filha. Você é uma bailarina. Eu sonhava com isso." Caterina estava muito feliz. Mãe e filha passaram o dia juntas. A noite da estréia, finalmente. As autoridades da cidade presentes no teatro. Os artistas nos camarins. O público se acomodando. Oleg e Olenka ao lado de Caterina, ansiosa e orgulhosa por ver a filha dançar. O conde no camarote principal, com o binóculo a postos pra ver Allana de pertinho. O terno moderno e os sapatos italianos lhe caiam bem, dando a ele um ar jovial. A ópera fez a abertura dos trabalhos. A luz do teatro se apagou. Era a hora do balé. Allana e seus companheiros fizeram a platéia delirar. Allana foi aplaudida de pé. Rosas voavam para o palco. Caterina chorava. -"Um espetáculo lindo. Bravo." Gritava o prefeito, entusiasmado. Allana procurou Felipe nos camarotes. Ele sorriu e acenou. Oleg tinha preparado um pequeno coquetel para a companhia, nas coxias. -"Champanhe pra todos. Vocês merecem." Caterina se juntou a filha, aplaudida mais uma vez, agora pelos colegas. O conde Felipe chegou até o local. Allana foi ao seu encontro. Ela se curvou, em atitude de agradecimento. -"Uma noite memorável, amigos. Devemos tudo isso ao conde Felipe e a Oleg." Felipe interrompeu os aplausos. -"Modéstia sua, senhorita. Devemos a você e aos seus amigos, especialmente Olenka. Até nosso amigo resmungão, Oleg, está diferente. Creio que está encantado por Olenka, que deu nova vida a empresa dele." Allana sussurrou no ouvido de Felipe. -"E eu me encantei pelo conde, desde a primeira vez que o vi." Felipe esboçou um sorriso. Os demais riram, achando que falavam de Oleg e Olenka. Felipe se ofereceu pra levar Allana e Caterina até o hotel. A mãe da bailarina, com dois buquês de rosas amarelas a tiracolo, quis entrar. Felipe e Allana ficaram a sós no saguão. -"Está me devendo uma visita ao castelo." Ela disse, tocando o ombro dele com delicadeza. -"Porquê a pressa se aquele castelo será seu? Desculpa, se a senhorita desejar, logicamente." Ela o puxou pra trás de uma estátua de Afrodite e o abraçou. Felipe colocou a mão por entre seus cachos. Ele a puxou e a beijou. Allana quis sair pois estava sem fôlego mas o conde continuava, parecendo que esperava há séculos por aquele momento. -"Estou sem ar." Felipe a largou. Ela riu ao ver a boca de Felipe suja de batom. Ele também riu. -"Terá que se esconder ao chegar." Ele deu de ombros. -"Não me importo, é assim que vivem os amantes, borrados, sujos mas felizes. Sou o homem mais feliz agora." Eles se beijaram novamente. Felipe se despediu dela, que teimava em segurar sua mão. Na tarde do dia seguinte, Oleg anunciou que o conde daria uma festa de reinauguração do castelo, dali a dois dias. -"Vamos fazer uma apresentação particular, no gramado do castelo. Um sarau, o conde ama saraus e toda a classe artística da cidade estará presente." Allana terminou sua apresentação solo, no palco montado nos jardins do castelo do conde Felipe. Ela olhou para a multidão e para os fotógrafos. O conde ao lado de sua mãe, sorridentes e felizes. Felipe era adorável e gentil, o homem de sua vida. Oleg de mãos dadas com Olenka. Andreas, que ela amava como um irmão, realizado profissionalmente e ao lado de um novo amor. Ela quis eternizar aquele momento. Felipe estremeceu. Sua visão se turvou por um momento e ele foi até o castelo. Oleg o seguiu. -"Não está se sentindo bem, conde?" Felipe rasgou uma cortina grossa de veludo vinho com um simples gesto. Um grande quadro apareceu, ornado por uma moldura dourada. Oleg tapou a boca, incrédulo. Felipe estava ao lado de sua primeira esposa, com uma criança nos braços. A pintura era de 1589. -"É a senhorita Allana!" Felipe acariciou a pintura. -"Theodora, meu caro. De fato, são parecidas. No trem, há tempos, tive a mesma sensação. Captei seu pensamento de eternizar esse momento. Theodora dizia o mesmo quando estava numa situação feliz." Oleg o incentivou. -"Mestre, ela voltou para seu castelo." Felipe o encarou. -"Será, meu fiel amigo?! Devo me revelar, me entregar ao amor da bailarina?! Pelas trevas, até nisso Allana é parecida com Theodora, que amava danças e teatro. Sumia e ficava horas assistindo os ensaios daquele tal Shakespeare até o dia fatal que a mataram com uma estaca, levando um pedaço de mim com ela." Eles voltaram ao gramado. Allana estava atendendo a imprensa e botou a presença do conde. Os olhares deles se encontraram. O conde foi até a mãe da jovem. -"Senhora Caterina, eu amo sua filha. Desejo, de todo coração, torná-la minha noiva. Espero ter a aprovação e estima de sua mãe." Caterina consentiu. -"Sim. Eu aprovo a união de vocês. Percebi que Allana é feliz e sei que o motivo é seu carinho com ela." Allana veio até eles. Caterina deu a notícia a filha. Allana e Felipe se abraçaram. -"Eu gostaria que morassem no castelo, senhora Caterina. Temos muitos quartos e criados. Serão bem cuidados aqui." Pediu o conde a Caterina, que aceitou de prontidão. -"Quer eternizar esse momento?" Felipe cochichou a Allana, após serem aplaudidos com o anúncio do noivado. -"Eternizar? Como, numa foto?" Felipe pegou firmemente a mão dela. Com um gesto, o tempo parou. As pessoas ficaram paradas, como estátuas. As árvores não se mexiam. Tudo estava nebuloso e colorido. -"Felipe? Isso é mágica, feitiçaria??" Ela mexeu no cabelo de Andreas, que odiava isso. -"Andreas não se mexe. Minha mãe, está parada." Felipe riu. -"O tempo parou, querida. Só nós dois estamos nessa realidade. Eles não saberão de nada disso. Esse momento é nosso." A bailarina olhou para o conde, que brilhava como ouro. -"Poderá ser sempre jovem, ser bailarina pra sempre, se quiser. Ter sempre sua mãe contigo, pra sempre." Allana estava comovida. -"Sim. Não quero perder minha mãe, ela é meu chão. Quero dançar sempre e conhecer a América. Quero conhecer as danças da África, o teatro japonês." Felipe a beijou. Allana abriu os olhos e se viu no gramado do castelo, sendo aplaudida. Felipe estava a seu lado. Allana correu e abraçou sua mãe. Andreas estava com o penteado intacto e impecável. Allana estava em choque. Como Felipe tinha feito aquilo? Como tinha lido seus pensamentos? -"Teremos que dar um jantar pra anunciar nosso noivado, querida." Felipe a tirou de seus devaneios. -"Certamente, meu amor. Algo simples, informal." Felipe concordou. Dias depois, Allana e sua mãe já estavam instaladas no castelo. Após o jantar de noivado, quando Allana recebeu um aliança cravejada de diamantes, após os convidados irem embora, o mordomo dispensou os criados, fechando o portão de entrada da propriedade. -"Não há mais ninguém, conde." Disse o mordomo ao nobre. Felipe voltou ao escritório, onde estavam Allana, Caterina, Oleg, Olenka e Andreas. -"Amigos, assim os chamo pois verdadeiramente o são. Allana, meu amor. Caterina, uma mulher incrível e mãe de Allana. Andreas, um dedicado e talentoso maquiador. Amigo fiel de Allana. Olenka, a mulher que transformou Oleg numa pessoa melhor, a locomotiva da companhia e por quem Allana tem apreço incomum. Assinem esse livro e terão a oportunidade de mudar a vida de vocês. Juntem-se a mim e a Oleg. Nossos poderes serão seus. Tudo em comum." Allana assinou. Caterina, Olenka e Andreas depois. -"Uma seita secreta, eu sabia. Uma sociedade, algo assim. Se Allana está dentro, também estou. Vamos nessa." Felipe riu de Andreas. -"Allana quis eternizar esse momento, ter vocês sempre com ela. Eu quero também e há tempos desejava esse felicidade. Não há mais voltas." Olenka agarrou a mão de Oleg, que dissera tudo a ela, sem omissão. Allana abraçou sua mãe. A porta se abriu. Enrico, o namorado de Andreas, entrou acompanhado por dois guardas do castelo. -"O conde me explicou tudo, Andreas. Estou junto e quero ficar pra sempre a seu lado." Andreas estava feliz e surpreso. A porta se fechou. Uma lufada de vento fez o candelabro se apagar. Com medo, Allana correu para os braços de Felipe. Felipe a pegou nos braços e saiu. Oleg, um vampiro como o conde, cravou as mandíbulas no pescoço de Olenka. Os guardas do castelo fizeram o mesmo com Caterina, Andreas e Eurico, que não ofereceram resistência. Felipe levitou com Allana nos braços, até seu quarto no quinto andar do castelo. Da janela aberta, a vista da torre iluminada pela lua cheia. A grande cama no centro, coberta com um véu escuro. Allana se entregou ao conde. -"Eternizamos, meu amor." -"Ainda não, querida. Serás minha pra sempre." Ela quis dormir. Felipe a beijou. Sem hesitar, sentindo o sangue da jovem na jugular, o conde a mordeu. Ele sorveu as duas gotas de sangue que caíram no lençol. Allana estremeceu e arregalou os olhos. Ela olhou para Felipe e adormeceu. -"Pronto, meu amor. És minha para sempre." Ano de 2023, Oleg e Olenka anunciaram a venda da empresa centenária. Queriam investir em Bitcoins. Andreas e Enrico estavam no Brasil, onde fundaram uma ONG na Amazônia. Caterina cuidava do castelo, como fazia impecavelmente há quase oito décadas. Ela se casou com o mordomo Gerard, em 1983. Caterina se dedicava aos netos, Leonard e Violette. O conde Felipe e a condessa Allana, viajaram de férias a Paris. A bailarina encerrou sua turnê pelos Estados Unidos com uma apresentação na Casa Branca. -"O quadro da Monalisa, meu amor. Um simples retrato de óleo sobre madeira, eternizado por Leonardo da Vinci. Um sorriso enigmático." Allana riu. -"Sabes tudo de arte, Felipe. Há tantas coisas enigmáticas no mundo que o saber humano não alcança." FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 03/03/2023
Reeditado em 04/03/2023
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