Sara olhava o portão daquele lugar, que se parecia um armazém. Nunca viu ninguém abrir aquela porta.

Dentro dele, Jeremias tentava dormir, mas a dor lancinante lhe despertava outra e outra vez… Era um pulsar que o fazia tremer em seu ventre e eriçar os pelos… Ele quase teve forças pra berrar uma vez… Por trás do esparadrapo que sufocava sua boca. O torturador sem rosto e sem nome com a voz abafada por uma meia-calça escarlate que o escondia, tentava conter os seus risos e lamentos, diante de cada atrocidade… Cada minuto à mais de tortura. … Se desculpava logo em seguida. ... Foi tirando-lhe unha por unha, com um alicate. Foi lhe queimando o toco dos dedos… O toco que sobrava quando lhe arrancava as pontas com uma faca suja. Fazia-lhe urinar-se em dosagens ocasionais de choque e pancadas no rosto. Depois… o beijava na testa.

 

– Mas eu te perdoo… – Dizia o torturador, aos prantos. E segundos depois explodia em fúria: – MAS… VOCÊ PODE SE PERDOAR?! Você pode seguir a partir DAQUI, tentando COMPENSAR o que você era, pra sempre??!! … E, acredite Jeremias… EU SEI QUEM VOCÊ É.

 

Toda manhã, Sara encarava aquela porta do armazém, dia após dia. A porta que não se abria. E Jeremias do outro lado da porta, lá dentro, queria dormir e sonhar para sempre. Mas a dor o fazia acordar o tempo inteiro. O pesadelo voltava todos os dias. O torturador incansável, voltava…

 

– Se um dia eu sair daqui… eu prometo… Se eu sair daqui, eu prometo… Se eu sair daqui, eu prometo… – Suas ameaças eram recebidas com um suspiro triste e paciente. No fundo Jeremias sabia que não poderia sair…

– Você não pode mudar… Não pode sair.

O torturador se aproximou mais uma vez e Jeremias não mais gritou. Apenas fitou o chão, com um olhar parado, exausto. O olhar de quem desistiu. A meia-calça escarlate finalmente se deu por satisfeita. … Foi removida então a fita que cobria seu rosto.

 

– NÃO!! Eu não me perdoo… !! Eu não posso mudar. Talvez eu não queira mudar… Talvez… Não, não… NÃO…

O Torturador era Sara… Que passava de manhã desmemoriada e cheia de amor. E de tarde a meia-calça escarlate lhe consumia.

– Por favor… Só me mate… não me deixe mais um dia aqui… – Ele pediu.

– Você é um fraco. … Eu… Eu te perdoo.

 

Os olhos moribundos de Jeremias, por alguns segundos se perguntaram: “Eu a conheço?”

E ela, confortavelmente posicionou uma chave de fenda em seus olhos… Debruçou-se sobre ela e foi deixando que seu peso a empurrasse devagar. O corpo se debatia abaixo dela agonizando num estopim de sangue e dor… Sara teve paciência… Sara tinha tempo. Todo tempo do mundo… Após a dor excruciante… Jeremias se calou. Um silêncio se fez.

Na manhã seguinte chovia e Sara, mesmo encharcada, observava aquele armazém. Aquela porta que não se abria…

 

[13/06/2017-28/02/23]

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 28/02/2023
Código do texto: T7729925
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