O livro amaldiçoado
Era em torno das 10 da noite que havia terminado meu último conto de terror, ainda um pouco desanimada pelas poucas oportunidades que surgia. Resolvi finalizar o livro Inferno, de Dante Alighieri, ainda impressionada com os últimos escritos sobre Lúcifer – o rei do inferno. Da mesma forma que a leitura me fez esquecer os meus problemas, o seu término foi como um balde de água fria: o desânimo surgia de novo.
Resolvi dormir, e por volta das 3 da noite, ouvi a campainha tocar, mas estava tão sonolenta que nem levantei da cama e em poucos minutos entrei novamente em sono profundo. Aparentemente, não era nada de mais. Um novo dia veio à tona – acordei um pouco antes das 7h da manhã, em seguida indo ao meu cansativo trabalho, mal esperava por uma inesperada demissão. Foi um dia de azar, como se tudo o que você planejasse desse posteriormente errado. Mal esperava a hora de voltar para casa, enviar meu currículo para novas vagas de emprego, com esperanças de encontrar algo melhor, e finalmente, dormir.
No meio do sono, acordei com o interfone tocando. Eram 03h10min. Resolvi levantar, na medida em que me aproximava me arrepiei inteiramente, e ressalto que não estava fazendo frio. Quando atendi o interfone, tudo o que ouvi eram gemidos. Talvez fosse defeito do aparelho, corri até a janela para espiar, e não havia ninguém ali. E de repente, ouvi três batidas na minha porta, similares as de alguém batendo com a mão suavemente. Aquilo estava muito estranho. O medo me congelou, pois sabia que havia algo de errado. Espiei no olho mágico e não enxerguei ninguém.
Voltei a dormir ainda com medo. Nesse momento, entrei em sono profundo e tive o sonho mais assustador da minha vida: alguém tocava a campainha novamente, e fui atender sem medo. Abri a porta e havia uma sombra preta que ia pegando uma forma humana aos poucos. Paralisei-me.
-Cíntia, eu sei que você está triste com a vida... E você realmente merece algo melhor. Pode se aproximar, não tenha medo. – falou um homem que certamente não parecia ser humano. Dei três passos para frente e não consegui falar nada.
-Você poderia ter a vida que tanto deseja: um emprego estável, ter sucesso nos seus livros, uma vida financeira boa... E até mais do que isso. Tudo isso é possível e sinta-se sortuda por eu ter vindo até você. Eu venho de muito longe e faço diversas visitas a todos aqueles que se mostram insatisfeitos com a vida e de alguma forma também chamam por mim. Eu não posso falar detalhadamente quem sou antes de te mostrar uma oferta.
-Que oferta?
-Você me oferece eternamente sua alma e em troca te dou uma vida terrestre de sucesso e abundância. Ambos ganhamos.
-Você é o diabo?
-Sim. Senti-me atraído quando você me mencionou através de algo. Acho que foi alguma escritura.
Passou um branco na minha mente, mas em minutos me lembrei do livro que havia finalizado. Não sabia o que dizer.
-A partir de agora te lanço uma proposta, e tudo o que precisa para que sua vida mude em um piscar de dedos é um puro sim. Mas vou ser aberto quanto às conseqüências: após a sua morte, sua alma viverá no inferno para sempre.
Nesse exato momento, tudo o que queria era paz. Desejava uma vida boa assim como qualquer outra pessoa, mas aquilo era algo arriscado demais. Na verdade, estava mais assustada do que qualquer outra coisa. Não acreditava em Deus, diabo ou qualquer criatura que fosse. Só queria acordar e esperar que fosse só mais um pesadelo. Fechei a porta no sonho e acordei com uma mensagem em mente: Você só tem 48h para pensar.
Levantei da cama me sentindo exausta. Não sei se foi um sonho ou se aquilo foi realmente algo real. Foi mais um dia de azar: meu fogão e geladeira quebraram de uma hora pra outra, somando aos diversos problemas que eu já tinha. Precisei chamar pessoas para conserto, que também não souberam dizer a possível causa do problema: eram eletrodomésticos novos. Sentia-me com medo e resolvi ir a uma igreja naquele instante. Consegui entrar em contato com o padre, falando toda a situação. Ele achava tudo isso estranho, não estava lendo nenhuma obra que invocava demônios, apesar de citar seu nome de forma artificial. Precisava ir até a minha casa, e analisar o livro melhor.
O padre caminhava comigo junto com um assistente. Ele já conhecia aquela obra e viu que não havia nada demais na história, pelo menos nada que houvesse o poder de chamar o diabo. Porém, no fim do livro, ele viu alguns símbolos estranhos, provavelmente marcados por alguém anteriormente. Como o adquiri num sebo, até que fazia sentido. Por via das dúvidas, aquilo precisava ser destruído de forma completa, sem sobrar uma só folha. O assistente pegou, dizendo que iria queimá-lo no campo da igreja. Enquanto isso, o padre caminhava pela minha casa benzendo-a completamente pronunciando algo em latim. Eu ainda não acreditava que tudo aquilo era real.
Ele advertiu para que eu nunca dissesse o sim que a criatura esperava, e se eu não notasse melhoras quanto aquilo, que o procurasse novamente. Estava com medo de dormir, mas caí no sono. Tive uma noite relativamente boa sem pesadelos e acordei com o clarear do sol. Recebi uma proposta de emprego. Aparentemente estava vivendo um dia normal, sem nenhum azar. Segui cedo para a igreja, e falei ao padre que estava tudo bem, e soube que o livro foi destruído.
Depois desse dia, eu nunca mais comprei livros usados. Eu ainda estaria sob uma maldição se não tivesse feito o que fiz anteriormente. Refleti que desde o momento que abri aquele livro depois que o adquiri tudo virou de cabeça para baixo. E felizmente o problema não era com a obra do Dante, mas dos riscos satânicos que ali estava desenhado.