A morte de Edgar Allan Poe
Em meio ao anoitecer sombrio no dia 6 de outubro de 1849, Dupim cochilava em sua poltrona rodeada de jornais espalhados pelo chão empoeirado. Seu pequeno apartamento era bagunçado com resquícios de cigarro pelas bordas da janela de sua sala, oferecendo um contraste através de sua cor cinza-esbranquiçada, onde a parede era em tom verde escuro, e sua cortina, vinho com discretas listras pretas. Despertava surpreso ao barulho da campainha. Levantou-se rapidamente, calçando seu chinelo de pano, quase tropeçando pelos jornais ali espalhados, e se surpreendeu ainda mais ao abrir a porta: eram policiais. Seria chamado para ajudar em algum caso? Pensou rapidamente, mas logo foi interrompido de ir além pelos seus pensamentos.
-Senhor Dupim? Fomos acionados ao encontrar o senhor Poe jogado na rua. Ninguém sabe o que aconteceu, e uma senhora que estava no local o reconheceu, afirmando que era seu amigo, e que possivelmente você poderia nos ajudar com alguma informação. – disse rapidamente o policial, enquanto mostrava seu documento oficial, entrando imediatamente em sua casa.
-Já realizei alguns trabalhos com o Poe. Algumas investigações que concluí, receberam a sua ajuda através de algumas informações. Ele possuía conhecimento sobre diversos assuntos. E já faz alguns dias que não o vejo.
-Pois é. A única informação que posso lhe apresentar agora é que ele foi encontrado misteriosamente em um estado nada lúcido. Mal conseguia nos responder algumas perguntas. Em uma delas, perguntamos onde ele estava, e ele simplesmente respondeu: Dupim. Posso lhe dizer então, que seu nome foi citado duas vezes. Uma pelo próprio Poe, outra pela senhora que passava ali perto e chamou a polícia.
-Como eu falei, já faz alguns dias que eu não o vejo, talvez, mais de uma semana. Lembro que última vez que o vi foi na casa dele. Resolvi visitá-lo e levei um bom vinho. – Dupim se mostrava pensativo, estranhando toda aquela situação. Se no início ele se parecia suspeito perante aos olhos da polícia por ter seu nome citado duas vezes, ao mesmo tempo aparentemente também seria um excelente quebra cabeças para resolver aquele mistério. Como já trabalhava para a polícia como um detetive, se prontificou em ajudar com o caso, e tentando convencer que também não tinha nada a ver com isso.
Resolveu seguir às pressas para o hospital no qual Poe estava internado. O médico se mostrou bastante preocupado com sua situação de saúde, onde aparecera possivelmente em uso de alguma droga que o deixou em estado alucinógeno. Seu quadro clínico era preocupante, seus exames estavam alterados. O resultado dos exames estava previstos para estar disponível em, no mínimo, 24 horas.
Terminada a conversa, o médico liberou sua entrada para entrar no quarto de Poe. Sentia-se angustiado só por estar dentro de um hospital, com gritos e barulhos que davam impressão que ali era o leito da morte. Abriu a porta e durante alguns segundos, observara ele de longe, aparentemente dormindo, com uma respiração ruidosa.
-Senhor Poe? Sou Duplim, vim aqui te ver.
-Hmmm. – Poe apenas murmurava, não conseguia falar sequer uma palavra. Mal conseguia abrir os olhos. Parecia definitivamente estar sob efeito de alguma droga.
-Gostaria de saber o que aconteceu. Você se lembra daqueles casos que eu pedia a sua ajuda? Você vai ter que me ajudar de novo, pois irei investigar o que aconteceu com você. Preciso que me dê um sinal, diga qualquer coisa que faça sentido.
Poe apenas murmurava. Seus olhos chegaram a abrir e olhar na sua direção, mas ele nada dizia. Observava o ambiente e viu que estava em uso de alguns medicamentos, desprovido de qualquer objeto que ajudaria em sua investigação. Despediu-se brevemente, apertando sua mão, e sentiu que ele o apertou de volta. Era quase meia noite e não sabia se voltava para sua casa para descansar, ou se seguia para a casa do Poe, a fim de iniciar as investigações.
Andava em rumo à casa do Poe, com o plano de vasculhar a casa e descansar por ali mesmo. Seus passos apressados confessavam a sua ansiedade para descobrir o que de fato aconteceu. Como estava trabalhando no caso não havia problema em entrar em sua residência sem ser visto como um suspeito. Chegou ao prédio, subia as inúmeras escadas até finalmente chegar ao aposento. A porta não estava trancada, empurrou e entrou. Seu aposento era tão bagunçado quanto o seu. A garrafa de vinho que o deu de presente ainda estava ali, mas quase vazia. Avistou no mesmo momento uma garrafa quebrada, com vidros espalhados. Seguiu rumo à sua escrivaninha, deixando à mostra uma pilha de livros e inúmeros papéis com seus escritos. Leu o primeiro poema que estava ali, imediatamente o fazendo lembrar-se dos bons momentos que passaram. Ali junto havia resquícios de um pó branco espalhado pela sua mesa de forma discreta. Seria aquilo cocaína?
Fez uma pausa e resolveu deitar no sofá pequeno da sala, satisfeito que iria dormir após ter encontrado algumas descobertas interessantes.
Levantou-se antes das sete da manhã. Bebeu um copo de água, colocou luvas, pegou um pequeno plástico e arrastava o pó cuidadosamente para dentro dele, com objetivo de levar à polícia. Não ficaria surpreso em saber que Poe usava drogas, possivelmente ele usava, mas por qual motivo ele teria ficado naquele estado? Revirava sua escrivaninha e viu um papel com um número misterioso de alguém chamado Thomas. Poderia ou não ser algo usual, mas por via das dúvidas, guardou em sua sacola. Em seu lixo havia duas garrafas vazias de uísque. Abriu as gavetas do cômodo do seu quarto, havia objetos, papéis e também roupas jogadas. Nunca havia pensado que algum dia passaria por aquele momento: Investigar o que aconteceu com Poe, aquele que o ajudava em seus casos. Tinha em mente que ao ver Poe novamente no hospital, falaria que seria um dos casos mais complicados, justamente por sua casa haver milhares de livros e papéis, chegando a conclusão de que talvez ele vivesse uma vida pela qual não imaginava.
Resolveu sair e fechou a porta. Não poderia sair dali sem falar com algum vizinho. Precisava ser rápido e recolher todas as informações que encontrasse. Bateu logo numa porta ao lado, uma senhora de meia idade atendeu.
-Bom dia. Sou o detetive Dupim, e a mando da polícia estou investigando o que poderia ter acontecido com o seu vizinho Poe. Você poderia dizer se viu ou ouviu algo suspeito nesses últimos quatro dias?
-Ele parecia ser um homem reservado. De vez em quando recebia visitas. Passei a conhecê-lo melhor quando li alguns de seus livros. E minha relação com ele era essa: eu comprava suas obras para ler e dar de presente. Ele falava sobre seus escritos e outros assuntos. Mas nesses dias, não sei se isso serviria para a sua investigação, mas ele parecia beber muito, e ouvi um forte barulho de algo caindo e se despedaçando no chão de madrugada. – a senhora falava parecendo que conhecia um pouco Poe, e de fato, era verdade. Quem lê os escritos de alguém que escreve, o conhece mais do que avistando a pessoa fisicamente, com conversas de meias palavras.
Encerrou naquele momento a conversa com a vizinha. Ia agora rumo à polícia, entregar supostas provas enquanto raciocinava friamente tudo o que havia descoberto. Uso de drogas, bebidas, aparentemente nenhum outro suspeito, ou alguém que estaria disposto a fazê-lo mal. Resolveu mudar o caminho e ir logo para o hospital, com o objetivo de ver o laudo médico – que seria muito útil.
Chegando ali, procurava o médico ou qualquer profissional que visse primeiramente para falar do caso clínico de Poe. Não demorou até ser atendido. Foi surpreendido com a notícia que Poe havia morrido cerca de alguns minutos. Olhava pasmo para o médico e durante poucos minutos, ficou sem palavras. Precisava se lembrar que Poe era um amigo, e também a peça chave da sua investigação.
-Qual o motivo da morte? Você tem os resultados dos exames e todos os papéis dele para eu ver? Eu era o seu amigo, e também investigo o que aconteceu com ele, sou um detetive e trabalho para a polícia.
-Seus exames estavam alterados desde o momento que ele chegou aqui, e não apresentou melhora. Irei pegar os papéis, assim como um documento para que assine, para conversarmos melhor. – o médico saiu, deixando o detetive pensativo. Sabia que todos morreriam um dia, mas não esperava que fosse tão de repente, ainda nos seus quarenta anos de idade. Seus pensamentos voavam, tanto emocionalmente, tanto racionalmente, imaginando o que levaria a sua morte. Não sabia se Poe tinha alguma doença, mas aparentemente não ia ao médico.
O médico voltava com alguns papéis em mãos.
-De acordo com o resultado do exame, foram encontradas pequenas taxas de carbono no seu sangue, ácido clorídrico e amônia. Substâncias geralmente não encontradas em pessoas normais. Você sabe informar se ele tomava algum remédio? – disse o médico com os olhos apontados para os papéis do resultado do exame.
-Não sei informar. Posso tentar procurar na casa dele possíveis medicamentos.
-Sabe dizer se ele ingeria entorpecentes?
-Ele ingeria, mas ainda estamos trabalhando no caso. Possivelmente era usuário de cocaína.
-Essas substâncias juntas podem indicar combinação de químicas diferentes, no caso, uso de diversos medicamentos ou mistura de drogas, dando como resultado algo tóxico para o corpo, podendo causar a morte. Analisando esse resultado, é isso o que posso informar como possível causa de sua morte. A necropsia para avaliar melhor os órgãos pode levantar maiores certezas. A polícia já deve estar a caminho para darem um direcionamento do corpo, onde possivelmente passará por uma necropsia, e ficarei de entregar todos os documentos hospitalares para os policiais, como solicitado.
Dupim olhava rapidamente os documentos hospitalares, de exames e toda a situação clínica de Poe. Tudo indicava que sua morte ocorreu por overdose. Minutos depois, uma equipe policial chega, e os cumprimenta. Aproveitou para entregar todas as provas que havia encontrado, desde a cocaína, até um papel jogado com número misterioso. E assim fez. Pediu autorização para participar da necropsia junto com a equipe médica, marcada logo no início da manhã no dia seguinte.
Nunca se sentia tão triste em trabalhar em um caso. Talvez por ser próximo da vítima. Decidiu ir novamente para a casa de Poe buscar por algum remédio, e também falar com outros vizinhos. Precisava descartar a hipótese que Poe tinha algum inimigo ao ponto de querer tirar sua vida. Apesar da sua amizade, concluiu que as pessoas podem nos surpreender, afinal, se Poe tinha algum problema ele não saberia responder.
De volta ao ambiente do fúnebre escritor, encontrou comprimidos analgésicos num canto do armário da cozinha. Os pegou para levar a polícia para ser feito uma investigação das substâncias. Buscava por possíveis cigarros ou drogas, mas tudo o que via eram simples cigarros. Os vizinhos praticamente falavam a mesma coisa: um homem aparentemente reservado que não recebia muitas visitas. Ninguém relatou nada suspeito, nada que envolvesse brigas, uma figura estranha, comportamentos estranhos. Ele parecia viver boa parte das vezes, sozinho em sua casa, possivelmente bebendo e escrevendo.
Chegou o dia da necropsia. Mais uma vez Dupim acordava cedo para ir ao hospital. Encontrou-se com um agente da polícia, entregando os comprimidos que viu em sua residência. Cumprimentou toda a equipe, e observava enquanto o médico abria a região abdominal e retirava amostras para estudo. Cenas como aquelas não costumavam o deixar com agonia, mas nessa situação estava se sentindo incomodado ao observar. Localizava o estômago, rins, coração. Seu corpo estava desprovido de sinais de violência. Foi identificado um possível problema renal além de substâncias de entorpecentes em seu estômago.
E as últimas palavras do papel oficial foi que morrera devido a altas toxinas no corpo causadas por misturas de entorpecentes. O caso estava encerrado, profissionalmente se sentia em paz, e pessoalmente, atordoado, ainda desejando dar o último adeus.
Em um ambiente cheio de gente, possivelmente seus leitores e pessoas próximas resolveram comparecer ao seu funeral. Sua lastimável morte saía pelos jornais, levantando tristezas e grandes memórias, afinal, se tornara um conhecido escritor, onde a venda de seus livros duplicaram após sua morte. Dupim se sentia honrado por tê-lo conhecido em vida e não só em seus livros. Com certeza, Poe estaria presente em sua mente e coração para sempre.