HAZARD. UMA HORRENDA COINCIDÊNCIA.

John Scott parou no acostamento, a um quilômetro de Corina, Nebraska. Norte dos Estados Unidos. A lua cheia no céu, imperiosa, dando uma atmosfera de terror àquela noite de janeiro. Ele ligou o rádio do carro e acendeu um cigarro. Arregalou os olhos ao ouvir a notícia da morte de Lisa Marie Presley, a filha de Elvis, o rei do rock. Fez o sinal da cruz. A imagem de Liza na sua mente o fez sorrir. -"Ela era linda, igual a Priscila, a mãe. Que Deus a tenha." Ele mudou de estação. -"Tomara que tenha uma pousada nessa cidadezinha. Não posso dirigir mais, preciso dormir." A garrafa de whisky. Ele deu um gole. -"Por Jennifer, que me tomou a casa e o cachorro." Estava separado há dois meses e tencionava morar com seu velho tio, Samuel. O velhote era chato mas tinha uma oficina legal, no estilo da GásMonkey, daquela série da tevê que conserta latas velhas e as revende por uma fortuna. A cabeça de Jonh pendeu. Estava sonolento. Ele apagou as luzes do veículo. Mal fechou os olhos, assustou com socos na janela do carro. Ele pegou o revólver no porta luvas. -"Moço. Me ajuda!" Ele desceu o vidro. Uma moça de olhos azuis gesticulando. -"Moço, estou congelando. Me ajuda." A louca estava sem gorro e luvas, num frio de matar. Ele pensou. Saiu do carro e a abraçou, conduzindo até o lado do passageiro. Ele pegou a jaqueta jeans no banco traseiro e a cobriu. Ele fechou os vidros do carro e ligou o ar condicionado. John sorriu. A moça retribuiu, apesar da tremedeira. -"Droga. Meu café acabou. Tenho sopa em latas e salsichas no porta malas." Ele estendeu a garrafa de whisky. -"Toma. Vai ajudar a esquentar a carcaça por dentro." Ela não colocou empecilho algum e virou a garrafa. -"Vai com calma." Ela colocou as luvas de couro dele. John tinha meia dúzia de gorros na mala. -"Pode ser o verde, o que importa é aquecer." Ela disse e sorriu. John ligou o veículo e entrou por uma estradinha de terra. O rio estava a trezentos metros da rodovia. -"Obrigada, senhor. Meu nome é Mary." John a cumprimentou. -"John Scott, sou eu. Estou indo pra Lincoln." A moça abaixou a cabeça. -"Vou pra Hazard, pra casa de umas amigas. Estava caminhando e a noite chegou de surpresa." Ele tossiu. -"Bem, teremos que passar a noite aqui. Tenho sacos de dormir no carro. Vou armar o fogãozinho a gás. Teremos sopa para o jantar. É de Hazard, a cidadezinha da música do Richard Marx?" Mary olhou o celular. -"Lá mesmo. A cidade ficou famosa pela música. Jantar às onze ainda assim é jantar." John sorriu. -"Um pouco tarde mas sejamos gratos por não ter que caçar um alce pra comer. Sopa enlatada é um néctar dos deuses pra quem não tem nada no estômago." Ele abriu as latas com destreza. -"Os anos como escoteiro mirim serviram pra alguma coisa, Mary. Daqui a pouco teremos café." Ela tomou o caneco da mão dele. -"Eu pego água no rio. Quero ajudar." Ele concordou. -"Está bem. Fico agradecido por isso. Cuidado com as pedras." Ele ficou a observando. -"Não, John. Ela é linda mas tem idade pra ser sua filha. Vamos sozinhos pra Lincoln." Mary voltou. Ele lembrou que tinha pão de forma. Tomaram a sopa enquanto a água fervia para o café. -"Está uma delícia, senhor John. Muito obrigada." Ele observou os arranhões no pescoço dela e preferiu não questionar. Briga de namorados talvez. -"Tenho pomada, Mary. Seu pescoço, machucou num galho." Ela sorriu amarelo. -"Ah. Isso,vim galho. Uma pomada vai ajudar. " Ele foi cuidar do café. -"É solúvel, minha amiga. Com açúcar, adoçante?!" Ela pegou a caneca. -"Açúcar. Há tempos não sou bem tratada assim." Ela o abraçou. John se emocionou e ficou sem palavras. -"Vamos ter que dividir a barraca. É perigoso ficar no carro, vira um picolé a noite. Na barraca estaremos quentinhos." Mary juntou as mãos, agradecida. John deixou o revólver perto dele. -"Oxalá não apareça um urso por aqui. Boa noite, Mary." Ela mexia no celular. -"Ah?? Boa noite, meu anjo." Ela desligou o aparelho e puxou o saco de dormir. Ele demorou pra pegar no sono, ouvindo o barulho do rio ali pertinho. Ele fechou a barraca e jogou o corpo para o lado. Jonh esbarrou nela. -"Me desculpa. Essa barraca é pequena e..." Mary o abraçou e o beijou. -"Agora está bem quente aqui." Ela falou enquanto se despia. Eles se amaram loucamente. Jonh caiu extasiado. -"Olha o que eu trouxe." Jonh sorriu gostosamente ao ver a garrafa de whisky na mão de Mary. -"Vamos acabar com ela." Mary subiu sobre ele, implorando mais carinhos. John a massageou, falando palavras carinhosas e elogios até o ato final. O celular dele o despertou, com a quinta sinfonia de Mozart. -"Caracoles, Mary. São nove horas da manhã." O saco de dormir estava vazio. Ele saiu. -"Mary?!" Estava de cueca e meias. O carro vazio. Ele foi até o rio. -"Onde essa maluca se escondeu?!" Ele se vestiu. Decidiu desarmar a barraca e guardar as tralhas A floresta ali perto. Os passos dela na grama. -"Ela foi para a floresta. Que louca! Eu ia levá-la até a cidade mais próxima." Ele acendeu um cigarro e dirigiu até a rodovia. Sorriu ao lembrar da noite com Mary. -"Puxa, que pequena! Tive sorte de a encontrar." Ele dirigiu lentamente, pensando na possibilidade de encontrar a moça na beira da rodovia. Ele entrou em Corina. O lugar parecia aquelas cidades do velho oeste. Parecia que o tempo tinha parado alí. Um único posto de gasolina. A pensão Blue Star, onde pediu um quarto. As pessoas o olhavam, curiosas. -"As chaves de seu quarto, senhor John. Quarto dezoito." Ele agradeceu e subiu as escadas. Abriu a janela e acendeu um cigarro. Se jogou na cama. -"Mary. Onde está você?" O celular tocou. -"Primo Fred. Estou em Corina. Chego amanhã, se Deus quiser. Tudo bem, eu vou te encontrar no Delfins. Vou almoçar aqui, abastecer o possante e pegar a estrada. Encontrei uma garota na estrada mas ela desapareceu no ar. Não estou apaixonado, pare de brincadeira. Mary, era seu nome." O primo desligou. -"Estranho. Eu disse que era seu nome, no passado! Mary está viva." Ele ouviu batidas raivosas na porta. -"Abra. É a polícia." John estava aterrorizado. -"Vou abrir. Vou abrir. Sou de paz." Os quatro brutamontes fardados invadiram o quarto e o jogaram na cama. Um deles o virou de costas, como um boneco. O outro o algemou e lhe deu voz de prisão. -"Está preso, rapaz. Tem direito a um telefonema e um advogado." John foi empurrado escada abaixo. Uma multidão o esperava fora da pensão. Dois adolescentes jogaram pedras nele. As mulheres gritavam xingamentos. Os homens bravos, a ponto de o quererem matar. Jonh chorava. -"Meus documentos. Estão no carro." Um policial o acalmou. -"Seu carro irá para o pátio da delegacia." Tempo depois, ele estava numa cadeira, em frente ao xerife. -"Sou inocente. Porquê essa agressividade?!" O xerife sorriu, irônico. -"Está preso pela morte de Mary Aaron Sullivan. Isso vai refrescar sua memória, forasteiro." As fotos caíram uma a uma na mesa. Ele não acreditou no que via. -"Mary. Não..." O cadáver nú, estirado na grama, perto do rio. A moça com os olhos abertos. A corda no pescoço frágil. As marcas dos quatro tiros no peito. -"Mary! Não pode ser. Mary." O xerife acenou aos outros policiais. -"O senhor a conhecia. Seu nome está na mensagem de texto, no celular da moça. Levem-no." John foi jogado na cela. -"Quero dar um telefonema. Quero um advogado. Quero sair daqui." Um dos guardas o ameaçou. -"Amanhã terá seu telefonema. Vamos deixar os ânimos da população se acalmarem. John se entregou ao desânimo e a solidão da cela. Passou a noite calado, sem comer e sem dormir. -"Mary. O que fizeram com você? Porquê?" Eram três hora da madrugada quando a cela se abriu. -"John?! Está acordado?!" A luz de uma lanterna. John estava em pânico. Um policial sentou-se ao lado dele. O guarda robusto pousou a mão no seu ombro. -"Vamos orar, filho." O guarda abriu a Bíblia e meu o salmo 91. -"Os moradores daqui incendiaram seu carro e seus pertences. Você será transferido para a prisão federal, onde pegará prisão perpétua. Se tiver sorte terá um fim rápido na cadeira elétrica." John desatou a chorar. -"Pobre Mary. Que o Senhor tenha pena de você, filho." O guarda enfiou um bilhete no bolso de John. Ele saiu e trancou a cela. Uma hora depois, John conseguiu dormir mas a cela se abriu novamente. Dois homens mascarados entraram. John levou socos e pontapés. -"Vim pra cá aos sete anos com minha mãe. Todos me olhavam com preconceito e desdém. Eu conheci e me apaixonei por Mary. A gente caminhava e namorava na margem do rio. Ela adora a ver o por do sol, sabia??! Nosso sonho era sair daqui, desse fim de mundo." O homem esganava o prisioneiro. -"Sou inocente. Por favor, me solte. Ela estava viva." A voz de John quase não saiu. -"Ela saiu caminhando, sem rumo e a encontraram morta. Você a matou, idiota. Seu revólver estava descarregado, ao lado do corpo dela." John levou um soco no estômago e desmaiou. O sol deu as caras. John ainda dormia quando o xerife o despertou, passando o revólver nas grades da cela. -"Acorda, traste. Em duas horas será transferido para o inferno. Vai ganhar roupas novas e uma casa com cerca elétrica e proteção vinte e quatro horas." John começou a rezar. A população cercou a delegacia. John ouvia os xingamentos diversos. Fred chegou, nervoso. -"Quero ver meu primo. Na pensão informaram que estava aqui, preso." O xerife respondeu que John estava preso por assassinato. -"Veja as fotos. Um crime bárbaro. O cadáver de Mary está na geladeira do necrotério. O enterro será a tarde, assim que os parentes vierem de Hazard." Fred engoliu seco. -"Esse é o revólver de John. Tem uma coronha vermelha. Meu Deus, que monstro." Fred ligou para um amigo advogado. -"Venha rápido, Hudson. John está encrencado até o pescoço." Dois homens apareceram na delegacia, dizendo serem parentes de Mary. Fred encarou aqueles estranhos. Queria falar com John mas o xerife estava decidido a não facilitar as coisas. As horas passavam. Hudson chegou uma hora depois, de helicóptero com seu amigo juiz, Wendell. Um perito os acompanhava. A aeronave pousou no campo de beisebol da cidade. Hudson e Wendell foram a delegacia. O xerife estava surpreso. -"Temos um habeas corpus do juiz de Lincoln. O prisioneiro não poderá ser transferido até a análise, de um perito forense, no cadáver da moça. Não há provas contundentes contra o prisioneiro. O senhor Nicholas, que como vê, nesses atestados e documentos, é um perito gabaritado para tal análise do cadáver. O xerife e seus guardas servirão de testemunhas da perícia, que se dará agora, nesse momento." O xerife concordou e chamou dois de seus guardas. Fred os acompanhou até o necrotério. O funcionário do local lhes deu máscaras e luvas. O perito pediu para colocarem o cadáver na mesa. Os holofotes ligados. O perito começou a filmar e a narrar cada observação. Fred quase vomitou com a cena. O xerife estava com náuseas. Os guardas aterrorizados. -"Aqui, nessa cidade de Corina, nessa data, com as seguintes testemunhas já citadas, eu, perito Nicholas Samuel Nelson analiso o cadáver de Mary..." As mechas de cabelo recolhidas num saquinho hermético. As pupilas. Os braços. As fotos dos ferimentos. Os pés. A grama nas roupas. Os dentes. As marcas no pescoço da vítima. O perito franziu a boca. Os cotonetes colheram material dos arranhões. -"Há vestígio de pomada. Ferimento não atual." O xerife se agitou. -"Esse monstro tem que pagar." Os guardas concordaram. O perito colheu amostras que evidenciaram violência sexual. Mais fotos. -"As provas periciais serão enviadas a capital. Amanhã teremos um laudo e a causa mortis confirmada." O juiz cumprimentou o perito. -"Para não haver dúvidas, peço que o xerife nos acompanhe até a capital, comprovando que as provas aqui obtidas não sejam alteradas ou violadas." O xerife concordou. -"Enquanto isso, o prisioneiro ficará na delegacia, sob os cuidados da polícia local ." Determinou o juiz. Horas depois, o perito e o xerife voavam até a capital. Fred e o advogado conseguiram falar com John, na cela. Ele relatou tudo, com pormenores, desde seu encontro com Mary até a prisão. Fred pediu um mapa. -"Sua barraca estava a cinco quilômetros do local que acharam Mary. Estranho. Disse que ela tinha marcas no pescoço, o que o perito percebeu serem anteriores a morte. Mary foi agredida antes de o encontrar." John concordou. Fred despediu -se de John. Ele pegou o papel no bolso da calça. -"Fred. Veja isso. Um guarda me deu." Fred pegou o bilhete. Xerife companheiro de Mary, estava escrito no papel amassado. Ele deu o papel ao advogado. -"O xerife era o namorado de Mary?!" O advogado estava surpreso. -"Isso muda tudo. Vou convocar o FBI." John viu uma luz no fim do túnel. Fred deu a volta na delegacia e recolheu três sacos na lixeira. -"O xerife está sempre mascando chiclete. Não será difícil conseguir seu DNA e confrontar com o material que está com o perito." Disse ao advogado, a caminho da capital. O xerife voltou a cidade. Os resultados dos exames demoravam. O xerife trabalhava para enviar o prisioneiro para a cadeia federal mas seu pedido era negado. John continuou preso por três dias. Fred e Hudson trabalhavam com as forças federais. -"Um comboio está vindo para cá? Que ótimo. Finalmente esse monstro irá pra cadeira elétrica." O xerife vibrou com os guardas. A notícia se espalhou pela cidade. O helicóptero do FBI pousou. Logo depois, as viaturas e carros das tevês invadiram a cidade. Os homens de preto rumaram para a delegacia. -"Está preso, xerife. Pela morte de Mary." Anunciou o detetive do FBI. O xerife esbravejou mas as provas foram colocadas na mesa. Fred e Hudson vibraram. -"O material coletado nas unhas da moça bate com seu DNA. Nas mensagens de Mary pra sua amiga Sofia, ela cita sua agressividade e os arranhões no pescoço. Vocês eram namorados e Mary desfez o namoro devido ao seu ciúmes exagerado. Ela saiu de casa. A operadora de celular liberou e analisamos sua localização no dia do crime. Analisamos a localização dos celulares de John e da vítima. Apenas o seu e o de Mary no local do crime, xerife. Além disso, câmeras registraram seu carro passando no pedágio. John é inocente ." O xerife foi algemado e colocado na viatura do FBI, pra surpresa da população. -"Matei a Mary por ciúmes. Eu a segui e não suportei a barra de vê-la na barraca com aquele forasteiro." Confessou o xerife. Fred e Hudson abraçaram John, agora sorridente e aliviado. John não quis ir ao enterro de Mary, em Hazard, no dia seguinte. -"Acorda, John. Estamos chegando em casa." Fred cutucou o primo, dormindo no carro. -"Coincidência horrenda e macabra. Aconteceu quase tudo igual a música Hazard." John fez o sinal da cruz. -"Não a toa, Hazard significa perigo." FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 15/01/2023
Reeditado em 16/01/2023
Código do texto: T7695751
Classificação de conteúdo: seguro