O colecionador de amigos

Era uma tarde extremamente quente de verão e aquele era meu último paciente do dia. Sua primeira consulta, ainda não o conhecia. Sabia que era de outra cidade e seu nome apenas. Hans.

18:30. Hora marcada para a sessão. Ele havia chegado uns 15 ou 20 minutos antes e aguardava tranquilamente na sala de espera.

Pedi para a secretária que o acompanhasse até minha sala e depois ela poderia ir pra casa.

Ele entrou, me cumprimentou educadamente, se apresentou, pedi para que se sentasse para que pudéssemos conversar, falamos um pouco de coisas aleatórias para quebrar o gelo.

Era um homem aparentando mais de cinquenta anos, alto, magro, vestindo um terno muito bem cortado. Cabelos grisalhos, sem barba, um olhar meio neutro, olhando meio que para o nada.

Ele interrompeu o assunto e disse que precisa falar sobre ele e suas amizades. Precisava muito, e que esse era o motivo de ter me procurado.

Até que ponto vai uma amizade? Me perguntou!

Pode formular a pergunta novamente para que eu possa entender melhor, por favor. Respondi.

Ele se ajeitou na cadeira, e começou dizendo que sempre fora muito amigo das pessoas, que tudo o que fosse possível ele fez e faria pelos amigos. Mas que acabava percebendo que mesmo com essa atitude mais cedo ou mais tarde seus amigos o deixavam, e isso causava um desconforto mental muito grande.

Ele não entendia o porquê dessas atitudes. Ele nunca cobrou nada de seus amigos, nada além de uma reciprocidade na amizade, coisa que acabava não acontecendo. Mas apesar disso ele continuou fazendo seu melhor por eles.

Percebi que ele começou a ficar inquieto e aparentemente cansado, ansioso, nervoso. Nesse momento ele disse que gostaria de ir embora mesmo sem a sessão ter terminado.

Eu disse que tudo bem, caso ele achasse melhor. E assim o fez. Se despediu e saiu, pedindo para que a secretária entrasse em contato para agendar a próxima sessão.

2º dia

Uma semana depois Hans retornou para a próxima sessão.

Não sei se foi impressão minha, mas me pareceu mais velho, e mais magro dentro de um terno preto. Inquieto e ansioso. Entrou, me cumprimentou, se sentou e pediu desculpas pela última sessão.

Eu disse que não havia problemas. E que ele podia se sentir à vontade.

Ele retomou o assunto sobre como ficava chateado quando era segundo ele, desprezado e deixado de lado. De como seus amigos não valorizavam sua amizade como ele achava que merecia. E esse sentimento de chateação foi se tornando em raiva e depois em ódio. Ele passou a não controlar o ciúme que tinha dos amigos e amigas. Percebeu que tinha um sentimento de posse, uma obsessão .

Nessa altura da conversa Hans teve uma crise de choro e não conseguiu continuar, ficou ai sentado por um bom tempo, mas não disse mais nada. Se levantou, pediu pra secretária ligar para ela marcando a próxima sessão.

Senti que deveria conhecer um pouco mais sobre Hans. Fui até sua cidade e procurei por seu endereço, falei com vizinhos. Pouco sabiam dele, só que havia um mês que havia se mudado para lá, e que era uma pessoa muito fechada. Poucas pessoas haviam falado com ele até então.

3º dia

Hans não apareceu para a sessão. Ligou no outro dia se desculpando pois teve um assunto pra resolver e não teve como avisar.

3º dia

Hans apareceu na hora marcada. Aparentemente mais velho e mais cansado. Perguntei se estava com algum problema de saúde. Ele disse que não, pelo menos fisicamente, mas psicologicamente estava arrasado.

Conte me mais sobre suas amizades. Por isso você está aqui, não é?

Ele então deu um suspiro fundo e triste. E começou a relatar sobre sua dificuldade em controlar seus sentimentos que acabaram fazendo com que ele cometesse atos horríveis que jamais imaginaria cometer.

Há alguns anos ele percebeu que uma amiga sua estava se afastando, não vendo meios de mudar essa situação, veio a cometer um assassinato, segundo ele com o único objetivo de manter ela como sua amiga. E outras atitudes iguais a essa vieram a acontecer no decorrer dos anos.

Ele não poderia se livrar dos corpos e nem era essa a intenção dele, queria exatamente eles por perto, eram seus amigos, amigas por quem ele fazia tudo, inclusive matar.

Como era extremamente inteligente e aprendia com facilidade, mergulhou em pesquisas sobre embalsamar pessoas com técnicas dos povos antigos e assim o fez com os seus “amigos” que agora seriam somente seus.

E a precisava se mudar de tempos em tempos, pois a pessoas iriam começar a sentir falta de seus “amigos”.

Ele relatou esses fatos com muita calma e frieza, mas demonstrando um carinho por cada uma delas, relatou eventos importantes que tiveram juntos, e o que havia feito de bom para cada uma dela. Mas ao mesmo tempo deixava transparecer uma raiva quase ódio pela falta de gratidão que segundo ele, elas demostravam.

Eu vivi por cada um deles, eu os amei, e não pedi nada em troca, a não ser amizade e companhia. E nem isso eles conseguiram me dar. Ingratidão é um pecado muito sério. Disse ele olhando em meus olhos.

Eu não sabia se realmente era verdade toda essa história louca que ele estava me contando, não sabia o que fazer a não ser dar atenção enquanto Hans continuava contando detalhes.

Hans ficou em silêncio por alguns minutos, olhando para o além. Olhou para mim, deu um sorriso enigmático. Colocou as mãos em seus joelhos fixando seu olhar em mim, me deixando desconfortável como se conseguisse ver minha alma e o medo que eu estava sentindo.

Por fim o sorriso se transformou em uma risada sinistra e ele me disse: Me diga doutor, você realmente acreditou em tudo que te falei? Acha mesmo que eu matei todos meus amigos conforme te relatei?

Eu não tinha como negar, minha expressão dizia que sim.

Muito obrigado por sua atenção. Mas nunca matei ninguém. Tudo invenção de minha cabeça. Sou apenas um escritor e faz parte de um novo livro que estou escrevendo. Por favor peça para sua secretaria me passar o valor para que eu posso fazer o pagamento.

Ele saiu e fiquei ali sentado sozinho na sala. Sem saber exatamente a verdade.

Ele enviou o pagamento em dinheiro em um envelope através de outra pessoa. Nunca mais atendeu o celular e quando tentei falar com ele na endereço que havia deixado, já havia se mudado sem deixar nenhuma informação para onde iria. Ou seja perdi o contato totalmente, nem sei se o nome de era realmente Hans.

Até hoje tenho dúvidas sobre a história do colecionador de amigos.