A PELEJA

Maristela sai de manhã muito cedo, afinal como "escrava" de um salário para lá de mínimo, só poderia ser este o seu destino. Fazendo chuva, sol, covid ... Maristela nunca teve direito a entender de nada. Aliás, o único direito de Maristela seria à alienação. Baixa autoestima, claro, que ela tinha. Afinal, como faxineira de uma Escola Pública, sua função terceirizada gerava a alegria de coordenadoras pedagógicas, diretoras e outros "carguinhos de capitão-do-mato" que ganhando um pouco mais do que o estrutural mínimo já empoderava mentes e colocava nas mãos deles a chibata para fazer o trabalho sujo que o sinhozinho capitalismo exige.

 

Aquele sinhozinho branco, normalmente: jovem, senil, maduro, isso não importa, mas aquele, que vem transformando até a mãe em mercadoria para lucro. Bem, o segmento da Educação é um criadouro necessário para o desenvolvimento dos gérmens da anti-educação, que nascem como bactérias; em progressão geométrica, no meio da placa de petri da corrupção ativa e passiva.

 

Copa do mundo, novelas da Globo, com seus Big Brothers, são a temática mais evidente e encrustada, nos bastidores e no palco dos Colégios públicos espalhados neste mundão nacional de meu Deus. Triste, abjeto, cansativo e altamente contaminante é entrar em uma sala de professores nestes estabelecimentos terríveis, onde abunda a virose da hipocrisia e do reducionismo. É um verdadeiro covil de escravos conformados, e de feitores em ascensão.

 

Pobre Maristela, que irá trabalhar hoje, dia 28 de novembro de 2022, dia de jogo do Brasil, que para ela se constitui em dúbia tortura, a primeira por ela saber que no campo, estarão jorrando trilhões (em forma humana, e na maioria sem escolarização), enquanto ela ganha parcos 1.000 reais, para sustentar uma prole de seis filhos, e seis filhas, gerados no bucho da desinformação alienante e cretina de uma política partidária bancarizada. Ela fez o que deveria fazer, como proletária, e ainda precisa dar graças a Deus, por ter que faxinar tal casa colonial que pode produzir de tudo, menos educação. Aliás, esta é a ordem que vem dos altos escalões. Maristela é graduada, pasmem; ela se formou em Serviço Social, mas não tem o perfil de opressora, portanto, é apenas uma faxineira do Colégio Princesa Isabel. Negra, alta, esbelta, sorridente e avessa ao futebol, lá vai nossa querida Maristela, pega a vassoura, limpa o banheiro, recolhe as cinzas do cigarro de alguns resistentes professores fumantes, talvez latentes suicidas; ela está ávida para chegar a hora do almoço, todos serão dispensados para ver a provável vitória do "Brazil" no Catar; porém Maristela, terá que ficar a catar feijão para cozimento do jantar do alunado, que terá aula à noite; o cardápio hoje é feijão com farofa. A verba chega (irrisória), porém ainda se subtraem dela alguma coisa.    Maristela, sabe que o mundo da política é uma peleja de um jogo jogado, onde a pobreza perde sempre. E sabe também que POBREZA, é apenas a mercadoria necessária para que exista a RIQUEZA.

 

A hierarquização dos escravos fala mais alto. Maristela, não está grávida, mas sabe que depois que a partida começar, ela vomitará umas três vezes no banheiro com a descarga quebrada há três meses. E o pior é que será ela mesma que terá que carregar água do poço para limpar a latrina, senão é RUA.

 

A protagonistal possui ojeriza ao futebol, mas para manter o vínculo comercial, que lhe garante vender o almoço para comprar o jantar, ela precisa suportar o som da tv que fica na sala da diretora, que passa os noventa minutos do jogo GRITANDO VAI NEYMAR!

 

  Além de espalhar pipoca e derramar Coca-Cola no tapete surrado que fica embaixo de "sua" mesa de "trabalho": a poderosa chefona Genoveva (dez minutos antes do jogo começar ) canta o hino em frente a bandeira dependurada no mastro atrás de sua cadeira, e sempre usa o mesmo bordão: "no meu colégio mando eu".

 

 

 

 

Valéria Guerra
Enviado por Valéria Guerra em 28/11/2022
Reeditado em 29/11/2022
Código do texto: T7659719
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