Tentei olhar em volta, mas tenho certeza de que mal me mexi. Consegui ter uma visão rápida de quem estava na quadra e meus olhos não ousaram olhar mais. Fixei em Rafiq, que simplesmente voltou chorar… e o medo era tanto que me vi tendo pensamentos bobos, como: “Como ele consegue ficar esse tempo todo nesta posição?” ou “Será que se eu virar as costas e ir embora, ele vai me matar?!”. Mas na prática eu estava na mesmíssima posição e não parava de prestar atenção a todos os seus movimentos… Perdi dimensão do perigo e do que estava (de fato) acontecendo… Perdi dimensão do que eu podia fazer. Talvez tenhamos passado pouco mais de duas horas ali.

Preciso ir no banheiro. – Eu disse gaguejando…

Vá, ué. – Rafiq permitiu como se tivesse o almoço interrompido. Corri pro banheiro.

Não conseguia nem sonhar em fazer xixi, apenas tinha sido a única frase que pude dizer em voz alta. Parei em frente ao espelho e fiquei analisando minha barba, meu cabelo… Olhando se meu nariz estava sujo. Juro que pensei em ligar o chuveiro e pôr minha cabeça embaixo da água até que escutei um estrondo (que talvez não fosse mesmo um estrondo, mas um barulho alto demais, em meio ao silêncio). Saí correndo pra ver. Não contei (e evitei olhar em seus olhos) toda a equipe e internos que estavam mortos no caminho. O cheiro era terrível… Quem não pensa que a morte possui um cheiro específico deveria simplesmente matar uma aranha e ficar sentado ao seu lado. Cheguei novamente no pátio. A quadra repleta de cadáveres. Rafiq já tinha ido embora e o estrondo foi apenas o barulho do portão se fechando. “O que eu faço agora?”, me perguntei. “Eu saio?! Eu posso encontrá-lo ainda na frente da casa!”, “Fico aqui com essa gente toda morta?!”. Optei por sair correndo até o portão… e ao sair, olhei em volta dezenas de vezes. Rafiq não estava mais lá. Se quisesse encontrá-lo era só seguir o rastro de gente caída no chão. Ele realmente não queria ser questionado ou contrariado. Bastava seguir o cheiro e aquelas lágrimas de groselha que os acompanhavam.

 

Simplesmente corri pro lado oposto e muitas coisas se tornaram desimportantes pra mim... inclusive as drogas, que procurei tanto por tantos anos. 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 15/11/2022
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