A GAROTA DRAGÃO
Danleria era uma linda adolescente, cabelos longos e louros, olhos de um azul profundo que lembrava os mais belos oceanos, sua pele era branca e rosada, tudo parecia perfeito, mas não estava.
A partir dos 12 anos de idade ela começou a ficar transtornada, já que sua voz sempre soava como a de uma garotinha de cinco anos, bem fina e estridente, fazendo vergonha aos castrati italianos, soando muitas vezes como uma hiena com diarreia. Era bastante querida e conhecida na escola, mas aos poucos seus próprios amigos foram criando um bullying por causa da sua voz, chamando a garota de taquara rachada e outras indelicadezas. Ela começou a tornar-se isolada e triste.
Aos 16 anos Danleria tinha apenas uma amiga, que era sua leal companheira desde as eras primevas. Passava horas lendo livros para adolescentes como a Culpa é das Estrelas e navegando por redes sociais com pseudônimos e fotografias no perfil que escolhia aleatoriamente, fingindo ser outra pessoa.
A vida virtual era bem mais interessante para ela do que a realidade fria da escola e do bairro onde morava. Ela não sabia o que levava as pessoas a agirem de forma tão sorrateira e vil contra outros, xingando e tripudiando sem pudor da honra alheia.
Nos livros de história que lia, Danleria acabava comparando o comportamento dos colegas aos mais terríveis nazistas. No seu entender, a única diferença substancial era que os alemães exterminavam rapidamente os judeus mais fracos, como velhos ou deficientes físicos, em vez de torturá-los por anos sem a menor piedade.
Ela alimentava a certeza de que havia um prazer histérico e doentio quando olhava nos olhos dos colegas estudantis, era fácil perceber isto. Ao notarem que ela estava sofrendo, a maioria sorria e continuava a rir mais da sua cara e da sua vergonha. Danleria já havia perdido a conta de quantas vezes havia chorado após ser massacrada por culpa da sua voz diferente. Era tênue a linha divisória que separava o comportamento de um monstro nazista ao agir de adolescentes sempre sedentos para humilhar os mais fracos.
Danleria passava pelo corredor da escola de cabeça baixa, era mais um dia comum. Chovia forte. Grupinhos de jovens se formavam. Ela procurou um lugar mais afastado para esperar passar os longos minutos de intervalo do recreio. Ela sentou e ficou olhando seu celular, esperando por alguma mensagem vinda de redes sociais. Sua única amiga apareceu ao longe, ela ficou esperando que viesse ao seu encontro. Um dos garotos mais populares da escola surgiu na frente de Jéssica quando estava próxima a Danleria, lhe dizendo:
— Venha gata, sente comigo. O que uma coisa tão linda como você faz ao lado desta perdedora de voz anormal? Veja, ela não parece uma demente?
Jéssica olhou para a amiga, pensou um pouco, de cabeça baixa, respondeu:
— Sim, Danleria é um fracasso, fico com ela às vezes apenas por dó.
Os jovens ao redor riram e debocharam mais uma vez de Danleria. Ela sabia que Jéssica tinha uma queda pelo valentão da escola. Acabou aceitando o comportamento da amiga, lhe perdoando internamente. Voltou os olhos para o aparelho celular e tentou disfarçar as lágrimas que começavam a brotar dos seus olhos.
Era quase madrugada. Danleria navegava por um site que vendia produtos chineses e então viu algo que lhe interessou. O item prometia tornar os cabelos mais reluzentes e de quebra ainda definir o corpo, dando um pouco de músculos bem delineados. Danleria tinha muita inveja de suas colegas de aula marombeiras. Resolveu comprar o produto, denominado "Dragon Power".
Foram quase três meses de espera quando o carteiro finalmente bateu a sua porta, lhe entregando a encomenda tão desejada. Danleria abriu rapidamente o envelope; dentro havia um frasco preto, portando uma etiqueta onde se via um dragão amarelo soltando chamas flamejantes pela boca. Dentro do recipiente ela viu diversas pílulas. Veio junto um manual impresso em mandarim e a linda garota não entendeu nada o que estava escrito. Naquele mesmo dia Danleria começou a ingerir as pílulas.
No outro dia Danleria foi normalmente ao colégio, todavia, parecia que algo estava mudando, não apenas em seu espírito, mas com o seu corpo. Além de confiante, ela reluzia uma beleza angelical, atraindo todos os olhares para si. Os grupinhos que sempre desferiam zombarias ou riam da sua cara estavam estupefatos. Eram incapazes de ocultar o deslumbre inevitável quando a viam caminhando pelos corredores do colégio.
O produto funcionou, pensou a garota.
Era a última aula do dia. A professora Adélia chamou Danleria para recitar um poema de Manuel Bandeira. A garota levantou-se e foi triunfante ler a obra.
Sua voz, para a surpresa de todos, se propagou de forma bela e resplandecente, uma mistura de Marisa Monte e Anita, todos ficaram encantados. Já perto do fim, maravilhada com os olhares penetrantes que os tarados adolescentes lhe enviavam, a voz de Danleria começou a mudar e foi ficando cada vez mais grossa; parecendo com a furiosa voz de "Thanos", o exterminador de Vingadores. A gurizada começou a rir ensandecidamente. Um ruivo com cara de Coruja gargalhou tanto que vomitou no colega do lado e logo o caos se instalou.
— Vejam, a Danleria virou um monstro! — disse um jovem gargalhando de forma estridente no fundo da sala.
— A Bruxa deve ter engolido a própria vassoura. — relatou outro jovem, divertindo-se com o sofrimento de Danleria, que agora estava exposta a toda a turba descontrolada de adolescentes.
A professora tentava acalmar a situação, ordenando que todos ficassem quietos, mas era em vão, os risos e xingamentos eram descontrolados.
Danleria foi se sentindo muito enfurecida com toda aquela balbúrdia e decidiu que ia revidar e xingar todos os colegas, mas quando foi vociferar os insultos, acabou perdendo a voz por completo. Em vez de palavras, o que começou a sair de sua boca foi uma chama infernal. A garota soprava fogo pela garganta e narina como se fosse um Dragão e em poucos segundos um gordinho de óculos que sentava na primeira fileira virou churrasco. Os adolescentes correram assustados, o pavor na sala era tremendo.
Danleria parecia um lança chamas, incinerando todos ao redor. O cheiro de carne queimada logo tomou conta do local. A garota saiu pela escola soltando fogo pela boca e matando desenfreadamente. Ao chegar ao corredor ela viu o valentão da escola. Ao ver Danleria enfurecida ele saiu correndo. Sua amiga Jéssica estava no caminho, ele sentiu que não conseguiria escapar, colocou Jéssica na sua frente, como um escudo humano.
Foi por este pedaço de bosta que você me insultou minha grande amiga? Pensou Danleria antes de expelir um jato de chamas mortal contra os dois.
Cerca de 200 adolescentes perderam a vida naquela tarde sangrenta. Danleria só parou sua sede de sangue quando foi morta por policiais cerca de 20 minutos após o inicio do massacre.