Assombração caipira - BVIW
Tema: Sem lugar na cidade
Era noite alta. A lua cheia brincava de fazer sombras nas árvores e nas construções da fazenda, como a casa centenária, os currais, o celeiro e os galpões. Os cachorros cochilavam, entediados por causa do profundo paradeiro. Nem vaca mugia, nem cavalo relinchava ou se coçava nos mourões das cercas. Apenas os gatos afiavam as unhas nas árvores do jardim, como o pé de manacá e o de dama-da-noite. Fora isso, silêncio. Ao longe podia-se ver uma assombração na porteira da Fazenda Olhos D'água. Ela parecia levitar nos arredores da porteira de cedro. Uma "Alma Penada" surge das trevas, carregando um caixão. Chega na porteira e acena para a assombração. Devia ter sido um caipira mineiro, porque tem sotaque e diz cantando que está de mudança para a cidade de Boa Viagem. A assombração dá uma risada horripilante e replica que tudo na cidade é mais complicado e caro. Que fazia melhor ficar por ali mesmo. Nisso a "Luz da Chapada" chega clareando tudo e soltando fogo. Conta que na cidade não assusta ninguém, pois há luz pra todo lado que se olha. Nesse ponto, os cachorros já ladravam e uivavam como loucos. José Simão abriu a janela para conferir o que havia lá fora, sentindo um arrepio no pescoço, descendo pela espinha. Mas não viu nada, nem a "Alma Penada", que passou arrastando o caixão e levantando poeira, rumo ao bosque, convencido de que na cidade não tem lugar para coisa da sua espécie. Fechou a janela com a taramela e esparramou-se na cama, obrigando Rosinha reclamar do espaçoso. Quando José Simão olhou pra companheira, ela estava mais branca que cera e, perguntou se ela tinha visto assombração. Ela sentou-se na cama e respondeu que há alguns dias sentia náuseas, principalmente com o cheiro das "damas-da-noite"... Inocente! Demoraria nada para a barriga da Rosinha crescer!