Abóboras
Nas manhãs de outubro minha mãe preparava os doces e os enfeites para o halloween, principalmente as abóboras. Eu tentava escolher a minha fantasia, mas poucas vezes tive êxito. Ela gostava que me vestisse todo de preto, como o Drácula, mas com a máscara com formato de abóbora. Era meio patético, sequer combinava com a roupa. Tive certa vez a brilhante ideia de assustá-la. Fiz um boneco de pano com a cabeça ao contrário e encharcada de sangue falso. O pendurei na sala de estar, e quando ela o viu, gritou deixando cair sua xícara com café no chão. Lembro com bom humor, apesar da surra que levei.
A pira dela com abóboras era estranha. Nunca gostei da textura, me remete a gosma, e o gosto é ruim. Um dia ela me forçou a comer doce de abóbora, disse que fazia bem para a saúde. Saboreei com raiva na língua. Como pode alguém fazer isso? Não gosto de comer aquilo que não gosto. Na noite seguinte, era 31 de outubro, eu saí com os meus amigos pela vizinhança atrás dos doces. Lá estava eu trajado de preto, mas com a cabeça de abóbora. Fui acompanhado pela Migle, minha gata de estimação. Por algum motivo Migle era carinhosa apenas comigo, mas ignorava totalmente a minha mãe.
Passamos por muitas casas, mas paramos na casa do meu pai. Ele nos convidou a entrar e pediu ajuda para separar as guloseimas. Conversamos um pouco, ele era divertido, nos fez rir muito. Em dado momento, chegou o assunto da minha mãe. Sua fala contagiante logo se esvaneceu para uma seriedade evidente. Perguntei o motivo da separação da minha mãe:
— Falemos sobre outra coisa, filho. — respondeu-me olhando os doces.
— Diga, pai, tenho curiosidade. Tenho saudades de você. — retruquei-o.
— Não cai bem falarmos disso, ainda mais na frente de seus amigos. Deixa pra lá.
— Tá bom. — replico sem êxito.
Aceitei sua sentença, mas olhando com tédio para baixo. Ele percebeu e foi até outro cômodo. Voltou pedindo para meus amigos irem embora. Gostaria que ficássemos a sós. Então, pedi para irem e que os encontraria outra hora.
Prosseguiu a contar, começando com o fato de minha mãe ter uns papos malucos. Disse sobre a paranoia dela em relação aos rituais de bruxaria. Ela colecionava artefatos e muitos livros desse tema. Tinha o costume de se afastar do meu pai para se atentar aos livros.
— Não é só por ela se afastar do papai, eu também não me dava bem com ela. Brigávamos muito, e você via isso. No fim ela que pediu o divórcio. — ele falou.
— Sinto muito, papai.
— Está tudo bem. Bom, como ela está? — papai diz.
— Fora o mau-humor de sempre, está bem. —
— Que bom.
— Mas… quando vocês irão voltar a se falar? — digo com ansiedade.
— Então, meu filho, acho melhor não. A Shary não gostaria nada disso.
— Que isso, só quero que vocês se acertem. Vamos, por favor! — atônito, eu digo.
— Quer saber? Você está certo. Não tem razão de nos mantermos assim. Não é nada saudável tanto a nós, tanto a você. — papai já de pé se pronuncia.
— Vamos lá?
— Vamos.
Fomos até a minha casa. Eu estava feliz, finalmente teria meus pais juntos. Seria como unificar pessoas em prol de algo maior. Pensei ao caminhar nas ruas as coisas que iriam se suceder. Vi as crianças aprontando suas travessuras quando os velhos rejeitavam os doces. Era engraçado. Até a Migle estava feliz, rolava toda manhosa no chão. Mas ela correu para uma casa toda escura. Adentrou-se lá e ignorava nossos chamados. Cansamos de bater palmas e ninguém sair. Papai teve que ir entrando para pegá-la. Ele foi até o fundo, mas não voltou. Demorou um tempo, eu o chamava, mas nenhum sinal de vida. Apesar do medo gritante em mim, entrei na casa. Lá a Migle estava… só que infelizmente, morta. Não havia sangue, mas nenhum sinal de vida. Gritei pelo meu pai, mas nada. A vizinhança escutou tudo. Uma senhora se aproximou e perguntou o que havia. Após eu dizer, ela acionou a polícia.
Eu não parava de chorar, não entendia bem o que houve. Meu pai nunca mais foi encontrado, mas encontraram uma roupa da minha mãe. Houve boatos que minha mãe saiu da casa correndo, mas ninguém que disse isso testemunhou a polícia. Mamãe foi interrogada, não obtiveram nenhuma prova, apenas essa roupa que para a polícia, era uma coincidência estar lá. Ela estava em casa no momento do crime, aparentemente.
Jamais fui o mesmo depois dessa calamidade. Minha mãe jura de pé junto que não há relação com isso. Ela agora cuida melhor de mim, até parece que a morte do meu pai foi o despertar para o interesse em seu próprio filho.
Lembro da primeira vez que perguntei sobre os livros de bruxaria e sobre ela sumir com meu pai. Ela disse que tudo era coisa de gente fofoqueira. Falou que estavam colocando abobrinhas em minha cabeça.