Um crime a se desvendar

De madrugada, eu ouvia passos pela casa. Mamãe sempre alegou ser o gato ou papai andando pela escuridão a fim de não me acordar.

Às vezes, ouvia faíscas ou estalos pelas tomadas da casa. Já vinha ela arrumando outra desculpa.

De início, sempre acreditava nela, mas com o tempo comecei a desacreditar, pois as fiações foram trocadas e os problemas continuavam.

Certo dia, peguei tia Osória e tio Inocêncio numa dura conversa com minha mãe:

— Precisa chamar o padre. A casa necessita ser benzida.

Conselhos sempre ignorados.

— Talvez alguma alma que estivesse por ali precisava encontrar a paz.

— Fantasma? Alma penada? Só se for de paz. Nunca nos fizeram mal. Vivemos tão bem aqui, não nos falta nada. Nunca nos fizeram mal. Pra quê mexer no que está quieto?

O tempo passou. Os conselhos dos meus tios sempre mexeram comigo. Pelas conversas aventureiras de tio Fernando, que era detetive, comecei a investigar fatos e casos. Descobri que a minha casa tempos atrás era um sítio de uma família italiana. Leigos, foram roubados e quando deram contas, resolveram reverter o negócio. Foram mortos: o pai, a mãe, os três filhos, o cachorro, a empregada, a cozinheira e dois empregados.

Em 1915 Arujá, ficou de luto. A notícia tomou conta da cidade, que na época era distrito de Santa Isabel. Com este fato o distrito se tornou freguesia, isto é, recebeu a primeira paróquia. O nome da tal paróquia veio homenagear o santo da qual a família chacinada era devota.

Em um mês de pesquisa descobri, inclusive, que além da rua onde eu morava, os nomes de sete ruas próximas de minha casa eram uma homenagem a cada vítima da chacina de mil e novecentos e quinze.

Tio Fernando se surpreendeu com minhas investigações. Passou comigo na sede do jornal que cobriu o caso. Nos sentamos cada um num computador e com suas dicas descobrimos históricos antepassados. Um dos assassinos era o irmão de um do meu avô paterno. Chocamos nossos familiares. Eu e tio Fernando entramos em pânico. Seria alguma alma cobrando de nós o crime cometido por um de nossos antepassados? E agora? Como convenceríamos minha mãe, que era ateia?

Tio Inocêncio e tia Osória já não concordavam em falar mais nada dessa história com a minha mãe. Eu mesmo resolvi chamar o padre, com o auxílio de Tio Fernando, que levou meis pais para visitar tias Caetana e Dimitida.

Assim que chegou, o padre perguntou por meus pais. Segui as orientações de tio Fernando e dei uma desculpa qualquer. O padre aparentou acreditar. Benzeu a casa e o quintal.

Nos primeiros dias, o problema aparentou ter se resolvido. Não sei se era a empolgação do reencontro de meus pais com as tias de mamãe ou a sensação do benzimento de casa, mas depois de um mês tudo retornou. Tio Fernando foi testemunha. Juntos, topamos uma loucura, falar com dois amigos geólogos. Lá foi tio Fernando sugerir que meus pais visitassem as tias Florentina, Silvana e Theodora.

Meus pais ficaram nas tias alguns dias, tempo suficiente para descobrirmos um possível objeto na cozinha de casa. Contratamos um pedreiro. Cavou tanto. Deparamos com uma tumba. Abriríamos ou pararíamos? Por um momento pensamos em desistir, mas optamos por seguir em frente. A tumba foi aberta e com muita força retiramos a tampa do lugar.

Algo nos surpreendeu. Um barril foi encontrado. Tivemos que chamar um chaveiro para abri-lo, tudo no intuito de não danificá-lo. Encontramos um envelope judiado pelo tempo. Abrimos. Era a escritura da antiga fazenda, da qual nosso bairro e adjacências deram vidas.

escritor Rogério Rodrigues
Enviado por escritor Rogério Rodrigues em 28/10/2022
Reeditado em 21/06/2024
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