Juntando os Pedaços
Juntando pedaços dos corpos da minha família esquartejada dentro de uma fronha velha de travesseiro, ossos, crânios sem rostos, esse eu reconheço, se parece com os braços do meu pai, ele sempre foi tão forte, aquele anel naquele esqueleto mostra que minha esposa também partiu, pilhas e pilhas de ossos, preciso de mais fronhas, vou usar a que minha vovó mais gostava, poças de sangue, arcadas dentarias, tudo misturado, a orelha da minha irmãzinha, a mão do meu melhor amigo, estou juntando os pedaços, eu queria colar e trazer todos a vida de novo.
Se eu juntar essas pilhas de peles, ossos e sangue e coloca-los no fogo será que eu consigo montá-los? Apaguei as luzes, fiz uma oração, coloquei o caldeirão no fogo, queria que fosse uma poção mágica, a fumaça está ficando cada vez mais alta.
Amanheceu, levantei do chão e vi manchas, e pele nas paredes, ossos como estrutura da casa, senti a energia negativa no ar, o ambiente estava pesado, vultos sussurrando com o soprar do vento, há uma esperança? Balas nas costas, cicatrizes de tortura na pele, senti os demônios com suas armas que haviam marchado por ali, exterminando tudo que tinha vida, uma raça desumana.
Buracos nas paredes, cabelos cheios de sangue sobre os tijolos e o cheiro do inferno começa a me deixar enjoado, eu vou juntar os pedaços, Deus faça um milagre!
No quintal quantos corpos empilhados, parecem alcançar o céu, braços, pernas, pés, mãos, cabeças, orelhas e olhos como entender isso, nesse quintal um rio de sangue, famílias chorando, vendo seus filhos morrerem, tentem ouvir, escutem, esse é um mundo mau, um mundo brutal, tentem escutar, em algum lugar nessa selva você pode ouvir o diabo gargalhando.
Talvez algum dia o sol volte a brilhar, as flores voltem a florescer e depois de tudo já limpo, as coisas voltem a ficar bem.
Mas nenhuma família será feliz naquela casa amaldiçoada, porque ali a respiração da morte é o único som.
29/04/1958 era a data, e escrevi isso assim que acordei do meu pesadelo.