A ESTRADA TORTA - CLTS 20.
By: Johnathan King
1.
O estudante universitário Jonathan Mackenzie estava indo para a casa dos pais, na cidade de Midnight Sun, no Alasca. Seguia de carro por uma estrada cheia de curvas sinuosas, se mostrava meio cansado como se estivesse com muito sono. Esfregou os olhos para despertar. Às planícies ao redor estavam cobertas de neve, e o ambiente reluzia sob um pôr do sol da meia-noite de inverno. Ventos frios sopravam para a frente e para trás, fazendo-o dirigir com cautela. O estudante resolveu parar em uma loja de conveniências nas margens da rodovia.
Jonathan comprou um café e saiu. Agora estava nevando lá fora, mas o sol brilhava no horizonte, meio pálido. O estudante tremeu, sua respiração se condensou no ar frio. Entrou no carro e partiu. O rapaz ligou o aquecedor e se sentiu melhor. Uma camada de neve cobria a estrada, por isso o jovem dirigia com cuidado numa velocidade de 60 quilômetros por hora quando, ao virar numa curva fechada, avistou um carro estacionado do lado direito da pista. Numa reação automática, desviou para a esquerda. Nesse momento, um homem fechando o zíper da calça começou a atravessar a estrada estreita. O estudante ainda fez um esforço frenético para evitá-lo, mas já era tarde demais.
Tudo aconteceu num relance confuso. Ele ouviu um baque angustiante ao atingir o homem com o para-lama dianteiro esquerdo. Parou o carro, rangendo os pneus, todo o seu corpo tremendo violentamente. Voltou correndo para o ponto da estrada em que o homem estava caído, ensanguentado.
Jonathan ficou parado ali, como se estivesse congelado. Acabou se abaixando, virou o homem e fitou seus olhos vidrados.
- Oh, meus Deus! - balbuciou.
Sentiu a garganta travar e a respiração ficando ofegante. Levantou os olhos, desesperado, sem saber o que fazer. Virou-se, em pânico. Não havia nenhum veículo à vista. Lançou um último olhar para o corpo do homem e voltou correndo para o carro. Não podia fazer mais nada por aquele pobre infeliz, se ficasse ali poderia ser pego pela polícia e seria acusado de direção perigosa.
Iria preso!
O para-lama dianteiro esquerdo estava amassado e sujo de sangue. Ele se apavorou. Tirou a jaqueta que usava e tentou limpar a mancha. Fez o melhor que pôde.
Jonathan partiu.
No restante do percurso até a casa dos pais, onde passaria férias, o estudante não parou de olhar pelo espelho retrovisor, esperando avistar a qualquer momento a luz vermelha e azul da viatura da polícia, ouvir o som da sirene e um policial pedindo para ele encostar o carro e descer. Depois o levarem preso por assassinato.
Mas nada disso aconteceu.
Ele chegou na casa dos pais e saiu do carro.
- Jonathan, querido, você demorou para chegar. - disse sua mãe, lhe abraçando. Ele teve que fazer um grande esforço para esconder seu nervosismo.
O pai do jovem estava de pé na entrada da casa.
- Vai deixar o carro aí fora mesmo, filho? Coloque na garagem - disse ele.
- Mais tarde... pai.
O estudante olhou para o para-lama. Ele e os pais entraram para dentro de casa. Jonathan correu para seu quarto e se trancou. Relembrou do terrível acidente e começou a chorar. Quando abriu os olhos, percebeu que tinha pego no sono e a noite havia passado, mesmo sabendo que naquela época do ano o sol brilhava nas 24 horas do dia e nunca era noite de verdade, sentiu o coração batendo descompassado. Olhando pela janela do quarto, não viu o carro estacionado na frente da casa. Ele entrou em pânico. O estudante foi correndo até à garagem e encontrou o pai do lado de seu veículo. A boca ficou tão seca que ele mal conseguiu falar.
- O que o senhor está fazendo, pai?
- Limpei o sangue no carro - informou ele. - Deu uma batida e tanto, o que aconteceu?
Jonathan franziu a testa.
- Como assim?
- O amassado no carro, filho.
O rapaz olhou para o para-lama e respirou fundo.
- Eu... atropelei um veado na estrada, pai.
- Teve sorte de não haver mais danos, filho. Vou pedir para consertarem o amassado.
- Obrigado, pai.
Jonathan sentiu que o pai o observava ao sair da garagem.
Quando o estudante voltou para dentro de casa, encontrou a mãe assistindo uma reportagem na televisão. Seu coração disparou e parecia que iria saltar de dentro do peito. A reportagem falava do atropelamento que ele provocou na noite passada.
- Era só um garoto, tinha a mesma idade que você, Jonathan - disse sua mãe. - Só dezoito anos. - A mulher encarou o filho com uma expressão acusadora. Ou seria a imaginação dele?
O estudante começou a soluçar baixo e uma lágrima escorreu por seu rosto. Segundo a reportagem, a polícia pedia informações a qualquer um que pudesse oferecer pistas para descobrir a identidade do atropelador. Jonathan viu em sua mente o rosto do morto. Ele correu para seu quarto. Foi até o espelho do banheiro. Tinha o rosto pálido e contraído.
2.
Jonathan acordou gritando, o quarto estava extremamente gelado, o lugar mais parecia um frigorífico. Ele olhou para a janela, estava aberta, e a figura de um homem ensanguentado encontrava-se de pé encarando-o de maneira acusadora.
Seus pais entraram no quarto assustados. Sua mãe foi correndo fechar a janela. A imagem do homem havia sumido.
- Jonathan, querido, você está bem? - perguntou ela.
- O que aconteceu, filho? - a voz do pai saiu embaçada.
O rapaz só chorava enquanto abraçava os pais.
- Você está tremendo todo - disse sua mãe. - Vou buscar um chá. Fique com ele, querido.
- Vai ficar tudo bem, filho - disse o pai. - Depois precisamos conversar sobre o carro.
Jonathan ficou paralisado.
- Como... como assim, pai?
- O carro está sendo consertado, levei essa manhã para a oficina do Charlie. Precisamos ligar para a seguradora depois meu filho.
- Não, pai, por favor!
O estudante viu a surpresa estampada nos olhos do pai.
- Tudo bem, depois falamos sobre isso, querido.
3.
Mais tarde naquele mesmo dia, Jonathan observava da janela do quarto a neve caindo lá fora. Era um dia perfeito. O sol tingia de rosa as nuvens no horizonte, e raios de luzes coloridas corriam pela rua, parecendo uma aurora boreal no chão.
O celular do estudante tocou. Era um número privado. Ele fitou o aparelho, surpreso.
O rapaz atendeu o celular.
- Alô?
- Olá, Jonathan - disse uma voz metálica, desconhecida - Você me matou.
O estudante pulou da cama de repente, assustado, com o temor de ser capturado. Percebendo que tudo não havia passado de um terrível pesadelo. Ele olhou para o celular em cima da mesinha-de-cabeceira e começou a tremer. A imagem do acidente veio em sua mente bem nítida, causando choque. Seu coração batia forte, e ele sentia uma onda de vertigem. Ficou parado, depois sentou na cama, enquanto tentava recuperar o fôlego. O rosto de Jonathan era uma máscara de desespero.
Ele não podia mais suportar guardar aquele segredo sozinho. Aquilo estava lhe matando, precisava contar a verdade para alguém, talvez os pais, mas não sabia como eles iriam reagir ao saber da notícia.
4.
Jonathan parou o carro no acostamento. Houve uma agitação e ele virou-se para ver o que estava acontecendo. Dois policias desceram da viatura e avançaram em sua direção.
O coração dele disparou. Um dos policiais perguntou:
- Você é Jonathan Daniel Mackenzie?
- Sou, sim.
- Está preso pelo assassinato de William Martin.
- Não! - ele gritou. - Não tive a intenção de matá-lo! Foi um acidente! Por favor! Por favor! Por favor...!
Jonathan acordou em pânico, o corpo tremendo. Era um pesadelo recorrente. Ele queria desesperadamente contar a verdade para os pais, não suportava mais guardar aquele segredo sozinho. Saiu correndo do quarto e encontrou a mãe sentada na sala assistindo TV.
Jonathan estava chorando.
- Não pude evitar, mamãe. Ele estava atravessando a estrada bem na minha frente - disse ele aos prantos. - Foi acidente, eu juro.
- Não diga mais nada, querido - disse sua mãe, o abraçando. - Tenho certeza de que não foi culpa sua, meu anjo.
Durante algum tempo, Jonathan contou para sua mãe todos os detalhes do terrível acidente.
- Oh, Deus, querido, não se preocupe meu bem, nada vai acontecer com você. Isso será um segredo nosso.
A mulher manteve o filho nos braços por um longo tempo, até que esse se acalmasse e adormecesse.
5.
A primeira carta chegou três dias depois do acidente, e deixou Jonathan abalado e com medo. Ela continha uma mensagem enigmática e ao mesmo tempo ameaçadora, que deixou o estudante intimidado:
" Eu sei o que você fez, sei do homem que matou na estrada. Confesse seu crime e pague por ele! ".
Não tinha assinatura. Havia sido confeccionada com tiras de palavras retiradas de revistas. Em anexo, havia um recorte de jornal sobre o acidente.
Jonathan leu a carta muitas vezes naquele dia. A ameaça era clara. Ele estava angustiado em relação ao que fazer. Procurou a mãe e contou do ocorrido.
- Foi um acidente! - disse ela, procurando acalmá-lo. - Ninguém pode culpar você, eu não vou permitir isso, meu filho.
6.
Quando Jonathan foi buscar seu carro na companhia de seu pai na oficina de Charlie, naquele mesmo dia, o jovem notou que o mecânico o olhava com uma expressão estranha. Ou seria a imaginação dele?
- Foi um pouco trabalhoso, mas o carro ficou como novo, garoto - disse ele. - E o amassado ninguém nem percebe mais, é como se nunca tivesse acontecido. É curioso. Um veado deveria ter causado um dano muito maior.
O coração de Jonathan bateu acelerado. A boca ficou tão seca que ele mal conseguiu falar.
- Era... um veado de pequeno porte.
Charlie balançou a cabeça.
- Deveria ser mesmo um veado bem pequeno.
Jonathan sentiu que ele o observava ao sair da oficina na companhia do pai.
7.
Quando Jonathan entrou em casa com o pai, seu amigo de infância, Rick, lhe aguardava.
- Olha quem veio lhe visitar meu filho - disse sua mãe.
O estudante ficou paralisado.
- Rick... quanto tempo não nos víamos.
- Uns dois anos, Jonathan, eu imagino.
O estudante viu a surpresa misturada com o rancor estampadas no rosto do pai. Lembrou no mesmo momento do passado, de como ele e Rick se amavam e como tudo terminou de forma caótica por conta do preconceito do seu pai em não aceitar sua opção sexual e a fraqueza do mesmo em enfrentá-lo.
Os pais de Jonathan foram para o quarto, deixando os amigos sozinhos. Nesse momento, o estudante percebeu um envelope suspeito sob a mesa de correspondência da família com seu nome. Ele ficou olhando o envelope, imóvel, por um bom tempo. Não havia remetente.
- Algum problema, Jonathan? - perguntou Rick.
- Não, Rick.
Jonathan abriu a carta com os dedos trêmulos.
" Eu sei o que você fez, sei do homem que matou na estrada. Confesse seu crime e pague por ele! ".
Não havia assinatura como da outra vez. Jonathan encarou Rick. Será que foi ele?, pensou.
Rick viu a expressão de desconfiança no rosto do amigo.
- O que foi? - perguntou ele.
- Não foi nada - respondeu Jonathan.
8.
Naquela mesma noite, ao entrar no quarto, Jonathan estava atordoado por conta da nova carta que recebeu. Confiava na mãe, mas precisava contar do acidente para seu pai também, apesar do passado conturbado que tiveram por conta da sua homossexualidade, e só estarem se acertando tem pouco tempo.
Jonathan saiu do quarto. A casa estava silenciosa. Caminhou até o quarto dos pais e entrou sem bater na porta. Naquele horário o pai deveria estar na cama lendo o jornal pela milésima vez como faz todos os dias e a mãe provavelmente tinha saído para fazer alguma obra de caridade na igreja da cidade como era costume.
Jonathan parou surpreso. Sua mãe estava na cama recortando palavras em uma revista e colocando em uma folha de papel. Ela era a autora das cartas misteriosas que ele estava recebendo.
- Por que a senhora está fazendo isso comigo, mãe? Pelo amor de Deus, por quê? - a voz de Jonathan ressoava de angústia.
- Foi culpa sua.
- Não! Já contei... foi um acidente! Eu...
- Não estou falando do acidente, mas de mim e do seu pai. Ele está querendo se separar de mim por achar que eu seja culpada por você ser gay, Jonathan. Você se entregando pra polícia meu filho, seu pai vai ficar comovido com a situação e não vai querer ir embora.
Foi como se sua mãe o tivesse esbofeteado.
- A senhora não pode está falando sério. Isso que está tentando fazer é uma loucura, uma monstruosidade. Eu...
- Pare e pense, Jonathan. Se você for preso, seu pai vai ficar sensibilizado com a situação e vocês dois podem se entenderem como antes...
- Chega! - berrou o jovem. - A senhora está louca em me pedir uma coisa dessas. Eu contei do acidente, confiei na senhora, mãe.
O estudante estava pálido. Ele respirava com dificuldade, tentando recuperar o controle.
A mulher tentou abraçar o filho, mas o jovem se afastou para o lado e deu dois passos para trás. Nesse momento, Jonathan viu a arma do pai em cima da cômoda. E de repente um sorriso lento e maníaco iluminou o rosto do estudante.
Quando o pai de Jonathan entrou em casa, ouviu o som de tiro no andar de cima que pareceu ecoar para sempre.
Tema: ESTRADAS.