O medo de sempre
O dia está bonito, mas não há passarinhos cantando, nem crianças brincando ou meninos jogando bola, nada de velhos tomando sol na praça, nem moças conversando no portão ou rapazes andando de bicicleta e as moscas não zunem em cima dos cocos de cavalo.
Igreja fechada, murmúrios de orações escapando pelas frestas das janelas e os cães se esconderam de rabo entre as pernas.
Eu andava pela rua como se fosse o dono do mundo e pensava como a vida dessa gente é difícil. Tanto sofrimento, trabalho, frustração, agonia, presos ao mesmo medo de sempre.
Já vi eles matando uns aos outros por prazer, por raiva e até por engano. Já vi gente morrer sem ninguém para segurar sua mão e casais jurarem amor e se traírem num piscar de olhos. Já vi uns baterem em um e um bater em alguns e já ouvi choros derramando desespero no escuro.
E vendo esse céu azul, essa gente escondida, murmurando orações de socorro, me pergunto por que não vejo eles se abraçando como amigos ou comemorarem o aniversário de casamento felizes da vida ou uns ajudarem aos outros sem pedir nada em troca? Ou será que não percebo?
As horas voaram e quando só eu e ele enxergamos bem, caiu uma névoa gelada e os cães começaram a uivar. Sua sombra enorme, vacilante, apareceu. Saí da frente em atitude de respeito e vi os mesmos olhos odientos de sempre num rosto de cadáver.
Horas depois ele passou de volta com os lábios vermelhos e pingos de sangue na gola da camisa encardida. Estava mais jovem, bonito e forte. Alçou vôo e a neblina se dissipou lentamente e os cães pararam de uivar.
A noite estrelada será de velório e amanhã haverá funeral.
Não sei por que dizem que dá azar me ver numa sexta-feira treze! Hoje ninguém me viu e todos tiveram azar.
Mas sou apenas um gato preto e minha opinião não conta...