GATILHO – CLTS 20

— Olha aí, a polícia tá atrás de ti! Corre, mano, corre!

As barulhentas risadas e o som alto da televisão não iriam gerar nenhuma reclamação na casa de Caio, ponto de encontro para os amigos que queriam matar um pouco de tempo após a escola. Era uma quarta-feira qualquer de agosto, todos os adultos da casa e da redondeza encontravam-se em seus empregos, tornando qualquer algazarra permitida entre os três jovens que se divertiam com o controle do videogame em mãos.

— Tá, Abelão. Tá tempo demais jogando GTA! Larga esse controle e vamos voltar pro FIFA, para eu ganhar de novo de vocês!

— Não viaja, Lucio! Ganhou a última só porque escolheu a apelação do Barcelona. Tu sempre foi “bitch” do Ronaldinho Gaúcho que eu sei!

— Tá maluco?! Fala isso de novo para ver se não te quebro! Te dou uma bomba na cara que tu voa pro terreno baldio ali de trás!

— Nem tenta, Lucio! O Abelão te esmaga se quiser — inflamou Caio, entrando na brincadeira.

— Pode vir bater de frente também, Caio! Mas agora estou falando sério, sem palhaçada. O Abel tá se achando o criminoso jogando esse jogo, tá viciado. Vamos jogar outra coisa!

— Eu sou do crime, rapá — tirou sarro Abelão — Conheço a quebrada, não preciso aprender nada com GTA, não.

Toda aquela conversa gerou uma ideia em Caio. Cerca de um ano atrás havia descoberto sem querer no quarto dos pais uma coisa que poderia impressionar os amigos. Nunca havia mostrado a ninguém, ainda. Deixou os outros dois em seu quarto, entrou no cômodo do casal e abriu uma das gavetas no móvel ao lado da cama.

Evitando causar qualquer mudança de objetos que pudesse incriminá-lo aos pais, delicadamente retirou uma urna de madeira clara e a repousou no colchão. Ao abrir a caixa, a luz refletiu forte sobre o metal do revólver.

— Aí, rapaziada! Se liga só em quem é o chefão do crime agora — Caio anunciou ao retornar ao quarto, fazendo pose com o objeto.

— CA-RA-LHO! De onde tu tirou isso?? — Os olhos de Lucio reluziam em curiosidade. Um sorriso escapou por seus lábios. Abelão pausou o jogo e arregalou os olhos ao virar o corpo para trás e perceber a surpresa.

— É nosso — se gabou o dono da casa —, na verdade é do meu “velho”…mas tô tomando coragem para pedir para ele me ensinar a atirar.

— Eu…eu posso…?

Lucio nem precisou terminar a frase para que Caio entregasse a arma em suas mãos — Cara, é bem mais pesado do que eu imaginava…

— Poxa, ficar andando com isso aí para lá e para cá não dá cadeia, não?

— Com catorze anos, Abelzinho? Claro que não. A gente tá dentro de casa.

— Fica tranquilo, só queria mostrar para vocês — Caio recolheu em suas mãos o revólver —, e outra, não tenho planos ainda para assaltar ninguém. Tô bem de vida.

— Achei que tu fosse “do crime”, Abelão! Tá se cagando por causa da arma, é? — Existia uma malícia na zombaria de Lucio. Ele não perderia a oportunidade de zoar o colega.

— Idiota. Vou voltar a jogar que eu ganho mais.

Caio riu mais uma vez — Vamos ficar nos assaltos dentro do jogo, cara! Mas já dá para ir ensaiando. Imagina chegar na padaria assim: “Hey Motherfucka, a gotta a gun and…”

O menino seguia o gesto dos “gangsters”, a arma posada de lado quando um estrondo ensurdeceu os quatro cantos do quarto. Lucio por reflexo tapou com as mãos os dois ouvidos, um grito esganiçado fugiu da garganta de Caio pelo susto. A cabeça de Abelão chicoteou no ar com o corpo pesado encontrando o chão.

— Aí, não! NÃO!

O braço de Caio desabou ao lado do corpo. O objeto que ele segurava parecia pesar cinco vezes mais naquele segundo.

— Meu Deus! MEU DEUS! — o som do disparo ia se dissipando no ar, e aos poucos eles conseguiam escutar um novo ruído, baixo, originado do rosto escondido do colega no solo. Lucio se debruçou sobre Abelão, desvirando seu corpo para que o rosto ficasse voltado ao teto. A visão que acompanhou aquele momento fora mais aterradora que o disparo anterior: uma região entre o olho direito e a têmpora do garoto estava completamente aberta, fazendo de seu rosto uma tela em vermelho viscoso, escuro. O olho intacto lacrimejava, demonstrando a expressão de medo mais genuína que aqueles dois meninos já tinham presenciado em suas curtas vidas. O peito da vítima arfava sem ritmo, o ruído baixinho se amplificava a cada aspiração cheia de sangue. Caio sentia as pernas amolecerem, sentia um grito atravessado na garganta e a vontade súbita de desaparecer. Vontade de que a terra lhe cobrisse por inteiro.

— O que…o que aconteceu…?

— Calma, Caio! A gente consegue sair dessa, ok? Mas primeiro eu preciso que tu se acalme!

— Lucio, ele tá…ele morreu?

Os engasgos de Abelão estavam mais intensos. Lucio saiu de perto do corpo, parecia querer buscar o ar para pensar melhor.

— Primeiro: coloca essa arma de onde tu tirou. Que horas os teus pais voltam?

— Eu não queria…não era para isso…

— ESCUTA, AQUI! Vai dar tudo certo, ok? Confia em mim! Cê confia, não confia? — Lucio envolveu os ombros de Caio com as mãos, os olhos fixos aos do colega — A gente precisa limpar isso, e nada de ruim vai acontecer com a gente. Mas eu preciso que você confie em mim…

Todo o resto do quarto parecia desfocar em volta da convicção de Lucio. Os espasmos de Abel, mesmo que horrendos, pareciam naquele momento acontecerem a uma distância segura dos dois.

***

— Oi mãe. Tudo bem? Sim, sim, já estava acordado há um tempinho. Recebi aqui as duas caixas. Eu ainda não consegui abrir e olhar tudo, mas tem certeza que vocês…que você, quer doar isso para mim?

Uma manhã morosa se apresentava, muito tímida, pelas janelas do pequeno apartamento. A ligação de telefone com a mãe tinha contornos burocráticos desde sempre, mas a apatia e formalidade pareciam mais evidentes desde o falecimento do pai. Os dias pareciam iniciar sempre da mesma forma para Caio: a sequência de uma noite mal dormida, regida de pesadelos sem muito sentido. Na última, os sonhos contavam uma história em que ele não conseguia encontrar o pai para que conversassem, pois, seus dentes caiam da boca progressivamente. Não queria sair de casa até que as quedas parassem. Ainda sentia o gosto ferroso de tão real que havia sido o pesadelo.

Era dia de semana e a falta de um emprego permitia que tivesse todo o tempo do mundo para desvendar o que haviam lhe oferecido dos antigos pertences do falecido. Nem todo o tempo do mundo, na verdade, já que no final da tarde estava combinado que o filho viria para passar os dias seguintes com ele — segundo a ex-companheira, poderia ser um estímulo para que ele "saísse da fossa”.

Era isto: ver o que podia aproveitar das caixas e depois arrumar o quarto para que o filho pudesse dormir. As noites no sofá nunca pareceram tão ruins para Caio.

A primeira caixa — a mais pesada — continha uma série de objetos de valores emocionais para os dois, principalmente as dezenas de CDs e até alguns discos. Entendia que para a mãe faria mais sentido o filho único guardar aquilo do que ela. Na segunda caixa, havia algumas roupas que ainda estavam em bom estado. Aos trinta anos, Caio apresentava o tipo físico mais próximo ao pai. Paletós, casacos, alguns suéteres, e escavando pelos tecidos tocou em algo de textura dura. Precisou olhar duas vezes ao reconhecer a superfície de madeira que havia jurado nunca mais encarar a tantos anos.

Sentiu uma tensão tão grande ao reencontrar aquela urna que a cabeça latejava. Não entendia como aquela caixa fora parar nas doações, já que imaginava que os pais sequer desconfiassem que o filho sabia de sua existência. Os dedos inquietos abriram com facilidade e ali estava o mesmo brilho cromado. Apenas o objeto, descarregado. Esforçou-se para não vomitar.

Aquela situação não precisaria demorar muito para ser resolvida. Caio catou outra vez o celular para uma nova ligação para a mãe. Precisava entender o motivo do objeto estar em sua posse.

— Como assim você não colocou nenhuma caixa de madeira junto com as roupas? Não foi você? Ok. Quando eu tiver um tempinho, passo aí e devolvo. Como assim, “o que tem na caixa?” Oras, dentro tem o…bom, não importa agora. Eu mostro quando for até aí. Tchau.

A caixa aberta na cama invocava as memórias recalcadas de tantos anos. Ainda era difícil compreender com clareza os acontecimentos que sucederam seu último encontro com aquele revólver, embora ele tenha há muito optado por não remexer mais naquelas lembranças, nos sentimentos originados após aquele disparo.

Em vão. O disparo, o sangue, o medo mais uma vez estavam em primeiro plano em sua mente.

— Nossa, Caio! Você precisa cortar esse cabelo, dar um jeito nessa barba…vai ajudar a tirar essa aura de fracasso do corpo — a ex-namorada despejou seu ácido humor na porta do apartamento de Caio. Em seu colo, uma criança de cabelos cacheados se debruçava para alcançar os braços do pai.

— Muito gentil da tua parte me lembrar disso. Tenho que resolver algumas coisas ainda essa semana, mas isso fica na lista de prioridades.

— Segue dormindo mal?

Caio preferiu não responder à pergunta pela obviedade da resposta. Deu um beijo no filho antes de colocá-lo sentado no sofá — Cê tá muito ocupada agora? Eu precisava passar no banco rapidinho e…

— Se tiver algum doce na geladeira, eu fico mais um pouquinho com ele. Mas não esquece: esse final de semana ele fica com você, ok?

Desviando com rapidez dos transeuntes pela rua, os pensamentos seguiam em fluxo acelerado e voltados para o revólver. Antes da chegada do filho, a caixa foi realocada no topo do guarda-roupa, inalcançável para o pequeno ou mesmo para a mãe dele. Mesmo que sem munições, não queria o filho próximo àquilo. O mesmo cuidado que o avô dele deveria ter tido antigamente.

A porta giratória do banco acusou os objetos de metais que sua cabeça longe dali não o lembrou de retirar. Carteira, celular, chaves, apenas a mochila estava em sua posse ao falhar na segunda tentativa de entrar.

— Pode ser algumas moedas que ainda esteja na mochila, carregador de celular…dá uma olhada — orientou o segurança.

Na mochila ele havia depositado apenas os papéis necessários para sua pendência. Ao abri-la, foi acometido por um choque maior do que o sofrido naquela manhã. Entre os papéis e pastas, o revólver do pai repousava imponente.

O segurança encarava um paralisado Caio, aguardando sua indecisão em entrar ou não pela porta. Sem saída, virou os calcanhares e saiu apressado da agência, duvidando da própria consciência.

“Como foi que eu coloquei essa arma na mochila e saí com ela de casa? Onde é que EU estou com a minha cabeça?”

Ao voltar para a casa, a primeira coisa que fez foi revisitar o esconderijo da urna. Nada. Um estado de paranoia o consumiu por breves instantes: talvez sua ex tivesse a pegado, em um momento de distração dele? Seu filho de quatro anos teria escalado as prateleiras e remexido na caixa? Todas as acusações improváveis, mas que causavam o conforto de encontrar racionalidade naquele cenário.

Mais e mais sonhos intranquilos o acompanharam durante a noite. Mesmo encontrando um novo esconderijo, o revólver deu seu jeito de invadir seu repouso. Dessa vez em seus sonhos, o pai descobrira sobre o que aconteceu em sua própria casa dezesseis anos atrás, e um adolescente Caio era açoitado em um canto pelo homem raivoso, recebendo a cólera de seu julgamento em forma de danação, pragas vozeadas em línguas anteriores ao próprio homem.

Deitado no sofá, Caio abriu os olhos. No entanto, o peso de uma tonelada parecia lhe pesar o peito, o impedindo de levantar pela manhã. Inclinou o pescoço à frente para visualizar ali, novamente negando as regras do espaço ou tempo. Fora dos pesadelos, o revólver descansava sobre sua pele na altura de seu coração.

Medidas razoáveis já pareciam não terem forças naquele momento. Antes de levar o filho a creche, um enraivecido Caio podia ser visto de frente ao córrego da cidade, lançando em suas águas a arma, receptáculo de toda sua angústia. E assim, como uma provação de sua sanidade, sentiu a mesma machucar seu quadril ao se materializar em fixada no cós da própria calça ao chegar próximo a seu apartamento.

Ele ria sozinho diante dessa espiral de loucura que estava vivendo. Por que daquilo estar acontecendo com ele? Encontrou como seu único recurso discutir o assunto com um velho conhecido.

Após uma breve viagem a um bairro mais nobre, o portão eletrônico do condomínio fez um barulho alto ao liberar a passagem. Caio acompanhou com os olhos a chegada do rapaz vindo em sua direção que, mesmo em roupas para se vestir em casa, apresentava um certo toque refinado.

— Caio! Não acreditei quando o porteiro falou que era você me chamando! Quanto tempo, meu amigo?

— Como tu está, Lucio? Desculpe por aparecer assim do nada, é que eu me lembrei onde tu estava morando, mas eu perdi o contato do teu telefone e…

— Calma, não precisa se justificar! Eu até te convidaria para entrar, mas tá uma bagunça lá em cima. Conciliar o escritório e o doutorado não tem sido uma tarefa muito fácil, tá ligado? — Lucio sorria ao articular cada palavra, como se quisesse que o antigo colega o acompanhasse nas autorreferências depois de tantos anos distantes — Mas e aí, conta o que tu tem feito…

— Olha, Lucio, eu vou tentar não tomar muito do teu tempo. Acho que eu só posso conversar com você sobre “aquilo”, então

— ao ouvir essas palavras, Lucio se posicionou totalmente a frente de Caio, sua expressão ganhando um novo tom de seriedade — eu preciso saber se você tem sentido certas…

— Não tem o que sentir mais, Caio — suas mãos cercaram os ombros do outro da mesma forma que dezesseis anos atrás — a vida seguiu, a gente deu um jeito. Foi tudo uma merda, eu sei que foi…mas nós éramos crianças, que culpa VOCÊ tinha?

— Eu tenho enlouquecido com isso, cara — Caio já não conseguia segurar o nervosismo embargando a voz — eu sinto como se aquela arma estivesse me assombrando e eu preciso saber se é só comigo…

— A gente NÃO tem como conversar sobre isso aqui — mesmo que mantivesse a confiança, seus olhos rastrearam o perímetro, certificando que ninguém estivesse lhe escutando a não ser Caio — , façamos assim: tô com a manhã livre amanhã. A gente se encontra aqui na frente, toma um café e colocamos o papo em dia, beleza?

— Como assim? Cara, não dá pra gente levar isso que aconteceu na boa. Não mais…

— A vida seguiu, Caio! A minha! A sua! Se não fosse pelo meu plano, onde é que nós estaríamos hoje??!

— Eu sei onde EU estou hoje! Preso nessa situação há quase vinte anos! Mais da metade da minha vida sentindo esse cheiro que só eu sinto do Abel no terreno ali…

Lucio segurou os ombros de Caio de maneira mais incisiva, interrompendo sua fala e não perdendo a calma diante daquele descompasso. Caio viu no fundo da sua mente essa imagem que já experimentaram uma vez, ouvindo do colega “confia em mim, não confia?”.

— Chega. Amanhã, a gente vai tratar de tudo isso. Descansa e coloca a cabeça no lugar. Sei do que aconteceu com seu pai e sinto muito, isso mexe muito com a gente, mesmo. Eu te mando uma mensagem para combinar o horário, ainda tenho o teu número.

Caio sequer lembra como foi a despedida e em que momento Lucio subiu para seu apartamento. Em algum ponto da conversa, ele sentiu o bolso pesar e sabia que o revólver estava ali novamente, insistindo em estar em contato com seu “dono”. Tinha o pressentimento de que Lucio também percebeu a arma com ele.

O dia se passou e mais um embate no mundo onírico se desenvolveu. Desta vez, quem veio o assombrar eram duas figuras que nunca conhecera pessoalmente, apenas nos depoimentos que eram televisionados anos atrás. As imagens do pai e mãe de Abel, suplicando por notícias do filho desaparecido, tomaram forma em seu subconsciente prontos para interrogar o autor do disparo.

— Por favor! Vocês eram amigos, não eram? Você tem ideia de onde ele pode ter ido?

— Não, senhor. Eu só vi ele na escola.

— Mas meu filho falava tanto de você — o rosto da mãe de Abel se aproximava, o olho direito vazado como o do filho, gotejando sangue e larvas — talvez alguma pista, qualquer coisa! A gente precisa saber…

— Pai? — uma voz distante chamava. Talvez fosse Abel querendo pedir ajuda.

— Você escutou, não escutou? Meu filho precisa de mim!

— Abel! Onde você está meu filho?

Caio voltara a ser criança. Queria chamar pelo pai também. Que pelo menos alguém pudesse lhe proteger de tudo.

— Onde está seu pai, Caio? Quem te deu essa arma?

Não tinha mais boca para responder aos pais de Abel, gigantescos e ameaçadores a sua frente. Restava-lhe apenas os olhos para chorar.

— Pai…

— Ele me chama, Caio! Me diga, onde ele está?

— Diga, Caio! — As mãos enormes da mãe agora o arrastavam pelo chão, levando seu corpo em direção ao terreno atrás de sua casa.

— ACHE O NOSSO FILHO!

Seu corpo afundava na terra. As mãos dos pais de Abel o empurravam para acelerar o enterro.

— Pai, pai…acorda…

— TIRA AS MÃOS DE MIM!!

Caio voltou a ter boca. A ter o corpo livre. Ganhou a realidade e com ela a agora inseparável arma fumegava em sua mão direita. De frente para o sofá, um menino frágil, de cabelos encaracolados, levava as duas mãozinhas ao peito. Não conseguia nem chorar quando tombou ao chão. E assim, Caio chorou pelos dois.

O som do tiro e o grito de Caio — um grito que ele prendia sua intensidade há mais de dezesseis anos — gerou um abalo que despertou os vizinhos e moradores de outros apartamentos. Percebeu os passos aflitos pelo corredor, as luzes que se acendiam buscando clarear o que poderia ter acontecido. Percebeu a respiração decrescendo do peito de seu único filho.

De pés descalços, um atordoado Caio abraçava sua própria escuridão ao sentar-se no meio fio à frente do prédio. As palmas das mãos apertavam os olhos, não queria encarar mais ninguém à sua frente, mas sabia que sua penitência merecida estava a caminho. Não enxergava mais a arma, mas sabia que sua presença estaria incrustada nele. Talvez, tudo aquilo que estava vivendo nas últimas horas tenha sido uma manifestação do que seja o inferno: a perda de controle, o medo irrefreável, ou o desespero de não ser capaz de salvar o próprio filho e, — pior — descobrir que o mesmo instrumento que fez ele causar tantas feridas não era capaz de causar o mesmo nele próprio.

As pessoas ganhavam a rua para ver com os próprios olhos o assassino. Caio pensou em Lucio e no café combinado entre os dois. Infelizmente, ele estaria impossibilitado de cumprir o encontro. Se quisesse saber o motivo, bastaria ligar o telejornal pela manhã para entender.

TEMA: OBJETOS AMALDIÇOADOS

Nunes Pedroso
Enviado por Nunes Pedroso em 17/08/2022
Reeditado em 28/08/2022
Código do texto: T7584516
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