MESA REDONDA DO TERROR (Republicação)

Joana observou discretamente o patrão quando se preparava para sair à noite. Passava das nove horas e eram habituais essas saídas noturnas dele, o que a deixava um tanto preocupada. Adolfo vestiu o seu casaco preto por cima do terno, olhou o relógio e ganhou a rua, não costumando falar nada para a empregada, que disfarçava um pouco de medo que sentia dele.

O casarão era desproporcional para apenas duas pessoas, o Dr. Adolfo, como era conhecido e Joana, que ali trabalhava há pouco mais de dez anos, sendo de inteira confiança, desde os tempos de d. Guilhermina, a patroa que tanto estimava e que faleceu há cerca de seis meses. Com a morte da esposa de Dr. Adolfo, um homem rude e de atitudes um pouco estranhas, Joana pensou em se demitir do emprego, mas por determinação do patrão resolveu ali permanecer mesmo contra a sua vontade. De início se sentiu muito receosa vivendo naquele casarão, porém o tempo se encarregou de tranquilizá-la e até lhe dando coragem para continuar morando ali, já que seus parentes eram de longe e tinham suas vidas estabilizadas. Joana perdera o marido anos antes e o único filho que tinha vivia na Europa, visitando-a uma vez por ano.

Da janela do primeiro andar Joana via todo movimento da rua, inclusive a hora quando o patrão chegava, abrindo o grande portão de ferro com o controle remoto e estacionando o carro na garagem coberta. Raramente ele trazia uma mulher que subia e dormiam juntos, mas Joana nunca via essa mulher pela manhã. O patrão acordava, tomava o seu banho, fazia a barba e se dirigia para a mesa onde tomava o seu café da manhã sozinho, sob as vistas discretas de Joana, que jamais ousou perguntar pela visita. Arrumava o quarto dele diariamente mas nunca notou algo de anormal, apenas ficava imaginando como a mulher se retirava sem ser vista. Foi só após a morte da esposa que Dr. Adolfo passou a trazer mulher para o seu quarto, uma atitude que intrigava Joana, mas quem era ela para recriminar o patrão? Pelas vezes que ela contou somente umas dez ou doze e que nunca eram as mesmas mulheres. Com o passar do tempo a curiosidade foi aumentando e Joana decidiu fazer uma investigação, arranjaria um jeito de descobrir o que acontecia com as mulheres que chegavam com o patrão mas que não eram vistas saindo. Esperaria a próxima noite quando ele estivesse chegando e ficaria atenta.

Certa noite Dr. Adolfo saiu, eram quase dez da noite e fazia tempo que chegava sozinho. Nessa noite Joana teve uma intuição de que ele não chegaria sozinho e foi o que realmente aconteceu. Da janela viu quando ele chegou e estacionou o carro. Dele saiu uma mulher que o acompanhou até o quarto. Furtivamente e morrendo de medo Joana chegou bem próximo da porta do quarto de Dr. Adolfo e ouviu vozes dele da mulher, que pareciam bem animados. Saiu bem devagar e ficou na espreita até altas horas da madrugada, até quando finalmente o silêncio era total, o patrão indicava ter ido dormir. Só assim a empregada se recolheu aos seus aposentos para dormir.

Na manhã seguinte Joana acordou assustada com o patrão batendo na porta do seu quarto. Levantou-se e tratou de arranjar uma desculpa por ter dormido demais. Disse ter tido uma dor de cabeça, o que a obrigou a tomar comprimidos. Deu início a sua rotina enquanto o dono da casa seguia para a biblioteca da mansão, aguardando o café da manhã.

Passaram-se alguns dias dentro da normalidade, o patrão saía à noite depois do expediente na biblioteca e voltando sempre só. Certa manhã ele informou para Joana que precisava viajar mas não sabia quando voltaria. Arrumou a mala e partiu rumo ao aeroporto deixando o carro na garagem, preferindo tomar um táxi. Era a oportunidade que Joana tanto desejava para bisbilhotar o quarto do patrão. Passado algum tempo ela se dirigiu ao local, pois tinha a chave e precisava deixar tudo arrumado. Aproveitou para investigar nos mínimos detalhes, tapetes, quadros, guarda-roupas e tudo que fosse possível, alguma coisa encontraria, alguma pista ou passagem secreta por onde as mulheres sempre escapavam. Nada foi encontrado. Já ia saindo, desistindo da busca, quando um pequeno detalhe lhe chamou a atenção: do lado da porta de entrada existia uma estátua em tamanho natural que estava em posição diferente da que ela costumava ver e que sempre tinha o costume de limpar. Era a estátua de uma bela mulher com roupas íntimas toda em bronze e bem pesada. Observou atentamente, tocou e tentou empurrar mas a mesma não se mexeu. Procurou algum dispositivo que pudesse acionar um movimento e quando apertou o bico do peito da estátua ouviu um pequeno “clic”, porém nada aconteceu além disso. Instintivamente apertou o outro e apenas o “clic” novamente, mas quando apertou os dois bicos conjuntamente viu o guarda-roupas se afastar e surgir uma porta secreta. Correu para ver de perto e adentrou, soltando um grito de pavor. Ali estavam vários corpos bem vestidos já em formas de esqueletos em torno de uma mesa. Apenas dois ou três corpos ainda estavam com restos de carne humana, todos de mulheres. Joana quase caiu diante daquela cena fantasmagórica e resolveu deixar aquele lugar o mais rápido possível. Só deu tempo de virar-se e sentir um punhal cravando em seu peito. O seu patrão estava ali, diante dela, fazendo mais uma vítima que iria fazer parte da mesa redonda do terror.

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Este conto foi publicado em 16/08/2014 aqui no RL

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Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 01/08/2022
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