Bem-vindos à tribo

- Então, há uma tribo isolada vivendo naquelas montanhas? - Questionou o major Levente Pap para o antropólogo da Fundação, Alexander Boros, demonstrando pela primeira vez algum interesse nos relatos que o cientista fizera sobre seu trabalho. Trabalho que, aliás, estava para ser definitivamente interrompido por ele, em nome de interesses maiores e mais escusos.

- Sim, major - confirmou Boros. - Sabemos que estão lá por reconhecimento aerofotográfico, e também pelos relatos de outros índios contatados, que vivem no sopé das montanhas. A orientação da Fundação sempre foi para mantê-los no isolamento e respeitar seu território.

- Isso vai ter que mudar - afirmou Pap de braços cruzados, os olhos ocultos por trás de óculos escuros de aviador. - Há uma fortuna em minérios naquela região, e o governo assinou contrato com uma grande empresa australiana para fazer a extração. É injusto que o país deixe de usar recursos que poderiam ajudar dezenas de milhões de civilizados, para manter o isolamento de duas ou três dúzias de selvagens.

- Os selvagens, como os chama, possuem uma cultura, major. Pode não ser sofisticada e tecnológica como a nossa, mas deveria ser respeitada - opinou.

- Ela será respeitada quando demarcarmos uma nova área onde poderão viver, na planície - retrucou Pap. - Fale com seus índios contatados e convença a tribo das montanhas a descer voluntariamente... se eu e meu pessoal tivermos que fazer isso, talvez não sejamos muito diplomáticos na abordagem.

Boros fez um aceno de cabeça.

- Eu compreendo, major; mas há algo que talvez precise saber: os índios que vivem no sopé das montanhas dizem que os isolados foram para lá voluntariamente, não por medo do contato com a nossa civilização.

- O que quer dizer isso? - Pap franziu a testa.

- A história que circula aqui em baixo, é que eles preferiram se isolar para não causar mal aos outros homens.

Pap encarou o antropólogo por cima dos óculos e abriu um sorriso de desprezo.

- O que é isso, Alexander? Temos uma tribo isolada de malditos pacifistas?

- Eu não disse isso, major - replicou calmamente Boros.

O sorriso sarcástico ampliou-se no rosto bronzeado do militar.

- Pelo visto, vou ter que descobrir pessoalmente.

- Boa sorte, major - respondeu simplesmente o antropólogo, embora no íntimo desejasse exatamente o oposto.

* * *

- Como foi o contato com a tal tribo isolada? - Indagou o superintendente da mineradora australiana, milhares de quilômetros distante da selva, por telefone.

- Nada de extraordinário - replicou Pap. - Uns trinta ou quarenta índios seminus, vivendo na mata. Eu e os rapazes descemos lá de helicóptero; achei que iriam se assustar, mas certamente já devem ter visto helicópteros antes... só que não tão de perto.

- Vão aceitar sair, pacificamente?

- O intérprete explicou que nós lhes daríamos uma boa área na base das montanhas, perto do rio. Não pareceram muito interessados, mas nos convidaram para participar de um ritual de boas-vindas.

- Isso soa bem - avaliou o superintendente.

- Nem tanto - Pap fez uma careta. - Tivemos que aceitar que fosse feita uma tatuagem no braço, com uma tinta preta; é para que sejamos reconhecidos como parte do povo deles, segundo explicou o intérprete.

- Então, agora que você é um deles, que tal convidar seus parentes a desocupar a área? - Gracejou o superintendente.

- Eu vou voltar lá amanhã e propor exatamente isso - prometeu o major.

* * *

Mas na manhã seguinte, tanto Pap quanto todos os seus homens que haviam recebido a tatuagem ritual começaram a apresentar sinais de uma doença misteriosa, com dores pelo corpo e febre alta.

- Deve ser a maldita dengue - queixou-se o major para o médico do acampamento militar.

- Só vamos saber depois de feitos os exames - declarou o médico.

Alexander Boros, que estava de partida para a capital, onde entregaria o relatório final à Fundação, foi visitar o major na enfermaria de campanha.

- Soube que o senhor foi admitido na tribo, major - comentou, com uma expressão imperscrutável.

- Assim parece - Pap, tiritando e coberto de suor, ergueu o braço onde a tatuagem negra aparecia agora sobre uma mancha vermelha. - E você? Por que nunca quis experimentar a hospitalidade deles?

Boros esboçou um sorriso.

- Acho que o senhor terá bastante tempo para descobrir, major. Eu, no seu lugar e dos seus homens, voltaria o mais rápido possível para junto da sua nova família.

Pap engoliu em seco.

- Aparentemente, - prosseguiu Boros, já de saída - depois que se está infectado, a sobrevivência só é possível naquele ponto específico das montanhas. Boa sorte tentando explicar isso à empresa australiana de mineração...

- [14-07-2022]