CONTOS DE OUTONO/INVERNO. CAFÉZINHO COM UM ALIENÍGENA.
O guarda afastou a cadeira e colocou as botas sobre a mesa. A neve começou a cair, exatamente a meia noite. O rádio tocando Love Me Tender, do Elvis. Stuart acendeu um cigarro. O pôster de Marilyn Monroe na parede. O rádio amador quieto. O guarda bocejou. O rifle de pé no canto da guarita. Lembrou de Nancy, a namorada do Missouri. Há meses não se viam. Ele estava juntando uma grana pra dar a ela um anel de noivado. A garrafa térmica de café. A caneca de esmalte. Ele se virou. Parecia que alguém o espionava pela janela. Stuart pegou o rifle. -"Alto lá. Quem está aí?" Gritou e saiu da guarita. A lanterna acesa. Ele viu um vulto se perder na escuridão. Os rastros, pegadas na neve indicavam que alguém estivera ali. A base militar ficava a quinhentos metros dali. Vez ou outra algum soldado engraçadinho vinha lhe pregar peças mas aquelas pegadas não eram de botas militares. Era um pé enorme. -"Puxa, que susto!" Ele abaixou o volume do rádio. Olhos fixos na janela. Trancou a porta, por precaução. O rifle apontado pra janela. -"Melhor apagar a luz. Se alguém estiver lá fora poderei ver melhor com a luz da guarita apagada." O rádio amador chiou. Logo, uma chamada. -"Atenção, vigilantes. Pessoas ligaram para a polícia afirmando terem visto luzes no céu. Dizem ser objetos voadores não identificados." A comunicação cessou. -"Na escuta, central? Stuart, do posto 3." Nenhuma resposta. Stuart suspirou. O rádio voltou a funcionar. -"Stuart? Posto 3, chamou?" O rapaz foi rápido. A guarita ficou iluminada, de repente. Stuart deixou o rádio e saiu da guarita. Uma nave alienígena estava sobre a guarita, pairando com uma luz fortíssima. O guarda correu para dentro. -"Central? Urgente. Tem um...." O rádio ficou mudo. As luzes da guarita se apagaram. O relógio de Stuart parou de funcionar. A nave partiu num instante. Stuart estava aterrorizado. As luzes acenderam sozinhas. O rádio amador chiou. O relógio dele estava funcionando novamente. -"Meu Deus, o que é isso?" No dia seguinte, Stuart ouviu relatos, pelo rádio da cidade, que muitas pessoas afirmaram terem visto discos voadores na região. Outro turno de trabalho. A mesma guarita. A neve caindo. A escuridão lá fora. Meia noite. Stuart pegou a garrafa de café, após um cigarro. No rádio, as notícias da guerra do Vietnã. O movimento Black Power. Stuart se virou. -"Havia alguém na janela. Filho da mãe." Ele pegou o rifle e correu. As pegadas grandes na neve. O vulto. A base militar a frente. Uma cerca de arame farpado de dois metros de altura. -"Pare ou atiro." Gritou. O vulto pulou a cerca facilmente, caindo na área da base militar. Stuart abaixou a arma. O vulto se aproximou da cerca. -"Cheiro bom demais." O rapaz estava confuso. Esfregou os olhos, incrédulo. A criatura verde, de dois metros de altura, tinha três dedos enormes, uma cabeça grande e oval, olhos pretos e uma boca pequenina, quase imperceptível. -"Cara. Eu não acredito, sua voz está dentro da minha cabeça?" As luzes da base acenderam. Os canhões de luz. As sirenes. A criatura correu, entrando numa abertura de um contêiner. -"Saiam de perto da base ou morrerá. Saiam de perto da base." Anunciou o soldado, num megafone, na torre de vigia. Stuart voltou para a guarita. -"Que loucura. Era um extraterrestre? Devo estar sonhando!" Na manhã seguinte, o guarda Rodolph veio no jipe com o capitão Williams. -"Guarda Stuart? Recolha seus pertences. Essa noite, vai trabalhar no posto 32, em Springfield." Stuart concordou. -"Certo, capitão. Eu irei." O superior deu uma volta no setor de trabalho. Rodolph se aproximou. -"Alguém do exército, da base militar, deve ter ligado e pedido pra o tirarem daqui. Não podemos nem olhar para aquela base, Stuart. Springfield é longe, um deserto mas você se acostuma." Stuart sorriu. -"Eu vi a nave. Vi um extraterrestre, como os antigos guardas desse posto. Não estou louco." Rodolph tocou seu ombro. -"Muitos viram mas temos que fingir que nada vimos.
O exército e a NASA sabem da existência de alienígenas. Prefiro ficar quieto e manter o emprego." Stuart concordou. A noite fria. A neve. A moto de Stuart chegou ao posto. A base militar estava a quinze quilômetros dali. A cidade também. A floresta de carvalhos. A rodovia ali pertinho. A guarita cercada por um alambrado. Stuart ligou o rádio. Uma xícara de café, após um cigarro. Meia noite em ponto. Ele se arrepiou todo. Pegou o rifle com cuidado e apontou para a janela. -"Cara, vou mandar bala na sua cara feia." Um dedo grande bateu na janela. -"Cheiro bom. Eu ser amigo." Stuart estava com medo. -"Meu, você é um etê?!?! Vai embora. Pare de falar na minha cabeça." A porta se abriu. O alienígena estava frente a frente com Stuart. -"Me dá um pouco de café e vou embora, prometo." A criatura ergueu a mão. Stuart se comoveu ao ver os grandes olhos escuros em lágrimas. -"Ok. Só uma xícara. Entra aí." O guarda abriu a garrafa de café. A criatura pegou a xícara e a colocou na nuca." Stuart assistiu a cena. A criatura parecia sorrir, em êxtase. -"Eu pensei que a boca fosse na frente, nessa abertura." Os olhos da criatura brilharam. A pele assumiu um tom roxo. -"Muito obrigado, terráqueo. Na base militar não nos permitem tomar café. É como uma droga pra nós, venusianos." Stuart se admirou. -"Sempre achei que eram marcianos! Você disse base? A base militar americana?" Stuart sentou-se. -"Sim. Somos de Vênus, meu caro. Estamos há milênios nesse planeta e há décadas na base, construindo naves e foguetes para a NASA. Somos muito mais evoluídos que os terráqueos. Logo mais, daremos a vocês tevê a cores, internet, wi-fi, drones, telefone sem fio e a tecnologia 5G." Stuart riu. -"Quer dizer que toda tecnologia e avanços vêm dos alienígenas?" A criatura puxou uma cadeira. -"Elementar, meu caro Stuart. Ou seria Watson, como nos contos de Sherlock Holmes? Não por acaso, os deuses egípcios são alados!" Stuart estava estupefato. -"Você, não sente frio? Como soube que eu estava aqui?" A criatura estendeu a mão e a garrafa de café levitou. -"Telepatia. Lemos os documentos a distância, entramos nas mentes, tranquilamente. Estamos nos governos de cada país, auxiliando. Impedimos os políticos de exterminarem os humanos antes do tempo. Há alguns alienígenas chegando, de longe, de Órion e de Alpha Centauro. Alguns não são do bem e podem acabar com a raça humana. Quinze, quarenta quilômetros, pra nós é fichinha, sabe? Podemos jogar baralho, estou vendo um dentro da gaveta." Stuart abriu a gaveta e tirou o baralho. -"Será fácil pra me derrotar pois você pode ver minha carta, adivinhar minhas jogadas. Não vai ter graça." Sem perceber, Stuart embaralhava as cartas. -"Posso desligar minhas funções especiais. Não verei suas cartas, não vou ler sua mente. De onde venho não há malícia, trapaças, essas coisas que fazem de sua civilização... deixa pra lá." Stuart colocou o baralho na mesa. -"Quer fumar?" O alienígena fez careta. -"Tá louco? Isso aí faz um mal danado. Acaba com os pulmões, meu chapa. Daqui alguns anos será combatido o ato de fumar. Essas atrizes, galãs de Hollywood que aparecem fumando, como sinal de glamour e sucesso, estão com os dias contados, literalmente." Stuart distribuiu as cartas. -"Vamos jogar truco. Parece que você vê o futuro, não?" A criatura jogou um sete de paus na mesa. -"Certamente. É de lá que viemos. Somos viajantes do tempo. Em 69, os americanos vão até a lua. Se quiser viver mais e melhor, deixe o cigarro e pratique esportes. Você não quer que só Nancy conheça seus bisnetos! De Volta Para o Futuro, lançarão um filme sobre o futuro, viagens no tempo. Será aquele filme do carro, o professor. Será só uma amostra." Após várias partidas e a garrafa de café vazia, Stuart se preocupou. -"Como vai voltar a base? Não podem saber que esteve aqui." A criatura o acalmou. -"Não saberão. Meus amigos virão me pegar, com uma nave menor. Posso voltar outra vez?" Stuart consentiu. -"Claro, quando quiser. Adorei o papo, a companhia." Um clarão lá fora. Stuart viu a criatura sair. Segundos depois, a nave partiu, num instante. O dia amanheceu. Stuart parecia viver um sonho. Se beliscava pra ter certeza da verdade. Uma semana depois, a criatura voltou pra ver Stuart. -"Posso lhe ensinar xadrez, Stuart?" O rapaz estava diferente. -"Ânimo, rapaz. Não fale disso pra ninguém pois podem lhe prender, interná-lo num manicômio ou até matá-lo. Há mais mistérios entre o céu e a terra do que imagina a vossa vã filosofia." As visitas da criatura tinham se tornando menos frequentes. Stuart ficou possesso. -"Como assim? Você vai pra Vênus?" A criatura tomou uma xícara de café. Ele ficou imóvel, roxo, com os olhos brilhantes. -"Vou sentir falta desse café. Ah, sim. Fui transferido, meu caro. Somos militares, de certa forma. Estarei perto da minha família, isso é bom. Você foi um grande amigo, me ensinou muita coisa." Stuart estava comovido. A criatura colocou um cartaz sobre a mesa. Era um pôster de turfe, corridas de cavalos. -"Será um dia estranho para a nação. Um presidente, um tiro. John e Jaqueline Kennedy. Vai no Jockey Club e e aposte no cavalo 36, um pangaré. Ele vai ultrapassar todos os cavalos e vencer o campeonato nacional. Você ganhará sozinho e poderá dar uma boa vida a Nancy e seus filhos." Stuart estava imóvel, sem reação. A criatura saiu, após um clarão de uma nave iluminar o ambiente. Tempo depois, Stuart, fora do serviço de guarda, mal se lembrava de tudo. Parecia ter vivido um sonho. Estava confuso. No dia da morte de Kennedy, disse a Nancy que ia até a praça. Tinha que fazer alguma coisa mas não sabia o que era. Um garoto gritou, anunciando o grande prêmio de turfe. Stuart foi até o clube. A bilheteria. -"Cavalo 12, é o favorito. Marchador, árabe de origem. O 45 e 70 são bons. " Disse um apostador, sabedor da história e currículo de cada cavalo. -"Quero o 36. Cem dólares no 36." As pessoas olhavam incrédulas. -"Loucura. Esse cavalo teve a perna ferida em abril. Não tem linhagem." Tentaram demover Stuart de apostar naquele cavalo azarão. Mesmo assim, o número 36 não saía da cabeça de Stuart. O cavalo 36 saiu em último, comendo poeira. De repente, uma arrancada e a vitória do 36, o azarão. Stuart estava rico. Atualmente, Stuart e Nancy vivem em Miami, cercados de netos e bisnetos. O quase centenário Stuart não ficou nenhum pouco surpreso com as tecnologias atuais. FIM