Declarado morto
O local jazia repleto de curiosos querendo informações da polícia que isolara o corpo estendido de bruços no chão da rua movimentada sobre uma grande poça de sangue coagulado. Nos documentos analisados pelos investigadores constava que a vítima se tratava de Amaranto Nascimento Filho, 35 anos. Ele foi declarado morto no local, 10h00, após resistir a um assalto e sofrer três disparos de arma de fogo no peito esquerdo. Como a cidade não possuía Instituto Médico Legal (IML), o corpo da vítima teve de ser encaminhado até outro município, distante 270 km, para que fosse realizada a perícia.
De cara os policiais ficaram intrigados por não terem consigo contato com nenhum parente de Amaranto. Ele possuía os documentos pessoais, mas estava impossível localizar parentes da vítima.
Amaranto era engenheiro, solteiro e residia na cidade há dois anos, trabalhando em uma grande construtora, contudo, não tinha amigos. Vivia uma vida reclusa, jamais permitindo que ninguém se aproximasse. A empresa também não apresentou maiores informações sobre familiares do seu colaborador.
Enquanto isso, o corpo de Amaranto seguia em uma viatura do IML rumo a outra cidade. Em meio a solavancos da estrada asfaltada repleta de buracos, Amaranto, dentro de um saco preto, abriu os olhos. Sim, ele acordou.
As três balas que perfuraram o seu peito já haviam sido expelidas pelo corpo. Este jazia sem nenhuma marca ou cicatriz. Em perfeito estado de saúde. Amaranto abriu o saco preto e tentou enxergar ao redor. Estava muito escuro no interior do veículo. Ele permaneceu deitado na maca. Até o momento o engenheiro não sabia, mas apenas duas pessoas conduziam a viatura.
Naquele breve momento, Amaranto recordara de tudo, dos tiros, da dor e do rosto do agressor ao tentar assaltá-lo. Deduziu onde estava e lamentou:
- Aconteceu de novo – suspirou baixinho.
O carro chegou ao IML e fez a manobra para estacionar de ré, de forma a tirar a maca e encaminhá-la para o interior do prédio.
Ao abrirem as portas traseiras do veículo simultaneamente, o motorista e o seu colega de trabalho deram de cara com o homem que devia estar morto. Contudo, o sujeito estava ali, vivo, sentado, olhando pra eles, e ainda lhes falou:
- E aí, tudo bem?
Os dois giraram, colidiram um com o outro, bateram cabeça, gritaram e saíram correndo em direções opostas. Amaranto já esperava essa reação:
- O mesmo de sempre – disse balançando a cabeça negativamente.
Ele desceu da viatura e foi embora dali. Sabia que não haveria como explicar aquela situação, então teria de se mudar mais uma vez e também mudaria de nome, como fizera tantas vezes ao longo dos últimos 150 anos.
Estava cada vez mais difícil se esconder em um mundo com câmeras por todos os lados. Quando recebeu aquele dom do seu pai, ouviu que se tratava de um presente, mas há muito tratava a imortalidade como algo ruim. Quantas pessoas já vira morrer, partir, enquanto continuava se mudando e adotando novas identidades.
Recomeçaria a jornada, mas antes uma parada.
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Enquanto Caio chegava sua casa, tarde da noite, após mais um dia de crimes. Pensara sobre o homem que matara na manhã anterior. Não lamentava. Precisava de dinheiro para drogas. Azar do outro. Ao entrar no quarto, ascender a luz e fechar a porta, se deparou com Amaranto ali, e reconheceu imediatamente o rosto do homem.
Ele teve a boca abafada pela mão de Amaranto antes do grito e sentiu a lâmina fria da faca do imortal entrar-lhe no coração. Fechou os olhos e caiu morto. Amaranto partiu sem destino.