Aquilo que vem com a noite
Horácio Antunes era um homem muito forte. Todos naquele pequeno lugarejo nos confins de Goiás, todos que o conheciam diriam que Horácio Antunes era um homem também muito destemido e corajoso.
Naquela noite chuvosa e fria ele acordou assustado com os relinchos dos cavalos que estavam no estábulo. Com os relinchos e também com os urros de algum animal selvagem. Olhando para o lado na escuridão do quarto, Horácio percebeu o vulto da esposa,que também estava acordada. Quando ele fez menção de levantar, ela segurou-lhe a mão, pedindo-lhe baixinho para que não saísse. Horácio procurou acalma-la, dizendo que logo voltaria. Levantou-se rápido, pensando que podia ser uma pintada, e ele não estava disposto a perder nenhum de seus preciosos animais pra nenhum gato crescido.Então saiu do quarto e correu até a sala, onde vestiu a capa de chuva por cima da camiseta e da ceroula, calçou as botas que estavam ao lado da porta e pegou a lanterna e a espingarda que havia deixado junto à parede.
Abriu, saiu e fechou rápido a porta atrás de si. E ficou parado na varanda fustigada pelo temporal, ouvindo os relinchos de seus cavalos. E pensou que tinha alguma coisa errada, porque uma onça não conseguiria entrar no estábulo que ele mantinha sempre trancado durante a noite.
Horácio desceu os degraus e andou com passos largos pelo terreno enlameado até o estábulo cuja porta encontrou aberta. E não pôde deixar de estranhar isso porque uma onça não conseguiria entrar no estábulo, mas também não era um ladrão porque nenhum ser humano emitiria aqueles urros animalesco.
Preparado para disparar ao menor sinal de perigo Horácio aproximou-se da primeira baia e iluminou o seu interior onde um de seus cavalos agitava-se assustado. Com a arma preparada ele encaminhou-se para a segunda baia e ali também encontrou um de seus cavalos parecendo visivelmente nervoso. Fazendo mira com a espingarda, usou a lanterna para iluminar a terceira baia. E o que viu fez o seu coração disparar, arrancando um grito estranhamente afeminado daquela garganta.
Tomado de enorme pavor Horácio Antunes virou-se e saiu correndo de dentro do estábulo sem nem sequer tentar disparar a arma. Ele correu como se sua vida dependesse disso. E foi alcançado e derrubado quando estava á dois passos da varanda de sua casa.
Horácio sentiu quando presas afiadas como navalhas cravaran-se em sua perna direita e aquilo começou a puxá-lo pelo terreno enlameado até a coisa soltar sua perna e cravar os dentes em sua barriga, que foi por onde aquilo começou a devorá-lo. Suas entranhas foram devoradas enquanto ele ainda estava vivo, e o resto foi abandonado ali no meio do mato, pra servir de repasto aos animais selvagens.
Na casa silenciosa a mulher escutou quando a porta da varanda abriu e fechou e quando alguma coisa pesada começou a subir a escada. No escuro do quarto a mulher perguntou com voz assustada:
"Horácio? É você? Tá tudo bem?"
Não houve resposta.