Eu juro por minhas palavras

Era pra ser um dia de serviço normal. Era justamente meu décimo segundo dia de serviço. Estava como auxiliar de limpeza do Cemitério Portal da Paz, zona sul de São José dos Campos/SP.

De início considerava o melhor lugar do mundo para trabalhar.

Os mortos jamais voltariam a vida para nos atormentar. O chefe evitava nos repreender já que todo dia tinha uma família enlutada pelo ambiente, algo que o sensibilizava e muito. Ainda mais pela tradição vinda de seus pais: respeitar o dia de luto.

Era tão engraçado a sua repreensão. Chamávamos discretamente, fechava cuidadosamente a porta e bem atento para não ter nenhum enlutado a vista.

Suas repreensões eram em sussurros e finalizadas com um tapinha nas costas. Um obrigado dócil e carismático a suas contribuições.

Do nada a paz do serviço mudou. Nos primeiros dias dos terrores, nem suspeitei. Pensei ser qualquer coisa, menos alguma coisa do além.

Do nada, frios surgiram em plenos dias quentes e espalhavam as folhas secas das quais eu penava para varrer e ajuntar.

Por três vezes ouvi uns berros feios e horripilantes. Juro ter me sentido tornar um Edu da "Viagem Assombrosa".

Incrédulo, logo calculei ser um dos meus companheiros de trabalho.

Zé Dentada, o cara não tinha muito lá dos seus dentes, mas em compensação era cada coisa que aprontava. Isso porque eu não dava trégua.

O fim da picada foi o insistente "psiu! psiu!" que ouvi e quando cismei em atender, não encontrei ninguém a não ser um barulho forte de um retrato bem pregado no jazido cair. Nossa! A terra tremeu. O jazido não sofreu nenhuma alteração com a queda.

Persisti em não querer acreditar nas coisas do outro mundo, enfim, ao pegar o retrato caído sobre o próprio jazido... Deus me proteja! Que objeto pesado. Eu com os meus onze anos de academia, um metro e oitenta e quatro centímetros de altura, noventa e sete quilos, juro não ter aguentado em apoderar de temível objeto. Achei impossível aquele ser de doze quilos e aproximadamente trinta centímetros por vinte e um de lado, vencer-me no peso.

Leigo ao fato, chamei um dos meus colegas para me ajudar. Veio Loucivaldo, um magrelo e alto, lá pela casa dos cinquenta e sete quilos, sem bunda, sem perna... dava até dó de ver a larga roupa tamanho g, sacudindo sobre o castigável corpo dele. Não era a toa que o chamavam pela escondida de João Bobo.

Chegou, justo ao momento que me agachei para limpar a sujeira da qual nem percebi e acabei cometendo devido ao susto da queda do quadro.

João Bobo me surpreendeu. Quando levantei para o atender, o porta retrato já estava resposto e sobre o meigo cuidado sendo limpo pelo mesmo.

Agradecido, avermelhado apenas o agradeci, enquanto o mesmo, correspondeu-me com uma das palmas das mãos verticalmente exposta a minha frente.

Aquilo batucou-me o dia todo. Como ele fez isso? Como ocorreu isso?

Seria possível o cemitério realmente estar assombrado?

A partir daquela hora que não via respostas as minhas perguntas, senti uma terrível caganeira pelo menos umas cinco vezes. Em todas fui ao banheiro. Gelava-me ao entrar. Não tinha opção: socorrer-me e evitar de passar uma vergonha ao público ou dar de cara com qualquer ser do outro mundo?

Também não tive respostas. Finalmente o final do expediente chegou. Esqueci de avisar, no primeiro tempo livre que tive, corri a uma farmácia, comprei energético e dois fraldão. Naquele dia fui embora de fraldão. Não aguentava mais entrar no banheiro.

Numa das vezes que fui ao banheiro, parecia um ambiente tão movimentado. Era tanto " "Toque! Toque! Toque!”. Foi aí que apelei ao fraldão e energéticos.

Cheguei em casa e contei tudo a minha esposa.

A pele de neve ficou transparente. Os lindos olhos se esbugalharam. O charmoso cabelo arrepiou.

Foi ela que me arrumou esse emprego. Após esse assunto, ela me confessou coisas tenebrosas.

No dia seguinte, nem tive força de voltar ao trabalho. Pedi conta por endereço eletrônico e expus todo o caso.

A pessoa do outro lado da linha não deu muito crédito a minhas falas.

Jurei de pé junto estar sendo leal. Fui obrigado a estar pessoalmente no serviço para pedir demissão.

Fui. Cheguei. Procurei a pessoa que conversei. Ninguém a conhecia. A pessoa mais próxima da qual eu estava procurando, poderia ser um xará, que não trabalhava ali. Mas foi enterrada há uma semana mais ou menos. Morreu assassinada, fruto por ser fofoqueira e adorar cuidar da vida dos outros. Assustei. Soltei um peido tão ardido, que pensamos ser algum cadáver em decomposição. O IML era coladinho com o cemitério. Alguém foi averiguar. Que alívio. Só eu sabia que aquele odor veio de mim devido ao susto do momento.

Sai dali demitido e com a garantia de a poucos dias receber todos os meus direitos trabalhistas.

Passei na farmácia e procurei justamente o cara que me atendeu a um dia antes. Quase tive um baque. Há meses não trabalhava ali. Era o antigo dono e morreu poucos meses. Gelei. Comecei a ligar em detalhes de tudo o que aconteceu. Tim Tim por Tim Tim.

Pasmado jurei a mim mesmo, jamais passar próximo daquela localidade.

Descobri que Loucivaldo morreu há meses. Impossível um ser normal levantar sozinho o retrato do qual eu presenciei.

Virei piada. Meus existentes colegas do antigo trabalho alegaram que tudo do que vi, nada aconteceu. Deve ser algo do meu alto índice de cachaça. Nunca bebo durante os dias de semana. Impossível de isso acontecer. Pergunta a seus amigos e familiares sobre o que eles vejam quando bebem. Tenho meus vícios, mas também minhas lucidez.

Juro ser leal as minhas palavras.

escritor Rogério Rodrigues
Enviado por escritor Rogério Rodrigues em 12/06/2022
Reeditado em 17/06/2022
Código do texto: T7536177
Classificação de conteúdo: seguro