Gato protetor
Ao escutar um barulho que vinha da cozinha, Francisco interrompeu a leitura do livro que tinha entre as mãos, se levantou da cama e foi ver o que havia acontecido. Quando saiu do quarto, foi surpreendido por dois desconhecidos lhes apontando armas de fogo e mandando fazer silêncio. Francisco ergueu as mãos para o alto e obedeceu.
Os invasores avançaram em sua direção e um deles deu uma coronhada na cabeça com o gasto revólver calibre 32 que empunhava. Como a casa onde Francisco morava era pequena, seguindo o modelo americano de cozinha conjugada, ele cambaleou para trás e caiu na sala. Ele tentando ficar sentado, enquanto se afastava dos agressores. O sangue corria do alto de sua testa, onde a pancada havia sido desferida.
Francisco acabou ficando contra o sofá. Os dois não usavam máscaras e estavam ali para se vingar. Como era professor da educação básica, Francisco havia repreendido um dos seus alunos. Muitos o alertaram que o pai do menino era um criminoso, e que ele deveria se precaver. O professor se recusou a sentir medo ou tomar providências, ele deveria ensinar e, muitas vezes, ser rígido. Não acreditava que algo tão banal poderia resultar daquilo.
Os dois invasores, acostumados a furtos e agressões, avançaram dando chutes e mais chutes em Francisco que tentava se proteger com as mãos. Um deles escutou um barulho que vinha de trás e olhou. Era o gato de Francisco, batizado de Pain. Ele era amarelo e acabara de chegar ali na sala, sentando-se sobre as patas traseiras e inclinando a cabeça para o lado, como se quisesse entender o que estava acontecendo.
Ao voltar o olhar para Francisco, aquele que aparentava ser o pai do aluno repreendido, cobrou explicações do porquê dele ter repreendido seu filho, como se o garoto não fosse merecedor. Em seguida apontou-lhe a arma, preparando a mira como se fosse atirar. Com certeza estava alucinado pelo uso de alguma droga ilícita.
Antes de apertar o gatilho, o possível homicida sentiu patas gigantescas lhes envolvendo o corpo e puxando para trás, seguido de uma mandíbula lhe abocanhando o pescoço. Não teve tempo de gritar. Metade do seu pescoço foi estraçalhado. Ele foi solto, levou a mão ao local da dentada. O sangue jorrava do pescoço, olhos, nariz e boca, como se não tivesse fim.
Caiu morto.
A tudo, Francisco e o outro invasor olhavam atônicos. Diante deles estava um imponente tigre de bengala, animal típico da fauna do sudeste asiático, que, contudo, estava ali, na sala de uma casa brasileira, sem dar pistas de por onde ou como tinha ido parar naquele lugar.
O animal era gigantesco. Se pudessem medi-lo os dois saberiam que ele possuía 1,10m de altura e 3,10m de comprimento, da cauda ao focinho. Um animal magnífico.
O outro homem armado gritou, apontou o seu revolver, também um calibre 32, e atirou seis vezes contra o animal. As balas acertaram o tigre, mas não lhe penetraram a pele. Caíram no chão. Ele parecia ser de aço.
O felino avançou contra esse agressor, que não conseguiu esboçar reação. Aquele que havia invadido a casa, sentindo-se um predador, naquele momento, nada mais era do que um coelho. O tigre lhe rasgou a garganta também. Os felinos de grande porte geralmente atacam essa área do corpo das suas presas.
Francisco estava em choque. Além de muito machucado, sentia-se paralisado por causa da cena que testemunhara. O tigre foi em sua direção. Francisco entendeu que era a sua vez e logo estaria morto. Ao chegar junto do homem aterrorizado, o grande felino lhe deu uma cabeçada carinhosa, de reconhecimento, querendo saber se ele estava bem. Em seguida lambeu a ferida da sua testa e lhe deu uma nova e leve cabeçada. O animal se sentou sobre as duas patas traseiras.
O professor não acreditava naquilo. O animal estava preocupado com ele, e agora agia como um gato doméstico.
Num piscar de olhos, o grande tigre se transformou no seu gato, Pain. Que manhosamente subiu nas suas pernas e se alinhou no seu colo. Como sempre fazia.
Por um momento Francisco não soube o que fazer. No entanto, a dúvida se dissipou logo. Ele abraçou o gato carinhosamente e agradeceu: “Obrigado”.
Francisco havia encontrado Pain ainda filhote, na rua, há quatro anos. Ele estava quase morto. O coração do professor doeu ao ver o animal sofrendo. Pegou-o e o levou até o veterinário. Tratou muito bem do gato, que se recuperou e, a partir de então, lhe faria companhia, uma vez que morava só.
O professor não imaginava que ao acolher o gato abandonado, não estava apenas salvando uma vida, mas garantindo um protetor que o livraria de quem quisesse lhe fazer mal.