Assombração do Véu Negro
O ambiente aberto parecia irrompido por um véu negro. Seja a um metro de distância ou no máximo permitido aos olhos chegar: era apenas consentido fitar a escuridão, não existindo sequer uma fagulha de lume para incitar a formação da penumbra. Não despontavam obstáculos para refrear o caminhar a passos largos, ou correr impelido pelo medo. Não havia nada, o manto preto talvez tivesse drenado tudo, como se no fim das contas, não tivesse saído do mesmo lugar, tudo persistia apagado. Era impossível descortinar o cenário umbrático, desarvorar o breu enigmático.
Logo, linhas disformes passaram a estampar a escuridade. Formas e traços não chegavam a atingir nitidez, mas vinham carregados pela certeza de haver, sim, algo ali. Podia ser imaginação ou mesmo alguma espécie de poluição visual, até que um riso pavoroso, emergido da figura desmedida, inundou os ouvidos. Diante das trevas, é impossível debelar a escuridão, inútil lutar para se desvencilhar dela.
O gargalhar tornava-se mais estridente à medida que se aproximava, vogando morosamente em minha direção. Pelos contornos tracejados, as carrancudas maçãs do rosto eram bem salientes, adornadas pelas órbitas carcomidas, mais escuras se comparadas com o negro véu. Era uma figura morta, exibindo um semblante um tanto pávido, pelo rosto quase por completo desprendido do crânio, emoldurado por brancas mechas de cabelos esvoaçantes.
- Seria capaz de escalar até as mais elevadas masmorras do inferno para te pegar - asseverou a bruxa, uma voz compassada, marcada pelo timbre tíbio e perturbante.
- O que você quer afinal? – Indaguei, em sobressaltos inquietantes.
- Enfim, perguntou! Me retrate em uma de suas histórias. Ou irei te assombrar, voltarei para encomendar sua alma! – De maneira paulatina, a voz foi ecoando, a luminosidade passou a transfixar o véu, refletindo diante de meus olhos o começo de um novo dia.
Sem hesitar, ative-me logo a escrever para manter distante a assombração. Dará certo, afinal? Por enquanto, sim. Talvez... Apenas por enquanto!