1985 - CLTS 19.

by: Johnathan King

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Sinopse:

No cemitério de uma cidadezinha - e em plena luz do dia-, à terra tremeu, e uma mão esquelética saltou para fora agarrando o ar. Um visitante próximo assistia horrorizado enquanto um esqueleto humano se arrastava para fora do seu túmulo com seus trajes "de enterro", olhar vago e movimentos letárgicos.

"1985" narra a luta pela sobrevivência de um repórter e uma dupla de professores na fictícia cidade de Randol, no estado americano do Maine, durante um apocalipse zumbi. O texto é uma homenagem às histórias de terror do gênero, que ficaram muito populares em filmes trash de gosto duvidoso em meados das décadas de 1980 e 1990.

Tensão e adrenalina embalam o conto do começo ao fim. Boa leitura para todos!

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1985

Johnathan King

Prólogo.

A cidadezinha de Randol, no Maine, sofria um ataque brutal por parte dos mortos do cemitério local que voltaram das tumbas para aterrorizarem os vivos. O lugar estava uma confusão, as pessoas corriam desesperadas em todas às direções, procurando se salvarem. A carnificina se espalhou rapidamente por todas as partes como um rastro de pólvora, e, em pouco tempo, a cidade estava morta...

1.

Um odor acre pairava no ar. Era cheiro de morte. Os primeiros raios do alvorecer despontavam no céu com pequenos pontos dourados no horizonte, quando o repórter Tyler Romero despertou de uma noite mal dormida dentro da sala do editor chefe do jornal em que trabalhava. Ele fitou o teto por um breve momento, antes de se levantar. Caminhou até próximo à janela e contemplou o lado de fora. O caos nas ruas, lembrava um cenário de guerra, com sujeira e destruição por todos os lados. Carros virados como se tivessem colidido uns nos outros. Havia marcas de incêndios recentes em vários deles.

Aquele era o segundo dia do apocalipse zumbi na pequena Randol, cidadezinha que ficava no meio-oeste do estado do Maine, e vivia basicamente da agricultura e da pecuária. Após um acidente com um caminhão tanque do exército, resíduos químicos acabaram vazando próximos do cemitério da cidade, e quando o produto entrou em contato com o solo reavivou os mortos do lugar. Do final da tarde até às primeiras horas da noite, Randol virou um inferno.

Tyler caminhou até a porta da sala. Uma mesa impedia o acesso para o lado de dentro. Ele a removeu, liberou a passagem e se deparou com um grupo pequeno de zumbis andando pelos corredores. O repórter fechou a porta e encarou a própria imagem no espelho. A barba estava por fazer. As olheiras escuras denunciavam que havia tido uma péssima noite de sono, o fazendo parecer mais velho. Estava trancado naquela sala há quase 24 horas, com fome e sede.

2.

Os professores Andrey George e Rebecca O'Bannon se encontravam sitiados na escola primária de Randol por mortos que andavam e comiam gente, desde o final da tarde e começo da noite de ontem, quando teve início o apocalipse zumbi na cidade. Começaram em um grupo pequeno de vinte pessoas, entre professores e alunos. Agora eram só os dois contra os monstros lá fora. Toda a infraestrutura da cidade havia entrado em colapso, impossibilitando assim que os moradores de Randol se comunicassem com o mundo exterior pedindo ajuda.

Andrey caminhou até a porta do refeitório, onde estava escondido com Rebecca, girou a maçaneta com cuidado evitando fazer barulho. O corredor estava escuro e alguns mortos-vivos transitavam de um lado para o outro. Rebecca puxou de dentro do bolso do casaco uma fotografia dela com a mãe. Andrey se sentou ao seu lado e lhe abraçou e, em seguida, a professora deixou as lágrimas escorrerem livres.

3.

Tyler foi até a janela e olhou para baixo na rua e em todas as direções, a procura de uma saída segura, porém os mortos vagavam de um lado a outro, sem destino certo. O repórter parou e pensou, não podia mais continuar preso dentro daquela sala sem água e comida, ou acabaria morrendo de fome e desidratação, se tornando depois uma daquelas coisas lá fora. Ele resolveu arriscar, quebrou o pé de uma cadeira deixando a ponta afiada, lembrando uma lança. Respirou fundo e abriu a porta da sala. Caminhou na direção da saída, onde uma recepção de boas-vindas esperava por ele. Os mortos-vivos se viraram em sua direção e se lançaram para cima dele.

Tyler levantou o pé de cadeira em forma de lança na direção da cabeça dos zumbis. Os dois primeiros corpos desabaram no chão feito sacos de batatas. Ele levantou outra vez a arma de madeira improvisada e investiu um novo ataque. O que restou na entrada do jornal foram corpos inertes e o chão banhado de sangue negro e apodrecido. Em seguida, Tyler chegou no estacionamento, onde estava concentrado o maior número de zumbis. Ele ficou impressionado com a quantidade de mortos-vivos em um só espaço e, nesse momento, o medo despertou dentro dele. As mãos tremeram e o corpo vacilou entre seguir em frente ou dar meia volta.

Tyler se esforçou para se manter firme e recuou alguns passos. O repórter colocou a mão no bolso direito e apertou firme a chave do seu carro, inspirou e afastou de si a apatia provocada pelo medo.

4.

O som de vidro quebrado despertou a atenção de Andrey e Rebecca, que correram até uma das janelas do refeitório para olharem de onde veio o barulho. Alguns metros adiante, dois alunos estavam descendo por uma janela utilizando uma espécie de corda improvisada feita com suas roupas. Os professores gritaram para eles e fizeram sinal com os braços até serem notados.

Os dois alunos acabaram se distraindo com os professores e se desequilibraram, caindo no pátio da escola, onde uma horda de zumbis aguardava por eles. Com suas bocas abertas cheias de dentes enegrecidos e podres, as mãos manchadas pela morte, esticadas feito garras de aves de rapina ávidas por agarrarem a presa, os mortos-vivos se lançaram ao ataque.

Os zumbis pularam em cima dos dois alunos, como animais selvagens enjaulados, que não eram alimentados há tempos. A disputada fila do "bandejão" ganhou contornos de filme de terror trash de baixo orçamento. Os mortos-vivos saltavam uns por cima dos outros tentando alcançar o "prato do dia" -, como se fosse a última refeição da "morte".

Andrey e Rebecca assistiam chocados e com horror aquele espetáculo brutal de carnificina explícita. Os dois alunos tendo seus corpos violentamente violados, começando por seus cérebros, por unhas que mais pareciam garras, e dentes afiados que lembravam lanças. Depois de todo o horror, tudo o que restou foi um amontoado de ossos mutilados, zumbis com suas bocas manchadas de sangue e vísceras penduradas nos dentes.

5.

Tyler continuava com o pedaço de madeira apontado para à multidão de mortos-vivos que avançavam lentamente em sua direção, em ordem e determinados. Mesmo que ele tivesse sucesso em acabar com um ou dois daqueles zumbis, não conseguiria deter todos. O repórter começou a recuar de forma instintiva, mantendo o pedaço de madeira apontada para a horda.

Tyler retornou correndo para o interior da redação do jornal, enquanto a multidão de ressuscitados investia em sua direção. À medida que os mortos-vivos iam se aglomerando do lado de fora, a porta de vidro estalava e começava a apresentar rachaduras. Em instantes ela quebrou e eles passaram para o lado de dentro, preenchendo os corredores do lugar, antes vazios. O repórter buscou abrigo na sala onde funcionava o almoxarifado no primeiro andar, enquanto do lado de fora, a horda de cadáveres se acumulava ao pé da porta.

6.

Andrey e Rebecca ainda se recuperavam de todo o horror vivido mais cedo com os dois alunos. A professora desabou em um choro sofrido e cheio de culpa, ao mesmo tempo que era consolada pelo colega, que também estava abalado com o ocorrido. Lá fora, o sol havia se escondido no horizonte e a escuridão, tomado forma. Umas poucas estrelas errantes tremeluziam no céu azul-escuro, parecendo espíritos desencarnados imersos nas águas turbulentas de um oceano raivoso, com uma meia-lua tímida escondida entre nuvens que pareciam brilharem em chamas azuis e prateadas. A temperatura do lugar foi mudando de maneira abrupta, e um frio congelante misturado com uma densa neblina fantasmagórica envolveu a cidade, como se fossem braços feitos de fumaça em forma de tentáculos de um polvo gigante abraçando tudo.

Andrey lembrou da artimanha criada pelos dois alunos para fugirem da escola que acabou dando errado, e resolveu fazer o mesmo, dessa vez tomando todos os cuidados para que tudo desse certo. Rebecca ficou com um pé atrás, mas aceitou ajudar o colega no plano de fuga, uma vez que também se encontrava cansada de estar sitiada naquele refeitório por quase dois dias e meio. A dupla correu pegar as toalhas que cobriam as mesas e começaram a confeccionar uma corda. Com o artefato pronto, prenderam uma das pontas numa coluna, a outra jogaram para fora da janela e se prepararam para descer.

7.

Tyler descobriu a existência de uma janela nos fundos do almoxarifado que levava até a lateral do estacionamento, caminhou até lá e constatou que era perfeita para passar seu corpo, mesmo sendo um pouco estreita. O repórter inclinou a cabeça pela janela para fora e estudou o ambiente a procura de algum perigo externo, mas estava tudo calmo. Ele subiu num caixote e colocou todo o peso do corpo para fora caindo de costas no outro lado na grama fofa.

Tyler relaxou por alguns instantes e um sorriso brotou no seu rosto de forma tímida. Ele levantou e caminhou na direção da entrada do estacionamento. A movimentação de alguns zumbis em pontos isolados do lugar fez com que ele recuasse e esperasse. Levou o braço em direção ao rosto e enfiou o nariz na jaqueta que estava usando para amenizar o odor de carne podre que empesteava o ar. Caminhou com cautela até chegar onde seu carro estava estacionado, um Volkswagen Gol 1985. Abriu a porta e entrou. Ligou o carro e deu partida.

8.

Andrey e Rebecca desceram no pátio da escola, que estava calmo e deserto. A concentração de zumbis estava restrita ao interior do lugar. Uma brisa gelada sobrava no ar, misturada com o cheiro dos mortos, fazendo Andrey e Rebecca sentirem ânsia de vômito. No estacionamento da escola, ao invés de veículos, corpos humanos apodreciam ao relento.

A dupla de professores se assustou quando seus ouvidos captaram o som de passos emergindo das sombras da escuridão da noite, eles se viraram rapidamente e ficaram atentos para saberem de qual direção vinham os ruídos.

9.

Tyler estava deixando Randol no seu carro em baixa velocidade e com os faróis desligados. O motorista carregava no banco do passageiro o pedaço de madeira que usava como arma. A noite estava fria e chuvosa. O asfalto molhado não refletia qualquer claridade e as ruas estavam encobertas por uma leve neblina. Os mortos-vivos alheios à presença de Tyler continuavam sua marcha fúnebre e interminável sempre indo e voltando de um lado para o outro. Ao chegar num cruzamento, o repórter notou uma movimentação suspeita de zumbis vinda da escola onde Andrey e Rebecca se encontravam.

Curioso, resolveu conferir. Ao se aproximar, Tyler parou o carro e observou a concentração intensa de cadáveres no local. Num primeiro momento, não notou a presença da dupla de professores, e continuou viagem. Alguns metros adiante, Tyler ouviu o som de gritos atrás dele. O repórter parou e olhou para a escola.

10.

Rebecca estava sentada no banco traseiro do veículo de Tyler, enquanto Andrey ia no carona ao lado do repórter. A professora olhava para fora. O olhar distante, a procura, talvez de alguma beleza que havia se perdido em meio ao caos. A presença dos zumbis quase não podia mais ser notada, o que deixava uma ponta de inquietação no ar. O veículo estava quase fora dos limites da cidade e os mortos-vivos iam ficado para trás. O coração de Tyler e dos outros dois pulsava intensamente a cada minuto que se aproximavam da saída de Randol.

Tyler inclinou o corpo sobre o volante e olhou para o céu da madrugada que se encaminhava para o seu final melancólico. Um jato da força aérea americana se dirigia para o centro de Randol. O repórter sentiu todo o corpo sendo atingido por uma onda de desespero e confusão. Pisou ainda mais fundo no acelerador.

A frustração veio quando chegaram na saída da cidade e encontram o acesso interditado por uma grande cratera aberta para impedir que os mortos-vivos deixassem o lugar e chegassem mais longe. Tyler estava num estado de incompreensão, saiu do carro e bateu a porta com força. Rebecca fechou os olhos e desabou num choro sofrido, enquanto Andrey esmurrava a porta do carona, com o semblante carregado de raiva e frustração.

Epílogo.

O centro de Randol brilhou com intensidade, explodindo em um anel de fogo que vaporizou todos os mortos-vivos e as construções instantaneamente. Uma luz extremamente forte preencheu tudo, e a última coisa que Tyler, Andrey e Rebecca sentiram foram seus corpos queimando.

TEMA: Survival Horror.

Johnathan King
Enviado por Johnathan King em 04/05/2022
Reeditado em 15/05/2022
Código do texto: T7508864
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