O JURAMENTO - CLTS 19

O JURAMENTO

CLTS 19

VALÉRIA GUERRA REITER

Etiópia, Etiópia acorda! A mulher sonolenta vira para o lado e adormece. Ítala insiste: Etiópia! é importante... A senhora de noventa e nove anos abre os olhos e vislumbra a imagem da irmã. Ítala está mantendo a calma, porém seu coração está doído. Dona Etiópia sabe que algo muito grave deve ter ocorrido para Ítala chamá-la assim, tão cedo.

Ítala queria ser a primeira a noticiar o fato à mãe de Aurélio. Em tempos noticiosamente fraudulentos e com o jornalismo galopando nas ondas do click fake; e sabedora de que Etiópia possuía um smartphone; a única irmã da zeladora de Igreja não poderia pestanejar em contar da posse e de todo o resto.

Etiópia era fidelíssima ao catolicismo; ainda a maior religião do Brasil. E desde tenra idade sua mãe, dona Isaura, lhe ensinou a ser católica apostólica e romana. Aurélio fora criado neste forno. E sua mãe além de lhe oferecer o sustentáculo religioso como suporte educativo, também primou por uma educação de excelência nos bancos da academia. A partir dos anos de mil novecentos e trinta ...Etiópia exerceu o papel de governanta da família Bargas. E apesar da pele jambo, trabalhou para este clã por 25 anos.

Casou-se aos 21, e Aurélio nascera dois anos depois. Infelizmente ou felizmente seu esposo a abandonou quando "seu pequeno" fizera oito anos. Muito aplicado aos estudos o menino tinha um sonho acalentado pela genitora: ser político. E em função da dedicação profissional da bisneta de escravos bantus: seu herdeiro pode desfrutar das melhores escolas no território nacional.

Etiópia havia sido até mesmo, ama de leite de uma das filhas do seu patrão, e acompanhou a trajetória política do líder da maior revolução que houve neste país, nos anos de 1930. O esposo da menina sorridente e responsável era alemão de olhos azuis e se apaixonou por Etiópia de forma sobrenatural, e depois também da mesma maneira mágica partiu da sua vida...

Ela não esqueceu. Porém seguiu seu destino com o único filho. O rapaz alto, atlético resolveu ser jornalista. E em 1970 graduou-se na UFRJ. Logo seria deputado e em seguida senador. Um dia chamou o Diabo para uma longa conversa. Sim, ele era ambicioso e queria mudar o mundo desigual e combinado.

Adentrou as dependências do restaurante MANDARIM JOCKEY; um homem de terno bem talhado, de um metro e oitenta e nove, loiríssimo e jovial, que sentou à mesa e pediu um drink.

Logo após chega o belo senador do PARTIDO LIBERAL Aurélio Nascimento Monteiro. Eles iniciam o colóquio. Ambos têm interesses comuns.

Samael nunca deixa um amigo na mão. E não seria diferente com o futuro presidente do Brasil. O anjo romano trouxe em sua pastinha documental, e no pen-drive, o "juramento" com itens a serem cumpridos pelo único filho da senhora Etiópia; dentre os quais o 22. O referido item/norma exige que CINQUENTA POR CENTO DOS NEGROS E MULATOS DE AMBOS OS SEXOS tivessem que se submeter a castração biológica para salvar a nação. E o item/norma 07 extinguia o direito à liberdade de Imprensa, conquistado em 1988, através da CONSTITUIÇÃO. Já as demais cláusulas ratificavam os mesmos desmandos corruptíveis de sempre...

Ademais; o representante de SATANÁS, que significa obstáculo, também colocou um adendo junto à norma 22: ao completar 100 anos, todo cidadão terá automaticamente que passar por eutanásia assistida, afinal o planeta está ecologicamente por um fio (superpopuloso) ;assim pensamos nós, os seus destruidores empresariais/espoliadores.

Em seu afã de ser o representante do poder maior, Aurélio sacou uma caneta tinteiro repleta de eritrócitos carmim e rubricou seu jamegão no documento para lá de diabólico. Pronto! disse Samael! Agora nosso acordo foi selado. E nem Lúcifer em pessoa, ou mesmo o Pai das Luzes, o derribará! É meu nobre presidente! sua sorte foi lançada e daqui para frente TODAS AS PORTAS DO SEU DESTINO SE ABRIRÃO PARA A GRANDE VITÓRIA!

As eleições estão marcadas para outubro de 2022 ; e a posse para janeiro de 2023. Com pouco tempo para a campanha Aurélio corria contra o tempo; apesar de o juramento assinado com sangue lhe garantir o triunfo. Ele precisava encenar humildade e retidão para todos, em seu entorno político: da progenitora (prestes a completar um centenário) até seu fidelíssimo eleitorado.

Seu sonho seria realizado: MUDAR AS ESTRUTURAS DO PAÍS CONTINENTAL onde impera a desigualdade. Vinte e cinco cláusulas pós-modernas a serem cumpridas sem nenhum derramamento de sangue...que maravilha: pensava ele.

A campanha transcorrera muito bem: um sucesso. Outdoors, horas na TV e na Internet. E por fim o ato final: eleito.

O povo incauto acenava com bandeirinhas nas mãos. E isso tudo ocorria no dia do aniversário da senhora mãe do novo presidente. Após a festa de posse – janeiro de 2023, Aurélio senta em seu escritório em Brasília e lê o juramento. Seus olhos não acreditam no que veem. Ele dá um soco na mesa e urra: SAMAEL....afinal quando ele assinou o juramento estava hipnotizado por Exu; o Exu sem general intelecto do Samael...

Passado um minuto um gigante de três metros surge e esbofeteia o chefe da nação, que desmaia. E só acorda três horas depois. “A lei precisa ser executada” é o que está escrito no espelho do banheiro da suíte presidencial. O detalhe é que estava grafado com o sangue do gato preto de estimação do eleito, que esmigalhado jazia no tapete branco da antessala.

Recobrado da sessão de tapas; Aurélio liga para sua tia Ítala e pede para ela levar sua mãe para Angra dos Reis com máxima urgência. Ítala acorda Etiópia, e tenta lhe contar os fatos...porém antes que possa abrir a boca: é picada por um mosquito de forma fatal.

Cai agonizando e balbuciando para a irmã: fuja, seu filho é um monstro. A centenária, forte e lúcida fica atônita e clama por Jesus. Ana entra no quarto, e diante da cena tétrica pede socorro aos outros funcionários...que chegam e tentam reanimar Ítala: em vão.

Dona Etiópia é levada dali pela funcionária Ana. Aurélio rasga o juramento e tenta fugir. Quando adentra o helicóptero oficial vê a figura jovial de Samael sentado ao seu lado fumando um charuto de erva ; ele sorri e diz: a escravidão é um MODUS OPERANDI milenar e ad eternum...

Viver ou morrer? Escolha já! No dia seguinte os noticiários do Brasil e do mundo soltavam reportagens sobre a liberal e nobre decisão do governo nacional e cristão brasileiro de instituir a eutanásia como prática necessária e constitucional (aos 100 anos): demonstrando que a generosa e corajosa mãe do presidente empossado daria o exemplo inaugurando a prática legal. No dia Sete de setembro de 2023, uma estátua de dona Etiópia (em tamanho natural) e banhada a ouro será inaugurada na Praça XV, no Rio de Janeiro; bem ao lado do novo Instituto de Castração das Misericórdias Salvadoras dos Pretos e Mulatos. O presidente Aurélio Nascimento e seu “assessor especial de assuntos cristãos” estarão presentes.

- Agora a política de branqueamento e eugenia dará certo meu querido presidente! E o melhor disso é que teremos a garantia de cinquenta por cento de mão-de-obra escrava perpétua. Aurélio o fitou e respondeu em pensamento: “Que Deus me perdoe”.

Tema: Política

Valéria Guerra
Enviado por Valéria Guerra em 30/04/2022
Código do texto: T7506028
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